A importância da conversa sobre a relação com o dinheiro no ambiente familiar e como a ansiedade pode estar diretamente ligada ao endividamento foram temas da conversa com a psicóloga e idealizadora do Instituto Psicologia e Dinheiro, Adriana Rodrigues, no programa CB.Saúde — parceria entre o Correio e a TV Brasília — de ontem. Às jornalistas Carmen Souza e Sibele Negromonte, a especialista também destacou que o superendividamento pode gerar problemas físicos.
Como o endividamento e a ansiedade estão interligados?
Infelizmente, estão diretamente interligados. Temos subestimado o dinheiro em nossa sociedade. Ele é fonte de estresse e ansiedade, e temos falado pouco sobre isso. O dinheiro está presente desde o dia em que nascemos até o momento em que morremos. E ele perpassa todos os nossos relacionamentos. Não há um relacionamento nosso que não seja afetado pelo dinheiro, em todas as áreas da nossa vida. Hoje, não há nenhum objeto em nossa sociedade tão simbólico e forte quanto o dinheiro. Nossa leitura é de que quem aparenta ter mais grana tem mais sucesso. Quando estamos passando por uma situação mais delicada financeiramente, com uma renda mais baixa ou com falta dela, somos quase excluídos. Daí vem nossa insegurança, incertezas e ansiedades, pois nos questionamos como vamos pagar para conseguir uma vida satisfatória.
Como você falou que ele perpassa todos os nossos relacionamentos, também é uma relação familiar? Como o dinheiro deve ser tratado na família?
Na verdade, toda a parte de socialização financeira acontece no ambiente familiar. Infelizmente, os pais também não estão preparados para isso, pois conversamos pouco sobre o dinheiro. Ele ainda é mantido como tabu. Então, em famílias onde os pais não falam sobre isso, ou quando falam, comentam de forma disfuncional e ansiosa, isso é passado para os filhos. A criança é criada em um ambiente que nem sempre promove saúde financeira. Aquela criança que sempre vê ansiedade em torno do dinheiro, pais que gastam demais e cobradores na porta, pode ter problemas. Dá para falar sobre o dinheiro em casa de forma muito mais leve e tranquila, além de construir um ambiente cooperativo.
O dinheiro deve estar em pauta no ambiente familiar desde muito cedo e não deve ser tabu, certo?
Desde muito cedo. A criança com dois anos já começa a pedir e entender mais as coisas, é nesse momento que precisamos começar a estabelecer limites, isso é muito importante. Não precisa ser algo cheio de estresse e brigas, é algo pontual, claro, objetivo e saudável que todos precisam.
Esse contato com o dinheiro na infância tem relação com a forma como ela vai gastá-lo na vida adulta?
Com certeza. Os adultos que têm uma relação mais prejudicial com o dinheiro, como dificuldades em guardar, investir e gastar, têm uma conexão direta com a socialização do dinheiro. Por exemplo, se os pais tinham muita dificuldade em gastar dinheiro, a criança pode desenvolver na fase adulta a vontade de gastar, por conta da privação, e daí começar a gastar mais do que deveria.
Podemos falar também daquelas pessoas que são extremamente "mãos de vaca" — que não gastam dinheiro com facilidade. Quando isso é um problema?
As pessoas que retêm mais do que deveriam, geralmente são pautadas pelo medo. O receio de ficar sem, sabe? São pessoas que têm uma grande dor e sofrem muito. Eu acompanho várias pessoas nesse sentido, porque elas gostariam muito de poder ter uma vida mais leve, mas o medo de ficar sem dinheiro é muito maior. Quando elas vão a um restaurante, sempre olham o cardápio pelo lado direito, dessa forma escolhem aquilo que vão comer pelo preço. Elas têm muitas dificuldades em usufruir e ter prazer na vida. Precisamos também trabalhar essa permissão de gastar com leveza.
Começamos falando sobre a ligação entre dinheiro e ansiedade. Pode acontecer um agravamento maior e gerar um quadro de depressão? Isso é comum?
É comum. Temos dois lados, existem pessoas que têm um quadro de saúde mental que afeta a relação delas com dinheiro. E temos pessoas que, em função da forma como lidam com o dinheiro, podem chegar a desenvolver um transtorno, como, por exemplo, um quadro de compulsão por compras ou de um poupador excessivo. E sim, temos quadros de ansiedade que podem se tornar severos, como o fóbico e o de depressão.
Pesquisa da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) mostra que, no DF, 85% das pessoas estão endividadas. Outro ponto que chama a atenção é que 15% da população da capital não têm como pagar as contas atrasadas. Tem especificidades que favoreçam esse cenário?
Temos uma peculiaridade em Brasília que é o serviço público. O servidor público é muito assediado pelas instituições financeiras e pelo comércio, porque acredita-se que uma vez que ele tem uma renda garantida, esse setor estaria mais seguro ao fazer aquela venda, seja de um produto financeiro ou de outro bem. Além disso, temos também a construção de que o servidor público tem um padrão de vida específico. Uma vez ingressando no serviço público, você acaba querendo atingir a percepção ou a idealização que se tinha, o que muitas vezes não condiz com a renda.
O alto custo de vida da capital também é motivo para esses dados?
Brasília realmente tem um custo de vida muito elevado. Os servidores públicos que têm uma alta renda em relação ao país, ainda assim têm problemas sérios com dinheiro. Porque isso — problemas financeiros — não diz respeito a quem ganha pouco ou quem ganha mais. Logicamente, aqui estou falando de pessoas que estão acima da linha da pobreza. Se eu ganho R$ 5 mil ou R$ 15 mil, a minha administração financeira é que vai contar se eu vou ter ou não dinheiro suficiente para passar um mês. Então, eu posso ganhar R$ 15 mil ou R$ 20 mil, mas fazer uma péssima gestão. Muitas vezes, essa má gestão é em função de alimentar um padrão de vida, pois coloco meu filho em uma escola Y e lá preciso pagar uma melhor roupa, só queremos ir nos melhores restaurantes, não quero morar em qualquer apartamento ou casa e essas escolhas fazem com que a vida fique muito pesada e incompatível com a renda.
O superendividamento também pode afetar a saúde física, por exemplo, não ter condições para bancar um tratamento. Esses cenários são comuns?
São. O superendividamento nesse caso vai comprometer a saúde física dessa pessoa. Quando estamos em um certo nível de endividamento, começamos a ter dor de cabeça, problemas gastrointestinais, dificuldades de sono, e o sono é um grande regulador do nosso sistema físico. E tudo isso vai desencadeando uma série de outras doenças físicas. Dessa forma, vamos desenvolver tanto um quadro emocional de saúde mental quanto um quadro físico. No superendividamento, essas escolhas se tornam ainda mais delicadas, porque, às vezes, a escolha já está posta e não tenho como pagar. Muitas pessoas, quando estão superendividadas, deixam de se cuidar, evitam o contato social, porque ficam envergonhadas.
Ainda sobre a questão familiar, muitas vezes a mulher não sai da relação por conta da dependência financeira. Como funciona esse gatilho para a mulher se desvencilhar dessa situação?
A mulher, quando perde a autonomia financeira dela, fica vulnerável a relações de agressão, uma violência patrimonial, onde geralmente o agressor retira da mulher a possibilidade de ela ter a gestão financeira mesmo que ela trabalhe e tenha a própria renda. Ele é quem passa a administrar essa renda, e nós mulheres, muitas vezes, porque fomos criadas acreditando que dinheiro é coisa de homem e não de mulher, acreditamos que o homem administra e lida melhor com o dinheiro. Acabamos deixando que a parte masculina faça toda essa administração e ficamos cada vez mais vulneráveis. Precisamos começar a trazer para nós essa autonomia financeira, ou seja, olhar para isso e aprender a fazer uma gestão financeira.
O que podemos fazer nessa situação de ansiedade por conta do superendividamento?
O primeiro é não negar que existe um problema. É ir devagarinho enfrentando essa situação. Olhando para o tamanho e situação, fazer contas simples: onde vou colocar, quanto tenho de renda e quais são as minhas despesas. Falamos que é simples porque é do ponto de vista matemático, mas do ponto de vista emocional é um grande desencadeador de ansiedade. Então, o que preciso fazer quando percebo que estou com um batimento cardíaco mais acelerado, estou suando e minhas mãos estão ficando frias? É respirar profundamente, parece bobo, né? Mas precisamos fazer uma autorregulação emocional, isso vai fazer com que o meu cérebro mais oxigenado possa ter maior clareza na tomada de decisão e fazer uma escolha melhor.
Nos dias 19 e 20 de julho, você vai comandar um congresso em Brasília voltado para psicologia e dinheiro. Como será?
Vamos ter o Encontro de Psicologia do Dinheiro na Prática Clínica, para que mais psicólogos conheçam essa realidade e possam atuar na clínica com os seus clientes e para aqueles que trabalham com áreas afins em administração financeira, como os planejadores e educadores financeiros. Isso para que possamos conversar cada vez mais e quebrar esse tabu na nossa sociedade, mas de uma forma séria e responsável, olhando pelo aspecto da psicologia.
* Estagiário sob a supervisão de Eduardo Pinho