Letras, acordes e harmonias são ingredientes fundamentais para a composição de uma canção, que pode gerar alegria, tristeza, paixão e gratidão a quem ouve. Mas a música também pode ser usada como ferramenta de aprendizagem e superação. Para duas menores que cumprem medidas socioeducativas na Unidade de Internação Feminina do Gama, ela representa também o som da liberdade e a esperança de um futuro melhor. Elas fazem parte do projeto Som nas Teclas, criado em abril de 2022 para oferecer aulas de piano/teclado a menores infratores nas oito unidades de internação do Distrito Federal.
Uma das adolescentes explica o que as aulas de música representam para ela: "Música para mim é tudo. Lá fora eu participava muito de oficinas culturais. A arte é como se fosse uma outra vida minha. É uma outra forma de viver. Para a gente que está aqui dentro, é uma forma de se distrair do dia a dia. Quando eu venho para a aula de música eu me distraio, me sinto em outro lugar. Eu me sinto acolhida", destaca.
Outra socioeducanda revela que adora cantar, mas não esperava evoluir no projeto. "Sempre fui muito apaixonada por música, mas nunca pensei que fosse conseguir compor a minha própria canção. Quando cheguei aqui, falei: 'Professor, eu não consigo compor e jamais vou conseguir', mas compus uma letra musical em dois dias", festeja.
A adolescente revela que a mãe não conteve as lágrimas quando ouviu a canção composta por ela. "Uma mãe nunca está preparada para escutar a filha cantar uma música feita em sua homenagem", diz.
As alunas enfatizam que o Som nas Teclas é uma oportunidade de se conectaram consigo mesmas e com as pessoas que amam. "As aulas trazem muita esperança e tenho o sentimento de liberdade. Nosso projeto é muito especial mesmo. Amamos música e o professor tem nos ensinado a gostar mais ainda", comenta uma delas.
Iniciação
O Som nas Teclas é conduzido pelo professor especialista socioeducativo Flávio Jesuino Rodrigues, 39 anos, mais conhecido pelas socioeducandas como DJ Flavitto. O educador é formado no curso técnico de piano popular da Escola de Música de Brasília (EMB), com licenciatura em música pela Universidade de Brasília e pós-graduação como pianista acompanhado pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UniRio).
O projeto cultural, regido por Flavitto, promove aulas de iniciação musical que passeiam por instrumentos como piano, teclado, violão, bateria e canto. Durante o processo de aprendizagem, o professor realiza apresentações musicais em eventos e recitais livres, com o objetivo de socializar os resultados das aulas e proporcionar a interação social, que segundo ele favorece a qualificação artística dos alunos.
O professor contou ao Correio que algumas alunas se destacaram e mostraram um talento acima da média para a música. "Realizamos, em 2022, o primeiro recital de piano Som nas Teclas. Elas não estão mais aqui conosco hoje, mas tivemos duas adolescentes que tocaram Aquarela, de Toquinho, e Für Elise, de Beethoven. Elas se destacaram muito e pudemos, com muita alegria, fazer esse recital com elas tocando sozinhas", conta.
Ressocialização
Atualmente, o Som das Teclas é composto por cinco adolescentes, mas segundo Flavitto, mais de 30 menores passaram pelo projeto, em dois anos. De acordo com o professor, o giro de socioeducandas é grande, pois algumas ficam na internação provisória da unidade no período de 45 dias, e outras ficam por mais tempo na iniciativa. Dentro da agenda semanal, são previstas entre uma e duas aulas semanais.
Além das aulas práticas com o instrumento, são incluídas outras oficinas, como jogos musicais, apreciação musical e percussão corporal, que estimulam o desenvolvimento da coordenação motora e leitura harmônica. As menores são estimuladas a ouvir, tocar, criar, improvisar e fazer variações de notas. "Esse espaço é para elas exercerem esse protagonismo e essa autonomia artística. Elas fazem MPB, música religiosa, músicas mais antigas, é um caldeirão de misturas, no qual elas trazem de onde vieram, e isso é fascinante", disse Flavitto.
Para o educador musical, o projeto é muito importante para a ressocialização das menores e fortalece a autoestima delas. "O fato de conhecerem a música e o instrumento musical as ajuda a se descobrirem também como pessoas e a se engajarem em projetos saudáveis de vida. Elas vêm de um contexto violento, de muita desigualdade social e dificuldades, e aqui podem contar a própria história compondo músicas. Nós plantamos a sementinha, porque não podemos mudar o mundo, mas sim influenciar e apresentar a possibilidade de ter escolhas diferentes", afirma.
Museu do piano
Um dos responsáveis pela concretização do Som nas Teclas é Rogério Rezende, 69, fundador do Museu do Piano. Foi ele quem doou os oito pianos - sete acústicos e um digital - usados no projeto, um para cada unidade de internação de Brasília. O gaúcho de Pelotas mora no DF há 50 anos e acredita que iniciativas como essa podem mudar a vida de muitos jovens. "Nesses locais há garotos e garotas de 13, 14, 15 anos. E qual é a perspectiva para eles? O que a gente quer dessas pessoas quando saírem dali. Todo mundo quer que sejam melhores, mas a gente tem que oferecer condições para que isso aconteça", assinala.
Entre os instrumentos doados, uma raridade: um piano que pertenceu à professora Neusa Pinho França Almeida, pioneira que chegou ao DF em 1960 e foi a criadora da música do Hino de Brasília. Hoje ele está na Unidade de Internação do Recanto das Emas. Além dos instrumentos cedidos às unidades de internação do DF, Rezende também já fez doações para instituições do Tocantins e do Rio Grande do Sul. "A maioria para entidades sociais que cuidam de crianças e adolescentes, mas também para presídios de adultos, como no caso do Rio Grande do Sul."
Mas o trabalho não se resume às doações. Periodicamente, o Museu do Piano também recebe a visita de grupos de menores que cumprem medida socioeducativa. "Eles vêm aqui para ouvir a história do piano e histórias de vida, de profissionalismo. Aqui, eles podem aprender muito mais do que tocar piano", conta Rezende. "Vai depender deles. Aquele que gosta de pintura vai aprender a fazer, porque a pintura do piano é superespecial e pode capacitá-los, por exemplo, para trabalhar com pintura automotiva, de móveis, enfim, qualquer coisa", explica.
Piano para Todos
Rezende também é um entusiasta da popularização do piano. Por isso, criou o projeto Piano para Todos, que já existe há seis anos. A estrela do projeto é um piano de cauda original vermelho, puxado por um triciclo. "No Natal, levamos o piano para a Rodoviária do Plano Piloto, onde o público pode ouvir canções natalinas. Também já fomos a hospitais, como o Sarah Kubitschek no Lago Norte, cidades históricas, shoppings", destaca.
Desde o ano passado, Rezende tem promovido o Piano no Eixo, que como o próprio nome diz, leva a música ao Eixão do Lazer, sempre no último domingo do mês. A próxima apresentação será dia 30/06, na altura das quadras 6 e 7 Norte. "São três pianistas, cada um toca uma hora, das 9h às 12h. E tudo isso em movimento. A ideia é exatamente esta: não fixar a apresentação", ressalta.
O músico revela o segredo para que um triciclo consiga puxar um piano de cauda de 400 quilos: "Isso se torna possível devido a um princípio tão antigo quanto conhecido: a Lei de Arquimedes - dê-me uma alavanca e eu moverei o mundo. A gente distribuiu o peso por meio de catracas e coroas da bicicleta, três correntes de moto, e isso faz com que o piano passe a pesar apenas cerca de 25kg para quem pedala o triciclo", revela.
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