Longe de ser uma realidade atual, os ônibus de viagens clandestinos atuam no país há décadas e operam fora da regulamentação oficial. Com preços abaixo do mercado e flexibilidade nos horários, a opção por embarcar nesses coletivos tem se tornado uma alternativa barata para muitos brasileiros. Mas a facilidade pode resultar em riscos irreparáveis. Na terceira reportagem da série Piratas das Estradas, o Correio mostra que houve um crescimento alarmante na quantidade de ônibus de viagem clandestinos no Brasil e os acidentes envolvendo esse tipo de veículo.
O diretor-executivo da Confederação Nacional do Transporte (CNT), Bruno Batista, explica que o transporte formal, pelas empresas que são regularizadas, segue as diretrizes que são estruturadas pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT). Existe um nível de segurança que é muito maior. "Mas, essas empresas de ônibus clandestinos, por outro lado, correm à margem da fiscalização. Normalmente pelo fato de venderem as passagens mais baratas, isso está associado a veículos mais velhos, com menos manutenção, com motoristas com pouco treinamento, e utilizam locais de embarque e desembarque que não são apropriados", pontua.
"Então existe toda uma sequência de situações que acabam contribuindo para que eles sejam mais inseguros. O que a CNT defende sempre é a formalização. Defendemos que as empresas sejam formais e regularmente estabelecidas. Pois, assim é mais fácil fiscalizar e ter o controle sobre tudo, para oferecer um nível de segurança maior ao usuário", completa Batista.
Advogada do escritório Jorge Advogados, Marianne Santos afirma que o transporte de ônibus de viagem clandestinos tem realmente crescido no Brasil. "Em 2023, a ANTT autuou 1.287 veículos, um aumento de 54% em relação às 835 autuações no mesmo período de 2022. Em 2022, houve 1.150 apreensões de ônibus clandestinos. Os proprietários desses veículos pagam uma multa de cerca de R$ 7.400 quando flagrados, mas muitos continuam a operar ilegalmente", afirma a especialista na área.
De acordo com Marianne Santos, ônibus regulares devem cumprir várias exigências, como infraestrutura adequada, motoristas qualificados, frota em bom estado, cumprimento de horários e venda de bilhetes. "Essas exigências garantem segurança e acessibilidade para os passageiros", afirma. Para a advogada, esse crescimento de circulação dos ônibus clandestinos se deve ao fato de que atraem os passageiros pelo preço mais baixo, pois não recolhem ICMS e têm custos operacionais menores. "Além disso, deve-se ao fato da pouca disponibilidade do transporte público em regiões mais remotas e carentes, assim como constantes greves do setor. O cidadão acaba obrigado a utilizar desse transporte ilegal", detalha.
- Viagem sem volta: os cinco mortos vítimas do transporte clandestino (primeira reportagem da série)
- Motoristas de ônibus admitem ilegalidades em viagens: "Regular? Só na Rodoviária" (segunda reportagem da série)
Medidas de combate
Para combater o problema, a ANTT tem intensificado as operações de fiscalização, apreendendo veículos irregulares e aplicando multas severas aos responsáveis. Além disso, campanhas de conscientização têm sido promovidas para alertar a população sobre os riscos de utilizar esses serviços.
No entanto, especialistas apontam que é necessário um esforço conjunto entre governo, empresas de transporte legalizadas e a sociedade para efetivamente reduzir a incidência de acidentes. Investimentos em infraestrutura rodoviária, aprimoramento das condições de trabalho dos motoristas e a criação de alternativas de transporte mais acessíveis e seguras são algumas das medidas sugeridas.
Segundo a advogada que atua no setor, para colocar medidas de combate à circulação e aos acidentes de ônibus de viagens clandestinas, se faz necessário o acompanhamento intenso quanto a utilização e acompanhamento desses veículos, a fim de repudiar cada vez mais esse tipo de prática.
"Atualmente, os fiscais da ANTT apreendem veículos de empresas não autorizadas que apresentam problemas como para-brisas trincados, pneus desgastados, extintores de incêndio vencidos e vazios, ou motoristas sem carteira ou sem curso para transporte coletivo de passageiros. Além das inspeções regulares, os fiscais da ANTT também buscam conduzir campanhas de conscientização sobre a importância do uso do cinto de segurança durante toda a viagem de ônibus. Contudo, essa fiscalização deve ser intensificada de um modo geral e não só em períodos de férias e feriados prolongados", diz.
A advogada explicou que os ônibus de viagem clandestinos podem ser considerados como infratores, na medida em que o transporte irregular de passageiros afronta diretamente a Resolução nº 4.278/2014 e estão sujeitos a apreensão do veículo e multa no valor de R$ 7.428,32. "Quando os ônibus clandestinos são identificados, o veículo é escoltado até o terminal rodoviário mais próximo. No terminal, o veículo é formalmente apreendido e os passageiros são transferidos para um transporte regular, com todos os custos arcados pela empresa infratora, os quais devem garantir que os passageiros possam continuar sua viagem sem despesas adicionais", afirmou Marianne Santos.
"Normalmente, os veículos clandestinos que se envolvem em acidentes são veículos de empresas não autorizadas que apresentam para-brisas trincados, pneus desgastados, extintores de incêndio vencidos ou até mesmo vazios, e, via de regras, os motoristas não possuem a devida carteira de habilitação ou sem o curso obrigatório para transporte coletivo de passageiros. Esses veículos frequentemente operam sem as condições mínimas de segurança e manutenção necessárias para garantir a segurança dos passageiros", ressalta a advogada.
Conscientização
Os usuários de transporte de passageiros devem se conscientizar sobre os riscos do transporte clandestino. "Além da incerteza sobre a conclusão da viagem, os trajetos são frequentemente mais longos, pois esses transportadores usam rotas alternativas para evitar fiscalização, resultando em percursos mais extensos e em estradas precárias. Muitas vezes, esses transportadores operam sem a devida documentação e os equipamentos de segurança necessários, e os motoristas podem até mesmo não possuir Carteira Nacional de Habilitação apropriada", destaca Marianne Santos.
Para a advogada, além dos riscos de acidentes, o transporte clandestino pode estar envolvido em atividades ilícitas, como o tráfico de drogas, armas, pessoas e animais. "Os passageiros podem ter uma falsa sensação de segurança se não ocorrer nenhum incidente durante a viagem, mas estão expostos a muitos perigos. Além disso, esses transportadores não recolhem impostos, o que contribui diretamente para a criminalidade", acrescenta.
"Outro problema é a falta de seguro em caso de acidente. Veículos clandestinos não oferecem seguro, o que significa que os passageiros não têm direito a indenizações. Enquanto isso, o transporte regular oferece seguro viagem, o que garante cobertura em casos de perda de bagagem e outras ocorrências. Embora muitos passageiros optem pelo transporte clandestino por ser aparentemente mais barato, especialmente em viagens de longa distância, essa escolha é arriscada e nem sempre econômica", explica Marianne.
Fiscalização
O chefe do Núcleo de Comunicação Social da PRF no DF, Rodrigo Abreu, diz à reportagem que a fiscalização do transporte de passageiros faz parte da rotina operacional da Polícia Rodoviária Federal (PRF). No seu dia a dia, a PRF realiza esse tipo de trabalho, seja voltado para a parte de fiscalização de transporte, seja voltado para a fiscalização de trânsito (CTB) e também para o combate ao crime", explicou. "Então, a PRF já faz essa fiscalização na sua rotina, quando acionada por outros órgãos e até mesmo por intermédio de denúncias que chegam até as nossas equipes por meio do telefone 191".
Abreu enumera as principais irregularidades encontradas pelos policiais. "Com as fiscalizações encontramos várias irregularidades, que variam de região para região, mas principalmente irregularidades voltadas à manutenção do veículo. Essas irregularidades englobam os equipamentos obrigatórios, como parte de freios, suspensão, pneus e até mesmo o cronotacógrafo, que é um equipamento obrigatório. Uma outra infração que a PRF tem dedicado um esforço extra é com o respeito à Lei do Descanso, que também se aplica ao transporte de passageiros.", pontua.
O chefe do Núcleo de Comunicação Social da PRF no DF destaca que a ANTT e a PRF fiscalizam o transporte de passageiros. "A PRF na sua rotina fiscaliza, assim como a ANTT também tem equipes de fiscais que fazem esse trabalho. Além disso, ocorrem operações conjuntas entre os dois órgãos. Essa parceria existe e é comum a PRF acionar a ANTT para atender a alguma demanda, como da mesma forma a ANTT aciona a PRF para ações em conjunto", diz.
O aumento dos acidentes com ônibus de viagens clandestinas no Brasil é um problema sério que exige atenção imediata. A busca por economia e conveniência não pode comprometer a segurança dos passageiros. É essencial que os órgãos responsáveis intensifiquem a fiscalização e que a população esteja ciente dos perigos associados a esses serviços irregulares. Somente com um esforço conjunto será possível garantir viagens mais seguras e reduzir o número de tragédias nas estradas brasileiras.
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Na primeira reportagem da série, o Correio abordou o grave acidente envolvendo a empresa de viagens Íris, que resultou na morte de cinco pessoas em outubro do ano passado. Segundo o promotor de Justiça Renato Ercolin, que está à frente do caso, o incidente não foi um mero acidente causado por descuido. “Não há dúvida sobre a responsabilidade dos réus nas mortes e nas tentativas de homicídio. Isso implica tanto na responsabilização civil quanto na penal. Não foi um acidente. A colisão que causou as mortes decorreu do comportamento consciente do motorista do ônibus, que ignorou as consequências de seus atos e assumiu o risco do que pudesse ocorrer, com o apoio do corréu”, destacou o promotor.
Ele, que possui experiência em casos semelhantes, ressalta que, nesta fase do processo, serão apresentadas as alegações finais, o que poderá levar a um novo pedido de prisão dos dois acusados.
No segundo material produzido pela reportagem, o Correio investigou como os responsáveis pelo transporte pirata evitam a fiscalização nas rodovias. Utilizando grupos de WhatsApp, esses operadores compartilham informações sobre pontos de bloqueio, desvio de rotas para estradas precárias e tentam subornar agentes de segurança e fiscais para evitar multas.
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