ALDEIA MULTIÉTNICA

Celebração de saberes reúne mais de 400 indígenas de todo o país

Encontro na Chapada dos Veadeiros reúne mais de 400 indígenas de povos de todo o país, de várias etnias, e não indígenas para se unir e manter a cultura viva

16ª Aldeia Multiétnica reuniu povos indígenas de todo o país -  (crédito: Fotos: Gabriella Braz/CB)
16ª Aldeia Multiétnica reuniu povos indígenas de todo o país - (crédito: Fotos: Gabriella Braz/CB)

"Aqui, a gente descobre o talento dos jovens e traz para a cultura, é único", conta o líder Xingu Anuiá Amarü Yawalapiti. Ele, que vem à Aldeia Multiétnica, próximo a Alto Paraíso de Goiás (GO), desde as primeiras das 16 edições, encontra no lugar uma fonte de aprendizado, manutenção da cultura viva e, não menos importante, amizade.

Aritana Fulni-ô relembra que, nas primeiras edições, todos eram tímidos, conversavam pouco, não ficavam muito entre si. Atualmente, a Aldeia é um ponto de encontro e de festa onde os amigos se encontram, brincam, jogam, cantam e matam a saudade. "Eu tenho orgulho dos meus parentes", diz. "Se a gente não se unir, quem vai ser por nós?", completa.

Mais de 400 indígenas estiveram na Aldeia Multiétnica, que reuniu povos do Alto Xingu, Fulni-ô, Guarani Mbyá, Kariri-Xocó, Kayapó Mebêngôkre, Krahô e Xavante. O organizador do evento, Juliano Basso, explica que o projeto vem para cuidar e mostrar o que é a cultura indígena. "Sem contar que a população indígena se encontra entre si e leva para a sociedade um conhecimento sobre a comunidade", destaca.

  • 16ª Aldeia Multiétnica: reunião de povos indígenas de todo o país
    16ª Aldeia Multiétnica: reunião de povos indígenas de todo o país Gabriella Braz/CB
  • 16ª Aldeia Multiétnica: Tunuly Yawalapiti fazendo a arranhadura em um jovem
    16ª Aldeia Multiétnica: Tunuly Yawalapiti fazendo a arranhadura em um jovem Gabriella Braz/CB
  • 16ª Aldeia Multiétnica: Ritual realizado antes da arranhadura
    16ª Aldeia Multiétnica: Ritual realizado antes da arranhadura Gabriella Braz/CB
  • 16ª Aldeia Multiétnica: Fernanda Dutra e Moná Santuchi se conheceram na Aldeia
    16ª Aldeia Multiétnica: Fernanda Dutra e Moná Santuchi se conheceram na Aldeia Gabriella Braz/CB
  • 16ª Aldeia Multiétnica: Objetos produzidos por indígenas de diferentes etnias
    16ª Aldeia Multiétnica: Objetos produzidos por indígenas de diferentes etnias Luis Fellype Rodrigues/CB
  • 16ª Aldeia Multiétnica: Indígenas pintam artesanatos em espaços próprios
    16ª Aldeia Multiétnica: Indígenas pintam artesanatos em espaços próprios Gabriella Braz/CB

Imersão

A 16ª Aldeia Multiétnica é um ponto de encontro onde indígenas de diferentes etnias e não indígenas convivem em um mesmo espaço com uma programação comandada por povos de todo o país. Na Aldeia, os visitantes podem ficar hospedados ou acampados em barracas. Já as etnias ficam nas casas construídas por elas.

A veterinária Moná Santuchi, 40 anos, e a terapeuta Fernanda Dutra, 39, vieram sozinhas de suas cidades para aproveitar o evento e acabaram se conhecendo no acampamento. Sentadas em uma parte de grama da aldeia, falaram um pouco sobre o dia a dia no local. "A gente está tendo tudo ao mesmo tempo e de uma forma muito boa, bonita, leve", avalia Fernanda. "Está tendo uma união muito linda entre os povos que, talvez antes, estiveram em guerra de sobrevivência, e aqui tá todo mundo irmão", comenta.

Para Moná, umas das coisas mais belas é a tradição de celebrar a natureza. "Eles cultuam muito a todo tempo, acordam fazendo os cantos, eu acho isso de uma importância incrível", relata. "É uma grande oportunidade da gente estar aqui e ver como eles vivem aqui, que provavelmente é como eles vivem lá também", comemora.

Tradições

A programação é planejada pelas lideranças. Cada dia, uma comunidade é responsável pelas apresentações. O objetivo é que elas tragam rituais e elementos do cotidiano, afinal, a Aldeia Multiétnica é a casa deles por cerca de um mês todos os anos. 

Na última quinta-feira (18/7), foi a vez dos povos do Alto Xingu, que levaram um dos rituais mais importantes da cultura xinguana, que marca a passagem da menina e do menino para a vida adulta. O rito é conhecido como arranhadura, onde um profissional da aldeia passa algo semelhante a um pente com dentes de peixe por todo o corpo da pessoa.

A liderança indígena Anuiá Amarü Yawalapiti explicou que a preparação para a sangria exige dos jovens, a partir dos 14 anos, uma reclusão de pelo menos um ano, período em que eles se preparam para o ritual de arranhadura. "É o momento em que eles se preparam para a vida adulta", descreve. Além de cerimônia de passagem, a arranhadura também é utilizada para cura e beleza", observa.

Um dos profissionais de arranhar da aldeia, Tunuly Yawalapiti conta que começou na tarefa em 2001 e não é qualquer pessoa que pode exercer essa função, pois, se fizerem de forma errada, podem machucar o outro. Ao final, Tunuly passa ervas no corpo do indígena. Para cada objetivo, é usada uma  planta diferente. "Temos a erva da força, a de tratamento e uma batata que usamos nas moças para engrossar as pernas e algumas partes do corpo", assinala.

Durante o processo, Tunuly diz que se sente cansado, pois passa toda sua força para os rapazes. "À noite, o jovem sonha com o dono da erva indo entregar o presente — força — para ele. Quando arranho as pessoas doentes, me sinto cansado, pois puxo a energia ruim deles. Depois de uma sessão, eu me benzo e volto ao normal", relata. 

Aprendizados

Na Aldeia, todo ano pessoas de diferentes etnias podem aprender tradições uma das outras, além de um pouco do idioma de cada uma. Um dos fundadores foi Isac Kayapó Mebêngôkré, dos povos Kayapó, no Pará, que destaca que esta edição foi uma das maiores e melhores. "Esse evento é para a gente continuar mostrando nossa tradição", afirma. 

Do povo Fulni-ô, de Pernambuco, Thul Ny Fowa Fulni-ô levou uma variedade de conhecimentos sobre medicina e ervas do sertão do seu estado utilizadas por ele. "Se esse conhecimento eu tivesse só para mim, não ia prestar, o bom é que posso passar para vocês", enfatiza. Assim como na arranhadura, ele explica que não é qualquer pessoa que consegue identificar essas plantas, é necessário "ter o dom". Mas, quem quiser pode adquirir as ervas para chá, defumações e banhos. A medicina de cada povo varia. Por isso, a troca de saberes se torna essencial.

Leandro Anton coordena a articulação de Cultura Viva da Secretaria de Cidadania e Diversidade Cultural do Ministério da Cultura (MinC). Neste ano, a política Cultura Viva completa 20 anos e celebra a parceria com a Casa de Cultura Cavaleiro de Jorge, organizadora do encontro da Aldeia, que propõe articular nacionalmente o Pontão de Cultura de Culturas Indígenas e Mãe Terra.

"Neste momento, a cultura Viva é um reconhecimento do estado não só da relevância, mas do quão é fundamental a continuidade da preservação e salvaguarda desse patrimônio imaterial que é a própria existência e os povos e suas línguas para a diversidade cultural brasileira", destaca.

Além dos saberes indígenas, a Casa de Cultura Cavaleiro de Jorge segue promovendo uma programação de múltiplos saberes. Finalizada a 16ª edição da Aldeia Multiétnica, há o 24º Encontro de Culturas Tradicionais da Chapada dos Veadeiros, que começou NESTE SÁBADO (20/7) e vai até 27 de julho, em São Jorge. Com participantes de diferentes populações tradicionais, a nova programação é mais uma chance de aprender sobre a ancestralidade do país.

*Estagiário sob a supervisão de Malcia Afonso

 

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postado em 21/07/2024 06:00
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