Uma ação idealizada por missionários moradores da capital federal está traduzindo a Bíblia para a Língua Brasileira de Sinais (Libras), ajudando a evangelizar pessoas surdas e a expandir o ensino dessa forma de comunicação. O primeiro passo dessa iniciativa foi dado pelo casal Hosana e Sérgio Seiffert. Em julho de 2017, eles conseguiram financiamento da empresa norte-americana Wycliffe Associates para iniciar o trabalho, que em abril de 2019 passou a ser Projeto de Extensão da Universidade Evangélica de Goiás (UniEvangélica). Isso permitiu agregar, além da participação acadêmica, mais pessoas e, dessa forma, passou a ter mais responsáveis pela continuidade dessa caminhada e com novas ideias.
Uma das contribuições foi dada por um grupo de surdos envolvidos no projeto. Eles criaram o aplicativo Bíblia TPS. A sigla significa: "Tradução com Protagonismo Surdo da Bíblia". Além dessa solução, os usuários podem acessar o livro sagrado dos cristãos por mais duas maneiras: pelo site (bibliatps.org) e pelo canal do YouTube (@bibliatps) — que está conectado ao portal —, com uma média de 900 acessos diários, provenientes — além do Brasil— da Alemanha, Bolívia, Canadá, Estados Unidos, Japão, Moçambique e Portugal.
O trabalho, que envolve dezenas de pessoas, alcançou, até agora, a tradução completa do Novo Testamento para a Libras. Em 28 de fevereiro deste ano, foi assinado um acordo de cooperação entre a UniEvangélica e a Missão Kophós para iniciar a adaptação do Antigo Testamento ao idioma nacional dos surdos. O começo se dará pelo primeiro livro dessas escrituras sagradas: o Gênesis. Para esse tomo, a previsão é que seja concluído até 2027.
Mesmo sendo um projeto sem fins lucrativos, e que qualquer pessoa pode usar de graça, há gastos para sua realização. Atualmente, o custo para traduzir um versículo a Libras é de R$ 324. Como o Antigo Testamento tem mais de 23 mil versículos, será preciso um investimento de R$ 8 milhões. Só para o Novo Testamento foram necessários R$ 2,8 milhões. Assim, para prover esses recursos, além do financiamento da universidade goiana, doações são bem vindas, sugerem os envolvidos na iniciativa. Para isso, é só acessar o site.
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Público-alvo
Estima-se que no Distrito Federal haja 97 mil pessoas surdas. Entre elas, 25 mil utilizam Libras para se comunicar, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatistica (IBGE).
A moradora de Águas Claras Agnes Kihara Maeda, 28 anos, utiliza o aplicativo, diariamente, por aproximadamente uma hora. Ela acredita que a plataforma é eficaz, não apenas para sua conexão religiosa, mas, especialmente, para ampliar seu vocabulário e conhecimentos nessa forma de expressão. "Para mim, a importância deste aplicativo é ajudar as pessoas surdas a terem acesso à Palavra de Deus e também a expandir o conhecimento em Libras com os novos sinais presentes na plataforma", avaliou.
Ela destacou que o TPS facilita o entendimento das mensagens pregadas em sua igreja. "Tem me ajudado muito a ter mais conhecimento em Libras para me comunicar sobre assuntos da Bíblia com surdos e intérpretes", contou. Agnes conheceu a plataforma graças a outras pessoas de sua congregação religiosa que, como ela, têm deficiência auditiva. Agora, como contrapartida aos usuários que a apresentaram à solução, de que se diz assídua, oferece ajuda quando eles têm alguma dificuldade no manejo ou na interpretação do que é apresentado pelo TPS.
Educação
O coordenador de projetos de inclusão social da UniEvangélica, Rocides Correia, assegura que o aplicativo agrega responsabilidade social, valor acadêmico e científico. "Percebemos que, mesmo sendo um texto bíblico, (o TPS) vai além da questão religiosa. Ele envolve a cultura ocidental. Nós (da universidade) entramos com suporte acadêmico usando metodologias de tradução e linguística, e entendemos que, ao fazer isso, nós preparamos a comunidade surda para temas científicos, porque ao ter acesso a essa tradução ele (o indivíduo surdo) expande seu vocabulário, usando-o em outros tipos de textos", declarou.
Elcanã Maate Peixoto Oliveira, morador de Taguatinga, 33, e surdo, também utiliza o aplicativo e o recomenda a outros fiéis de sua denominação religiosa que têm a limitação. "O acesso ao aplicativo tem me ajudado a esclarecer e entender melhor a palavra de Deus, já que tenho dificuldade com a leitura, e na plataforma é mais fácil por estar na minha língua (Libras)", explicou.
Stefany Marques, 28, graduada em letras pela Universidade de Brasília (UnB) e uma das tradutoras surdas do projeto, descreve o TPS como a realização de um sonho. "Muitos surdos têm limitações e não conseguem ler grandes trechos da Bíblia", observou. "Para traduzir, minha mente adapta a estrutura gramatical do português para a estrutura da Língua de Sinais", disse.
Propósitos
O Projeto TPS, atualmente, envolve 20 pessoas, sendo 10 surdos e 10 ouvintes, incluindo teólogos bilíngues, intérpretes facilitadores e missionários, além de mais de 30 voluntários de todo o Brasil. É coordenado pelo pastor surdo Paulo Sérgio de Jesus Oliveira e possui 9 equipes dedicadas às áreas de Tradução, Retrotradução, Validação, Testagem Comunitária, Glossário, Edição, Administração e Comunicação.
Gabriel Corbacho, arquiteto surdo e coordenador do glossário utilizado no aplicativo, destacou os desafios enfrentados, especialmente na interpretação de lugares e personagens bíblicos em Libras. "Nós, como cidadãos surdos e membros da comunidade surda, temos a Língua de Sinais como nosso idioma materno, e sabemos que a estrutura do português, em várias versões da Bíblia, requer um glossário com sinais específicos para termos teológicos", revelou.
Dessa maneira, para o aprimoramento do TPS, ele explica o processo de consulta aos teólogos para garantir que os sinais empregados sejam os mais adequados aos que os personagens bíblicos expressaram. Isso os faz aprimorar o uso do léxico em sinais, o que permite ampliar os conhecimentos da comunidade surda.
O pastor Paulo Sérgio de Jesus Oliveira, diretor do projeto, destacou a importância de expandir o trabalho a mais usuários para alcançar aqueles que usam Libras como língua materna. "Muitos surdos cristãos ainda não conheceram o Evangelho. Ao compreenderem a Palavra do Senhor, em sua língua, podem se tornar missionários e influenciar o mundo positivamente ", disse.
Ricardo Estruc — que é filho de surdos, mas não tem a deficiência — coordena a equipe de validação do projeto. Ele, que é intérprete bilíngue em Libras, disse que, na infância, via a dificuldade de seus pais em acompanharem os cultos, que não eram preparados para pessoas como eles. O obstáculo foi superado com a ajuda de um missionário que conseguia se comunicar com o casal. Por essa experiência pessoal, Estruc diz dedicar-se ao projeto para que outras pessoas com impedimento auditivo possam se integrar melhor ao mundo e à fé.