A arquiteta, urbanista e membro do Instituto Histórico e Geográfico do DF Vera Ramos questiona a possibilidade de Brasília perder o título de patrimônio tombado junto à Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), por conta do PPCUB. Este e outros pontos foram temas do segundo Podcast do Correio sobre o tema. Aos jornalistas Mila Ferreira e José Carlos Vieira, a especialista destacou que devemos encarar qualquer intervenção com muito respeito e cuidado.
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Quais são os pontos preocupantes do PPCUB?
São muitos. Eu não tive conhecimento de todas as emendas ainda. A imprensa está noticiando várias. Eu gostaria de fazer uma pequena introdução. Tenho lido muitas informações e acho que está faltando dizer que o partido urbanismo de Brasília é o partido da cidade parque como sabemos. O que isso significa? Predominância das áreas verdes sobre as áreas construídas. O urbanismo de Brasília traduz uma referência ética, que significa a predominância do interesse coletivo sobre o privado. E o que estamos vendo no PPCUB é que existem artigos e dispositivos que estão beneficiando o interesse privado, em detrimento do interesse coletivo. Essa aula de ética que o urbanismo de Brasília dá para todos nós, e para as autoridades, deveria fazer parte, inclusive, de informações para o melhor entendimento desse plano. Brasília é uma cidade que inovou, com um urbanismo inovador de Lucio Costa e a arquitetura de Oscar Niemeyer. Além disso, também privilegiou a questão da sustentabilidade. O PPCUB está ameaçando a qualidade de vida e ambiental. A Unesco exige e recomenda que todos os bens inscritos tenham um plano de preservação, mas um plano de preservação que tenha regras claras, o PPCUB não tem. Além disso, que tenha um comitê gestor. Não houve participação ativa da sociedade civil, a comunidade não conhece o PPCUB.
Poderia apontar alguns pontos negativos?
O adensamento, que é um dos objetivos. Como ele seria? Através da criação de novos lotes em áreas públicas e por meio do desdobro de lotes existentes em vários outros. Essas áreas não edificantes são características de Brasília, é um instrumento de projetos, não são áreas ociosas sem destinação. Isso faz parte da escala bucólica. O vazio faz parte da paisagem, então é muito bem definido. Na minha opinião, quando se vai fazer qualquer intervenção, a abordagem tem que ser pelas escalas, porque elas são objetos do tombamento. E não você dividir tudo em setores e misturar setor de uma escala com outra. Você poderia enxugar mais esse PPCUB, se fizessem uma abordagem geral pelas escalas, porque elas são objetos do tombamento.
E Brasília é uma cidade-parque e uma das maiores preocupações é em relação à Escala Bucólica. É isso?
E ela é a mais atingida. Dentro dos objetivos está o adensamento, dentre as diretrizes consta o seguinte: as áreas não edificantes permanecem como estão, com exceção do que for estabelecido nos planos programas e projetos, ou seja, você não sabe o que vem nos planos, programas e projetos que podem transformar essas áreas e criar lotes.
Então, o PPCUB seria uma brecha para mudar a fisionomia da cidade?
Você vai ocupar espaços que não são previstos para isso, e que fazem parte da proporção dentre as áreas construídas e as áreas verdes. Essa é uma ameaça muito grande. Existem outras, por exemplo, que não há transparência em vários dispositivos. Com relação às atividades, que constam de uma tabela muito complexa, que é da Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE). Você precisa consultar as planilhas do PPCUB e ficar lendo a tabela da CNAE, é muito complicado. As colunas de classes e subclasses ainda vão ser regulamentadas. Você não sabe o que vem por aí.
Nesse projeto que foi aprovado na Câmara Legislativa, o governador — Ibaneis Rocha (MDB) — anunciou alguns vetos. Mas um ponto polêmico e que ele ainda não vetou é com relação à volumetria e gabarito dos hotéis de três andares nos Setores Hoteleiro Sul e Norte. Qual o impacto desses hotéis poderem crescer até 12 andares?
O impacto visual na paisagem. A volumetria faz parte do tombamento e está protegida. Toda e qualquer intervenção em sítio tombado precisa ser muito estudada. De cara, nós sabemos dos impactos no trânsito, nas ilhas de calor, pois estamos em uma época de mudanças climáticas e de desastres acontecendo.
Isso deveria ser pensado em um projeto desse tamanho...
Isso tinha que ser pensado. Cada intervenção que é prevista em um sítio protegido, tem que ter uma equipe multidisciplinar estudando os impactos. Sem contar que ainda temos mais oito ou 10 hotéis para se construir, que vão se somar a outros 16 que estão prevendo um aumento de gabarito.
Poderia explicar até que ponto a Portaria 166 do Iphan é uma salvaguarda?
É bastante preocupante. O entendimento jurídico atual, e isso eu ouvi do presidente do Iphan e foi manifestado em audiências, é que existe uma gestão compartilhada entre o instituto e o GDF, pois ambos tombaram o Conjunto Urbanístico de Brasília. Os pareceres do Iphan alertam para incompatibilidade e usos desconformes, mas eles não aprovam ou desaprovam. Na Portaria 166 existe uma lista de intervenção, pois como alterações de usos e gabaritos etc, lá está escrito que devem se submeter à aprovação do instituto. Mas a postura do Iphan, que eu escutei ao longo desses anos, foi que ele vai se posicionar quando houver conflitos com a portaria. É muito difícil acreditar que isso vai resolver um problema.
Como fazer a cidade se desenvolver preservando o patrimônio?
Você tem que priorizar a preservação. Devemos resgatar conceitos que estão se perdendo, e corrigir desvirtuamento. Para isso, tem que sentar na mesa uma porção de segmentos da sociedade. Devem existir instrumentos de preservação, valorização do patrimônio e incentivar o turismo cultural, que trará renda para fazer a conservação dos nossos edifícios e espaços públicos. A população é a guardiã do patrimônio. O que eu via e vejo nas declarações oficiais e nas audiências públicas é que esse PPCUB vem para condensar e atualizar normas. Mas ele vai muito além, não é informado todas essas possibilidades questionáveis que o PPCUB abre.
Brasília corre risco de perder o título de patrimônio tombado junto à Unesco?
Sim. Primeiro, a Unesco coloca na lista de patrimônio em perigo. O Parque Nacional do Iguaçu já entrou nessa lista, saiu e agora está ameaçado de entrar novamente, por causa da estrada que está prevista para ser construída lá.
Qual seria o prejuízo se Brasília perder esse título?
É incalculável. Brasília é inovação, não podemos retroceder em pleno século 21. Há uma série de recomendações que parecem que não estão sendo levadas em conta sobre complementação, preservação e expansão urbana. Lucio Costa conta que devemos fugir das teorias protelatórias e das improvisações.
*Estagiário sob a supervisão de José Carlos Vieira
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