COMPANHEIRISMO

Melhor amigo do homem: pessoas em situação de rua adotam cães como família

Nas ruas do DF, indivíduos em situação de rua adotam cachorros e, numa relação de lealdade, tornam-se a base emocional um do outro

 16/07/2024 Crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press. Brasil. Brasília - DF - Rodoviaria do Plano Piloto, moradores em condições de rua que tem um cachorro como companhia. Ricardo Pereira de Almeida e Jakek Skirovasc (paletó) com o Caramelo. -  (crédito:  Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)
16/07/2024 Crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press. Brasil. Brasília - DF - Rodoviaria do Plano Piloto, moradores em condições de rua que tem um cachorro como companhia. Ricardo Pereira de Almeida e Jakek Skirovasc (paletó) com o Caramelo. - (crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)

Quem nunca ouviu falar que o cão é o melhor amigo do homem? Afetuosos, leais e extremamente apegados aos humanos, esses bichos são, comumente, adotados como parte da família. Na região central de Brasília, é comum encontrar pessoas em situação de rua carregando cãezinhos no colo ou dentro de carrinhos de supermercado — ainda que estejam em vulnerabilidade social, eles se dispõem a cuidar de outra vida. O Correio percorreu as ruas e conversou com tutores que, sem moradia, falaram sobre a relação de lealdade, companheirismo e de ajuda mútua que mantêm com seus animais de estimação.  

As histórias da cadelinha Pantera e do catador de recicláveis Marcone Rodrigues, 57 anos, que vive nas ruas há mais de 20 anos, cruzaram-se há cerca de cinco anos. Enquanto buscava materiais para reciclar na Asa Norte, o homem deu de cara com a vira-lata que, com fome e com sede, olhou para ele com os olhos de quem pedia por socorro. Após receber petiscos, ela o seguiu e, depois daquele dia, os trajetos que antes Marcone percorria sozinho, nunca mais foram trilhados sem a companhia da cachorrinha. 

"Eu empurrei o carrinho e ela foi atrás, eu nem percebi, por causa do barulho do carrinho e das latinhas. Desde aquele dia, há cinco anos, a Pantera nunca mais deixou de me acompanhar", lembrou. Ele explicou que a cadela aparentava ter sofrido maus-tratos, pois, inicialmente, estava muito assustada e chorava quando alguém tentava tocá-la, além de ser arisca e não gostar de carinho. Apesar disso, sempre foi uma boa companheira. Orgulhoso, contou que todos os dias ela investiga e fareja o local onde passam a noite para somente depois deitar-se e dormir.

Com a voz embargada e com os olhos tomados por lágrimas, o catador declarou que considera Pantera como sua filha. "Todo mundo que me conhece sabe: mexa comigo, mas não mexa com ela. Eu me emociono... Os bichinhos não sabem falar, não sabem de nada, são inocentes, mas a gente sabe de tudo: criticar, fazer mal, eles não têm maldade, não", ressaltou. Todos os dias, Marcone pega parte do dinheiro adquirido com as reciclagens e compra ração para a cadelinha. "Quando eu estou com dinheiro e saio para comprar alguma coisa, uma calça ou uma camisa, pego o baú (ônibus), porque não pago passagem, e como ela não pode ir, fico o trajeto inteiro pensando nela, preocupado, mas ela me espera no mesmo lugar que deixo o  carrinho, e ela não deixa ninguém encostar nele. Pantera não me larga mais, não", completou.  

Há cinco anos, pantera tornou-se companhia inerente de Marcone
Há cinco anos, pantera tornou-se companhia inerente de Marcone (foto: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)

A dupla e o caramelo 

Na Rodoviária do Plano Piloto, a reportagem encontrou os amigos Ricardo Pereira de Almeida, 43, e Jakeh Skirovasc, 54. Juntos, brincavam com um pequeno cãozinho caramelo, que carregavam, empacotado numa cobertinha, dentro de um carrinho de compras de metal. Os dois vivem em situação de rua há, aproximadamente, 30 anos, quase sempre na Rodoviária, e recordam-se de que tiveram inúmeros cãezinhos, que, cada um com sua personalidade, os marcaram com intensidades semelhantes. 

Quando abordados pela reportagem, ficaram exultantes ao saber que tratava-se de uma matéria para falar da parceria dos animais, declararam logo que, para eles, os bichos são fontes de alegria. Ricardo listou os nomes de alguns dos cães com quem dividiram os colchões: Priscila, Puma, Spike e Valentina. "Não dá nem para citar o tanto de cachorros que nós tivemos de lá para cá, mas o Spike foi aquele deixou marcas. Quando ia atravessar a pista, ele sentava na calçada e enquanto o sinal não abria, ele não atravessava", contou. Jakeh completou dizendo que o animal era obediente e altamente qualificado. 

O cãozinho com quem brincavam foi batizado pela dupla de "caramelo", eles relataram que o nome foi escolhido exatamente pelo tom da pelagem do animal, que é um filhote de 3 meses. "Foi a funcionária de uma loja aqui da Rodoviária que o encontrou na rua, abandonado junto ao irmãozinho. Ela mora em um apartamento e lá é proibido animais, quando perguntou se a gente gostava de cachorro, respondemos: 'Claro que sim!', aí ela trouxe os dois e o outro ficou com uma amiga nossa", disseram. 

Questionados sobre a alimentação e os cuidados com o pequeno, afirmaram, prontamente, que têm o que é necessário. "Ave Maria! É mais fácil faltar alguma coisa para nós do que para esse cachorro. A gente tira a comida do prato para dar a ele. A regra é: primeiro ele, depois a gente!", contaram sorrindo. Na hora de dormir, o esquema é o mesmo, há cobertas e colchão para todo mundo. A dupla explicou que as pessoas doam muitas coisas para o filhote. "Ele (o cão) é uma maravilha na nossa vida, faz a gente feliz demais!" 

 16/07/2024 Crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press. Brasil. Brasília - DF - Rodoviaria do Plano Piloto, moradores em condições de rua que tem um cachorro como companhia. Ricardo Pereira de Almeida e Jakek Skirovasc (paletó) com o Caramelo.
16/07/2024 Crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press. Brasil. Brasília - DF - Rodoviaria do Plano Piloto, moradores em condições de rua que tem um cachorro como companhia. Ricardo Pereira de Almeida e Jakek Skirovasc (paletó) com o Caramelo. (foto: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)

Três cãopanheiros 

Também nas redondezas do Sudoeste, Jailson Borges de Oliveira, 47, vive com a esposa e com seus três cãezinhos. Priscilla, Vovô e Vovó, que está prenha, são companheiros inseparáveis e o motivo da alegria do casal. Maranhense, Jailson chegou a Brasília em 1996, mas vive, há 17 anos, nas ruas da capital.

Segundo ele, o amor que sente pelos cães faz parte da sua história, tem animais de estimação desde que era criança. "Eu penso que é melhor estar com bichinhos do que com o próprio ser humano. Eles dão carinho, amor, atenção e, claro, proteção. Às vezes, eu saio para a rua e chego chateado, porque muitos fingem que pessoas em situação de rua são invisíveis, mas quando eu vejo eles me esperando, esqueço tudo", declarou. 

Jailson trabalha com recicláveis e usa parte do dinheiro para comprar ração. Conta, porém, que, às vezes, prepara caldos, cuscuz e angu de milho, por serem mais baratos. Ele destacou que a principal fonte de alimentação dos animais são as doações. "Eu passo a noite reciclando e, quando chego, eles estão me esperando. Tem dias que eles entram na barraca e me acordam para colocar água e comida", acrescentou. Para o tutor, o comportamento do animal depende exclusivamente dos cuidados recebidos: "Não importa a raça, se os donos souberem criar, eles ficam muito dóceis". 

O catador não se vê longe dos animais e destacou que os três estão com todas as vacinas em dia. "O cão é o melhor amigo do homem e quem falar o contrário é um mentiroso. Eu dou só um recado para quem nunca criou e diz que não gosta: pegue um filhotinho, dê amor e carinho, e você vai receber o dobro, nunca mais vai pensar em dizer que não gosta", aconselhou. 

 16/07/2024. Crédito: Minervino Júnior/CB/D.A Press. Brasil.  Brasilia - DF. Cachorros que estão em situação de vulnerabilidade morando nas ruas do DF. Foto em invasão próximo ao Sudoeste.
Vovô e Vovó são, além de amigos, seguranças do espaço em que Jailson e sua esposa montaram suas barracas (foto: Minervino Júnior/CB/D.A.Press)


  •  16/07/2024 Crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press. Brasil. Brasília - DF - Rodoviaria do Plano Piloto, moradores em condições de rua que tem um cachorro como companhia. Ricardo Pereira de Almeida e Jakek Skirovasc (paletó) com o Caramelo.
    16/07/2024 Crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press. Brasil. Brasília - DF - Rodoviaria do Plano Piloto, moradores em condições de rua que tem um cachorro como companhia. Ricardo Pereira de Almeida e Jakek Skirovasc (paletó) com o Caramelo. Foto: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press
  • Vovô e Vovó são, além de amigos, seguranças do espaço em que Jailson e sua esposa montaram suas barracas
    Vovô e Vovó são, além de amigos, seguranças do espaço em que Jailson e sua esposa montaram suas barracas Foto: Minervino Júnior/CB/D.A.Press
  • Há cinco anos, pantera tornou-se companhia inerente de Marcone
    Há cinco anos, pantera tornou-se companhia inerente de Marcone Foto: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press

Tags

Gostou da matéria? Escolha como acompanhar as principais notícias do Correio:
Ícone do whatsapp
Ícone do telegram

Dê a sua opinião! O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores pelo e-mail sredat.df@dabr.com.br

postado em 23/07/2024 06:00 / atualizado em 23/07/2024 14:07
x