investigação

IML conclui que rim tido como desaparecido sempre esteve em corpo de idosa

À época do falecimento de Emídia Nunes Chavante Oliveira, um laudo do Serviço de Verificação de Óbitos constatou que a paciente estava sem um rim. Família acusa Secretaria de Saúde de negligência

Emídia (centro) com o esposo e os filhos. Legista teria se equivocado ao informar que rim teria sido retirado do corpo da paciente -  (crédito: Material cedido ao Correio)
Emídia (centro) com o esposo e os filhos. Legista teria se equivocado ao informar que rim teria sido retirado do corpo da paciente - (crédito: Material cedido ao Correio)

A suspeita em torno do "sumiço" do rim de uma idosa, após falecimento na rede pública de saúde, passou por uma reviravolta na última sexta-feira (2/8). Pouco mais de um mês após uma decisão judicial exigir a exumação do corpo de Emídia Nunes Chavante Oliveira, de 74 anos, um laudo detalhado do Instituto de Medicina Legal (IML) concluiu que o órgão tido como desaparecido sempre esteve no corpo da aposentada.

Para a família, o sentimento é de indignação mediante a imprudência da médica legista, que havia detectado a ausência do órgão, no Serviço de Verificação de Óbitos (SVO). "Os exames finais do IML confirmaram a presença de todos os órgãos de Emídia. Foi possível identificar os rins, pulmões, córneas, cabelos, coração, entre outros. Todos presentes, em contornos e tamanhos normais dentro da atual condição e sem sinais de atrofia", explicou o sobrinho da idosa e advogado do caso, Kenneth Chavante. 

"A profissional informou ao filho de Emídia: 'olha, roubado (o rim) não foi, mas pode ser que tenha passado batido e eu não vi'. Meu primo levantou da mesa e saiu chorando", recordou Chavante, destacando que o erro demonstra descuido, negligência e imperícia no exercício a profissão, visto que, segundo ele, a médica agiu de forma precipitada e sem a devida cautela.

Também após a exumação, foi constatado que um dos rins da idosa havia sido deixado aberto e solto em seu corpo. "Na autópsia, é natural que o órgão seja cortado ao meio para averiguação. Depois, deve ser fechado e novamente inserido. Isso não ocorreu com a vítima. Tanto que uma parte do rim foi encontrada longe de onde deveria estar", destacou o advogado, também presidente da Comissão de Direito Médico e da Saúde da Ordem dos Advogados do Brasil, subseção de Samambaia (OAB/SAM/DF).

A causa da morte da aposentada foi diverticulite purulenta, na qual uma perfuração no divertículo libera o conteúdo do intestino para a cavidade abdominal podendo causar infecção. "A legista informou que a perfuração era pequena e que gotejava lentamente, processo acelerado após darem laxante à paciente", informou Chavante. 

Diferentes diagnósticos

Conforme nota enviada pela família, Emídia recebeu diferentes diagnósticos nas unidades de saúde em que passou. "Nenhum profissional se atentava a detalhes importantes apresentados nos exames, como o líquido solto na pelve e distensão absurda da barriga", disse a nota. 

"A família tem certeza de que ela (Emídia) teria uma chance altíssima de sobreviver se não houvesse o empurra-empurra dos hospitais e profissionais de saúde. Faltou ter sido diagnosticada corretamente, ainda no primeiro contato com a unidade de saúde. Foram negligentes", contou o advogado. 

Os familiares prosseguirão com o processo de responsabilização dos profissionais, tanto administrativo, junto ao Conselho Regional de Medicina (CRM/DF), quando judicial por danos materiais e morais, em vista dos gastos com serviços funerários.

Nos próximos dias, o corpo da Emídia será inumado, em uma cerimônia restrita apenas aos filhos. O processo seguirá em segredo de Justiça. 

Questionada sobre a conclusão do laudo de exumação do IML, a Secretaria de Saúde afirmou colaborar com as investigações e, sempre que solicitada, fornecer informações aos órgãos competentes e dentro dos autos do processo. "Informamos ainda que foi aberto processo de investigação interno para apurar os fatos", disse em nota enviada ao Correio.

  • O advogado Chavante ao centro, as irmãs da dona Emídia e ela, de vestido quadriculado laranja
    O advogado Chavante ao centro, as irmãs da dona Emídia e ela, de vestido quadriculado laranja Material cedido ao Correio
  • A idosa morava em Samambaia e trabalhou na feira da cidade durante anos
    A idosa morava em Samambaia e trabalhou na feira da cidade durante anos Material cedido ao Correio

Entenda o caso

Queixas de fortes dores na região da barriga e nas costas, além de enjoo e tontura, levaram Emídia a peregrinar por hospitais e unidades de pronto-atendimento (UPA) por cinco dias. Em 27 de março, esteve no Hospital Regional de Taguatinga (HRT) e, no dia seguinte, compareceu à UPA de Samambaia. No dia 29, retornou ao HRT, mas não foi atendida e voltou à UPA, onde foi diagnosticada com dor lombar e recebeu morfina.

Em 30 de março, a idosa voltou ao HRT, mas, cada vez que ela passava por um hospital diferente, recebia diagnóstico e medicação distintos. Na mesma data, foi avaliada pelos profissionais de saúde, que pediram uma tomografia computadorizada. Por volta de 1h de 31 de março, ela sofreu uma parada cardíaca, foi reanimada após 28 minutos e colocada em ventilação mecânica. Minutos depois, houve outra parada cardíaca e Emídia não resistiu.

Além da imprecisão da causa da morte por parte do hospital, o corpo da idosa foi levado ao Serviço de Verificação de Óbitos (SVO) dois dias após o falecimento, conforme informou Chavante. "Eles falaram que ela morreu de infecção urinária, mas nada dos exames mostravam essa infecção a ponto de levar à morte. Quando ela foi para o SVO de Ceilândia, a médica fez o laudo e chamou a família, após constatar que ela estava sem um rim", afirmou, à época, o profissional.

Inquérito

Após a constatação da médica do SVO, os familiares levaram exames que comprovam que Emídia tinha dois rins. A profissional de saúde descartou, ainda, agenesia renal — quando a pessoa nasce só com um rim — e atrofia. "A família mandou enterrar, mas levamos o caso à delegacia. Percebemos que, após a morte, a equipe médica do hospital fez um aditamento e revisão do prontuário pós-morte, o que não é normal", frisou o advogado.

Em 26 de junho, a Polícia Civil exumou o corpo e o encaminhou ao Instituto Médico Legal (IML). O caso, investigado pela 12ª DP (Taguatinga Centro), requereu os dados pessoais dos servidores que trabalharam no hospital entre 27 e 31 de março, a documentação médica da vítima e a coleta de depoimentos. Uma das pessoas que irá testemunhar é a médica que constatou a falta de um dos rins.

Na ocasião, a Secretaria de Saúde (SES-DF) afirmou que estava colaborando com as investigações e, sempre que solicitada, fornecia informações aos órgãos competentes. A pasta disse ter abrido processo de investigação interno para apurar os fatos.

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postado em 03/08/2024 18:07 / atualizado em 04/08/2024 10:22
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