O Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgado ontem, mostrou que o Distrito Federal registrou aumento em alguns crimes, entre 2022 e 2023. A situação mais alarmante é sobre as mortes decorrentes de intervenções policiais na capital do país, que tiveram um crescimento de 68,75%, passando de 16 para 27. Além disso, os números de violência contra a mulher registraram aumento em praticamente todos os tipos de crime.
Confira crimes contra a mulher
Tentativas de feminicídio
2022 87
2023 105
Feminicídio
2022 22
2023 33
Stalking
2022 1.925
2023 2.283
Estupro
2022 259
2023 294
Importunação sexual
2022 692
2023 877
Fonte: Anual Brasileiro de Segurança Pública
Ao analisar as mortes por ação policial, o documento destaca que "é preciso avançar na discussão sobre como reprimir o poder bélico, territorial e financeiro do crime organizado de forma mais eficiente e efetiva do que o incentivo/liberalidade da letalidade policial por parte de alguns governantes, sejam eles de direita, centro ou de esquerda no espectro político e ideológico. A atual forma de enfrentamento acaba por gerar mais mortes, sobretudo de negros, jovens e por armas de fogo".
Sobre os dados de violência contra a mulher, o anuário ressalta que "estamos em 2023 e seguimos tentando entender e combater o fenômeno, na expectativa de que nossos dados e análises reverberem e contribuam para que as violências contra as mulheres fiquem cada vez menos na sombra e sejam cada vez mais percebidas e desnaturalizadas".
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Para o antropólogo, sociólogo, criminólogo e especialista em segurança pública Wellington Caixeta, chama a atenção a quantidade de crimes cometidos contra mulheres que são decorrentes de conflitos interpessoais, tais como: ameaça, stalking, violência psicológica, etc. "Os dados de violência doméstica contra a mulher no DF também são preocupantes, o que evidencia o enorme desafio para as políticas públicas implementadas localmente, as quais devem ser pautadas considerando as questões demográficas e culturais, assim como as desigualdades sociais no DF", opina.
Celulares
O anuário mostrou que os crimes de roubo e furto de celulares estão em evidência no DF. Juntando os dois tipos de delito, a capital do país teve, no ano passado, a terceira maior taxa de ocorrências (908,4), por 100 mil habitantes, ficando à frente do estado de São Paulo (666,6), por exemplo, e atrás somente do Amazonas (1.075,9) e do Amapá (963,3).
Moradora de Ceilândia Norte, a estudante de pedagogia Nicole Beatriz, 23 anos, foi assaltada na rua de casa. "Estava saindo para estudar, com o celular na cintura, quando fui abordada", recorda. Ela conta que se sentiu muito impotente perante a situação e afirmou que, principalmente depois do ocorrido, não se sente mais segura para utilizar o aparelho em nenhum local do Distrito Federal, principalmente em Ceilândia.
Helena da Silva, 56, moradora de Samambaia, afirma que foi roubada duas vezes na região onde mora, a mais recente quando saía para trabalhar, à luz do dia. "Um carro com três indivíduos abordou a mim e mais duas amigas, levando minha bolsa com o celular e todos meus documentos, me deixando só com o guarda-chuva", lamenta. Ela destacou que todos os membros de sua família tiveram celulares roubados e, por esse histórico, Helena não enxerga o DF como um lugar seguro e, por estar recém-operada e andar mais devagar, ressalta que a sensação de insegurança é ainda maior.
Professor e mestre em direito, o especialista em segurança pública Júlio Hott comenta que a criminalidade patrimonial não foge à regra da teoria da reação social. "Nela, teríamos uma população de rua, principalmente os usuários de drogas, que veem no celular uma moeda fácil para trocar pelo entorpecente. Essas demandas são supridas, também, com furtos e roubos de celulares", avalia. Hott afirma que o DF desponta e, certamente, vai se destacar ainda mais nesses tipos de crime. "Tanto por essa demanda, como pelo fato das pessoas transitarem usando esses equipamentos e acabarem se descuidando, seja andando pela rua ou dentro de veículos, facilitando, assim, essas atividades criminais", reforça.
Estelionato eletrônico
Ainda de acordo com o especialista, os roubos e furtos de celulares podem se relacionar, mesmo que indiretamente, com os estelionatos cometidos por meio eletrônico. Segundo o anuário, essa prática cresceu no DF, passando de 15.749 para 16.060 ocorrências, entre 2022 e 2023. "Os criminosos que praticam esse tipo de estelionato se utilizam, principalmente, de dados vazados ou das redes sociais das vítimas", explica.
"Acredito que os roubos e furtos de celulares podem ter relação com esse tipo de crime, pelo fato de que, quanto mais aparelhos tomados, mais pessoas poderão adquiri-los por um preço menor, por meio dos mercados paralelos, e, desta forma, elas terão acesso às redes sociais, facilitando o roubo de dados e a prática do estelionato eletrônico", complementa Hott.
Recordes significativos
Em nota, a Secretaria de Segurança Pública (SSP-DF) defende que, de acordo com dados do anuário e do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), as polícias Militar e Civil do DF figuram entre as quatro menos letais do país. A pasta também destacou que todas as ocorrências de mortes em decorrência de ação policial, ou qualquer outro tipo de violência relacionada, são rigorosamente apuradas pela Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF), por meio de inquérito policial, e pelas corregedorias das polícias civil e militar.
A pasta também destaca que vem atingindo recordes significativos nos últimos anos na redução dos crimes no DF, sobretudo os homicídios e crimes contra o patrimônio. "Este ano, o DF vem investindo em tecnologia e inteligência, priorizando o enfrentamento da criminalidade, sobretudo os relacionados à violência contra a mulher. No caso dos feminicídios e dos estupros, a redução nesse semestre foi de 63% e 7%, respectivamente", afirma o texto.
Em relação aos furtos de celulares, a SSP-DF informa que vem trabalhando em diversas iniciativas, como o reforço da segurança e de campanhas educativas em shows e eventos e, ainda, a investigação e identificação de possíveis grupos especializados nesse tipo de crime.
*Colaborou José Albuquerque, estagiário sob a supervisão de José Carlos Vieira