Diretos Humanos

Abrigos são alternativa para pessoas em situação de rua fugir do frio

A Secretaria de Desenvolvimento Social do DF instalou abrigos de pernoite no Plano Piloto e em Ceilândia para a população em situação de rua. O Correio conversou com alguns usuários saber como é a experiência e conhecer suas histórias

Nos abrigos, todos recebem agasalhos e kits de higiêne -  (crédito: Fotos: Minervino Júnior/CB/D.A.Press)
Nos abrigos, todos recebem agasalhos e kits de higiêne - (crédito: Fotos: Minervino Júnior/CB/D.A.Press)

O período mais frio do ano traz desafios ainda maiores para a rotina de pessoas em situação de rua. Os abrigos provisórios instalados pela Secretaria de Desenvolvimento Social (Sedes) são uma alternativa para essa parcela da população que não tem onde morar e precisa enfrentar as baixas temperaturas por dormirem ao relento. Na ultima semana, o Distrito Federal registrou a madrugada mais gelada de 2024, com 7ºC.

"O ginásio tem banheiro e algumas mesas para fazer refeições. Não consegui pegar o cobertor, mas tenho o meu para aguentar a noite", conta Lhano Jamil Barros de Castro, 36 anos. Ele é uma das centenas de pessoas que encontram em um dos abrigos provisórios a chance de ter uma noite de sono mais confortável. Quando conversou com a reportagem, Lhano estava à caminho do Centro Integrado de Educação Física (Cief), na Asa Sul, onde fica o espaço. Era a segunda noite dele no local.

Nascido no interior da Bahia, Lhano foi morar com os avós após a separação dos pais. "Mas chegou o momento que eles não conseguiram mais me acolher", resume. Dos estudos, conseguiu concluir apenas o ensino fundamental. "Não tinha interesse pela escola. A sala de aula não era um lugar convidativo. Por conta de não ter conseguido estudar, acabei vindo parar na rua."

Lhano tem diagnóstico de esquizofrenia e está em situação de rua desde 2010. Em Brasília, cidade em que vive há seis meses, o baiano retomou o tratamento da doença, com algumas das medicações que precisa. Mas outras duas, segundo ele, são de alto custo e mais difíceis de conseguir. De acordo com Lhano, o transtorno é uma grande barreira no mercado de trabalho. 

"A doença sempre é um obstáculo para conseguir emprego. Para tudo, na verdade. Já desisti. Agora, eu estou procurando por bicos. Tentei ter emprego por muitos anos e não consegui, tenho que aceitar a realidade. Tenho que abrir mão disso para fazer tratamento", lamenta. Ele conta que viajou para a Europa e, lá, aprendeu italiano. "É a língua mais fácil que tem", garante, ao comentar que já tentou ingressar, sem sucesso, no ramo de hotelaria. Ele diz que tem experiência em serviços de limpeza e de servente.

Apesar das dificuldades, Lhano revela que está contente em poder retomar o tratamento.  Ao longo do dia, ele busca se alimentar em algum dos restaurantes comunitários, que oferecem refeições gratuitas para pessoas em situação de rua. 

Preocupação 

A aposentada Adrilaine Durães Maçal, 52, conta que vai e volta da situação de rua desde 2016. A casa onde morava ficou com a esposa do pai, já falecido. "Não me sinto à vontade lá. Espero pegar logo minhas coisas, que ainda estão lá. Prefiro dormir no abrigo", confessa. 

Quando conversou com a reportagem, ela estava na fila para passar a segunda noite no abrigo do Cief. "É tranquilo e confortável. Tem cobertor, colchão, travesseiro e refeição à noite, e os homens ficam separados das mulheres. Isso ajuda", relata. Mas afirma que está com receio por se tratar de um abrigo provisório. "Estou preocupada porque não tenho para onde ir. Dormir na rua é horrível porque qualquer barulho você fica com medo de alguém chegar e fazer algum mal. O frio causa dor nos ossos da perna", angustia-se. 

Para ela, a maior dificuldade da vida na rua é justamente o período noturno. "Até os homens que estão na rua têm medo. As pessoas dormem umas perto das outras por causa do medo. Na rua, eu não durmo quase nada", diz. 

Iniciativa 

O Correio conversou sobre os abrigos pernoite com duas organizações que têm o trabalho voltado para a população de rua. Theresa Raquel Miranda, coordenadora social do Instituto No Setor, diz que a iniciativa da Sedes é "extremamente necessária", sobretudo no período de frio. No entanto, a organização entende que é preciso pensar na continuidade do serviço para além do inverno. 

"Sabemos que durante as baixas temperaturas existe um aumento dessa demanda por parte das pessoas em situação de rua. Nesse momento, mesmo com as ações de zeladoria executadas pelo governo, as unidades de acolhimento institucional estão sobrecarregadas, não sendo suficientes para suprir a demanda dessa população", avalia Theresa. 

Para o presidente do Instituto Barba na Rua, Rogério Barba, a iniciativa é positiva, mas pondera sobre o fato de que esses abrigos existem apenas no Plano Piloto e em Ceilândia. Ele lembrou o espaço que havia no Gama foi fechado por falta de demanda, de acordo com a Sedes. "Faltou a secretaria verdadeiramente atuar no Gama, buscando essas pessoas para levá-las para o abrigo. Não adianta só abrir o abrigo se não der condições de acesso", defende.  

Rogério Barba também destaca que os pernoites não são casas de acolhimentos e que o governo precisa fazer, dentro dos abrigos, uma política pública que resolva o problema da população de rua. "Que a Sedes entenda essas pessoas, oferecendo saídas para elas. Você quer o quê? Casa de passagem? Outro tipo de abrigo? Quer ir para uma comunidade terapêutica tratar das drogas e do álcool? Quer ir para o mercado de trabalho? Quer voltar para a sua família? Aí nós temos uma importância muito maior do que só acolher essas pessoas." 

Abrigos

Responsável pelas ações, a Secretaria de Desenvolvimento Social (Sedes) diz que a instalação dos abrigos provisórios durante o período de frio intenso está prevista na Política Distrital para População em Situação de Rua. A medida também determina a distribuição de itens para a proteção térmica para esse público, com entregas de cobertores, mantas e agasalhos. A secretaria vem adotando, desde 2022, as ações nas áreas de maior concentração de pessoas em situação de rua na capital.

Atualmente, o DF conta com dois abrigos ativos: um no Centro Integrado de Educação Física, na Asa Sul, e um na Coordenação Regional de Ensino de Ceilândia. Nos locais, as pessoas acolhidas têm acesso a colchões, travesseiros e cobertores. Todos recebem agasalhos, kit higiene, podem tomar banho, além de fazer duas refeições: jantar e café da manhã. Esses espaços funcionam diariamente entre 19h e 7h e durante o dia são fechados para higienização.

A ideia foi adotada após o sucesso dos abrigos disponibilizados durante a pandemia. Na época, foram construídos alojamentos temporários no Autódromo do Plano Piloto e no estádio do Abadião, em Ceilândia, com capacidade para 200 pessoas cada. Desde então, a Sedes vem buscando maneiras de replicar a ação de maneira permanente.

Durante o dia, as pessoas em situação de rua podem ir aos Centros Pop, na 903 Sul e em Taguatinga, para fazer as quatro refeições (café da manhã, almoço, lanche e jantar), tomar banho, guardar pertences e ter acesso a serviços e benefícios socioassistenciais. Os 16 restaurantes comunitários do DF oerecem alimentação gratuita a essa população.

A Sedes informa que ainda não existem planos para a construção de mais abrigos. Estão em estudado os pontos de maior necessidade e, caso seja considerado essencial, serão feitos novos alojamentos em outras regiões administrativas.

*Estagiário sob supervisão de Guilherme Marinho. Especial para o Correio

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postado em 08/07/2024 06:00
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