Violência contra a mulher

Justiça do DF implacável na condenação de autores de feminicídios

Levantamento do Correio mostra penas a serem cumpridas pelos autores das mortes cometidas em 2022 e 2023. Criminosos que ainda não foram julgados aguardam a sentença atrás das grades. Especialistas comentam aspectos da aplicação da lei

Violência contra a mulher -  (crédito: Krakenimages.com/Freepik)
Violência contra a mulher - (crédito: Krakenimages.com/Freepik)

Quatrocentos e cinquenta anos. Essa é a soma do tempo de cadeia a ser cumprido pelos criminosos condenados por 16 dos 52 feminicídios cometidos no Distrito Federal entre 2022 e 2023. Os autores que ainda não foram julgados aguardam a sentença na prisão. Os responsáveis pelos seis casos registrados em 2024 também estão presos preventivamente. O Correio ouviu especialistas sobre o rigor da Justiça com feminicidas e aspectos da lei que agravam ainda mais as penas para quem comete esse tipo de crime.

Na última terça-feira, a Justiça do Distrito Federal condenou Jonas Costa Pataxia a 28 anos, oito meses e 12 dias de prisão, por matar a companheira, Emily Talita da Silva. O réu cumprirá a pena em regime fechado e não poderá recorrer em liberdade. Ele está preso desde junho de 2023, quando cometeu o crime e confessou. De acordo com a Procuradoria-Geral de Justiça do DF, a média de pena para os feminicídios cometidos nos dois últimos anos é de 23 a 26 anos. 

"A Justiça tem se mostrado pouco tolerante com a conduta dos feminicidas. Quando eles são submetidos a julgamentos perante o tribunal do júri, a sentença condenatória e as penas são bem expressivas, se comparadas com as dos outros crimes", ressalta o promotor de justiça do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) Daniel Bernoulli. "No âmbito jurídico, a lei e os entendimentos dos tribunais superiores vêm reduzindo a viabilidade de teses aventureiras e as defesas desses assassinos têm encontrado mais dificuldade para conseguir algum benefício para eles. Isso tem permitido condenações que respondam minimamente aos anseios da sociedade", acrescenta.

Agravantes

Desde março de 2015, o feminicídio foi tipificado como crime, configurando o assassinato de mulheres relacionado a violência doméstica ou à discriminação de gênero. Além de tipificar crime como hediondo, o Código Penal insere diversas qualificadoras que podem agravar ainda mais as penas. "São consideradas qualificadoras ações que dificultem a autodefesa da vítima, como uma emboscada, ou utilização de explosivo, por exemplo", explica o advogado especialista em direito criminal, Amaury Andrade. "As maiores dificuldades enfrentadas pelos operadores do Direito estão em conscientizar a sociedade sobre penalizações e consequências. A maioria dos crimes de feminicídio são cometidos no calor da emoção. Em poucas vezes, são premeditados", observa.

Além das qualificadoras mencionadas pelo especialista, se o crime for cometido na frente dos filhos ou se o autor tinha uma medida protetiva e a descumpriu, pode haver um aumento de pena de um terço até a metade. Em 2024, a Lei do Feminicídio completou nove anos. No Distrito Federal, desde a sanção da lei até junho deste ano, um total de 200 mulheres foram vítimas desse crime brutal (Veja Números da covardia). Além disso, foram registradas um total de 276 ocorrências de tentativa.

Perspectiva de gênero

Resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), de março de 2023, determina a adoção de perspectiva de gênero nos julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário. Os tribunais, em colaboração com as escolas da magistratura, promoverão cursos de formação inicial e formação continuada que incluam, obrigatoriamente, os conteúdos relativos aos direitos humanos, gênero, raça e etnia, conforme as diretrizes previstas no Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero, os quais deverão ser disponibilizados com periodicidade mínima anual.

O CNJ determina ainda a obrigatoriedade de capacitação de magistrados e magistradas, relacionada a direitos humanos, gênero, raça e etnia, em perspectiva interseccional, e cria o Comitê de Acompanhamento e Capacitação sobre Julgamento com Perspectiva de Gênero no Poder Judiciário e o Comitê de Incentivo à Participação Institucional Feminina no Poder Judiciário.

Para a advogada e subprocuradora-geral do DF Diana de Almeida, um dos maiores desafios em casos de feminicídio e violência contra a mulher é a conscientização e a instrumentalização dos sistemas de justiça. "A resolução do CNJ é um grande avanço", avalia. "Mas ainda acredito que as penas deveriam ser maiores", complementa.

Diana analisou, ainda, a média da pena para casos de feminicídio nos últimos anos no DF. "Eu diria que 23 anos é pouco se a gente pensar na gravidade do crime, no tecido social que destrói, no núcleo familiar, que é onde deveria haver mais segurança e é onde acontece a maioria dos feminicídios. Mas, se eu considero isso no contexto do sistema legal do país e as penas previstas em lei, esse é um tempo razoável", comenta.

Penas acessórias e qualificadores são apontados pela especialista como fatores que podem ajudar a coibir o feminicídio e crimes de violência contra a mulher. "O impedimento de exercício de cargo público e a garantia da guarda dos filhos para a mulher em casos de violência, por exemplo, ajudam a construir um ambiente onde a sociedade seja intolerante a crimes de violência contra a mulher. Não só o feminicídio, mas violência moral, psicológica, patrimonial", destaca Diana. "O que ajuda a coibir é a punição adequada, que seja não apenas de lei, de prisão, mas também uma rejeição social dessa pessoa", finaliza.

Legislação internacional

No Código Penal francês, a punição para casos de feminicídio pode alcançar a perpetuidade. Em Portugal, a pena máxima é inferior à do Brasil, sendo de 25 anos para esses crimes. Na Colômbia, assim como no Brasil, o termo feminicídio é aplicado, mas, lá, a pena pode chegar a 50 anos de detenção. "Existem países com penas mais brandas e outros em que a pena é mais elevada. O aumento da pena depende de uma política penal e de vários fatores. A pena ideal seria a que estivesse à altura da gravidade do crime, que traga minimamente o sentimento de justiça para a família", pontua Manon Garcia, advogada e fundadora do Instituto Retomar, que atua pela equidade de gênero.

A especialista acredita que o fato de o sistema penal brasileiro aplicar penas menores do que outros países para casos de feminicídio pode causar incompreensão por parte da sociedade. "Se em países que são referência democrática as penas são mais elevadas, não seria desmedido as penas do Código Penal brasileiro também serem mais elevadas desde que também haja evolução nas políticas de prevenção", opina Manon. "Quando os autores chegam ao ponto de cometer um feminicídio, eles já estão totalmente cegos e não mensuram as consequências, o ódio é tão grande que é como se a prisão não os assustasse. Por isso, além da repressão, é fundamental que haja prevenção", conclui.

Manon Garcia enxerga uma lacuna no acompanhamento dos autores que cometeram violência doméstica. "Esses criminosos deveriam ser acompanhados durante o cumprimento da pena. O acompanhamento deveria ser psicológico e também de combate a vício em álcool e drogas, por exemplo. Infelizmente, o nosso sistema prisional impede que medidas individuais de acompanhamento sejam colocadas em prática de forma efetiva. Sendo assim, o papel de ressocialização da pena falha e isso contribui para a reincidência que acaba uma hora se tornando um feminicídio", ressalta.

Maria da Penha: 18 anos

Em 6 de agosto, data em que se comemoram os 18 anos da sanção da lei Maria da Penha, o MPDFT realizará o seminário "Feminicídio em debate: prevenir e combater no marco dos 18 anos da Lei Maria da Penha". O evento será aberto ao público e as inscrições estão abertas. Serão 400 vagas no total e o seminário acontecerá das 8h às 12h.

O seminário integra a campanha da Comissão de Prevenção e Combate ao Feminicídio do MPDFT, em parceria com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública e o grupo de rap Tribo da Periferia. O objetivo é conscientizar quanto à importância da prevenção deste crime e de outros tipos de violência contra a mulher.

 


NÚMEROS DA COVARDIA

De 2015 a 2024 (até junho),

200 mulheres foram vítimas de feminicídio

61%

desses crimes

foram motivados por

ciúmes ou posse

23,2%

foram motivados pela não aceitação do fim do relacionamento

65%

das vítimas sofreram violência anterior praticada pelo assassino

73%

dos crimes ocorreram no interior de residências

87%

dos autores tinham relação íntima de afeto com as vítimas

161

vítimas eram mães;

392 é o total de

órfãos deixados 

*Fonte: Secretaria de Segurança Pública do DF

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postado em 28/07/2024 04:00 / atualizado em 29/07/2024 16:10
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