Infraestrutura

Pedestre tem o direito de ir e vir limitado por causa de calçadas estragadas

Moradores da Asa Sul e da Asa Norte se queixam da mobilidade prejudicada pelos estragos dos passeios. Além disso, pedestres precisam disputar espaço com os carros estacionados em locais proibidos no Setor de Autarquias Sul

Objetos de reclamações recorrentes de moradores da Asa Sul e da Asa Norte, as calçadas danificadas são autênticas armadilhas para os pedestres. "Basta um momento de desatenção para tropeçar e se machucar feio", relata o estagiário de TI Gustavo Oliveira, 25 anos, residente na 304 Sul. O jovem reconhece ter havido uma reforma recente em outros pontos da região, mas lamenta que o reparo não chegou à quadra dele. 

"Às vezes, as calçadas quebram e se desnivelam de tal forma que surgem espécies de 'torres' no chão. É um perigo", comenta Gustavo, que retornava para casa após buscar o sobrinho Bernardo, 5, na escola. O trajeto pelas passagens danificadas é diário e, em outras ocasiões, nem mesmo o pequeno se livrou das quedas. "Uma vez, tropecei numa calçada rachada e caí. Abriu uma ferida enorme e bem dolorida no joelho", recorda. 

Para o administrador Reinaldo Boson, 49, o problema se deve à falta de manutenção. O morador da 405 Norte relata que, apesar de ter ouvido falar de uma reforma nas calçadas na quadra, não observou nenhuma mudança. O obstáculo permanece. "Quando meu filho era menor, era um desafio conseguir atravessar esse ponto com o carrinho de bebê. As rodinhas sempre emperravam nos buracos. Uma dor de cabeça", lamenta.

Beatriz Mascarenhas -
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Marcelo Ferreira/CB/D.A Press -
Fotos: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press -
Marcelo Ferreira/CB/D.A Press -

O local é uma importante passagem, das poucas concretadas, que liga os edifícios da quadra à pista próxima à 205 Norte. "A gente tem começado a desviar pelo gramado. Agora, imagine, uma pessoa idosa ou em cadeira de rodas. A dificuldade se multiplica", ressalta. Enquanto passeava com seus quatros cães pela região, o administrador lembrou que há anos essas calçadas, com cerca de 10 metros de rachaduras e buracos, não recebem os devidos cuidados. 

Cobrança 

Falta de manutenção, comércios que invadem as passagens, comunidade que não cobra as autoridades e a ação da vegetação são fatores que contribuem para a degradação das calçadas do Plano Piloto, segundo Angelina Nardelli Quaglia, arquiteta, urbanista e atual vice-presidente do Conselho de Defesa do Patrimônio Cultural do Distrito Federal (Condepac-DF). 

"Brasília é uma cidade viva, ativa e muito jovem para já estar dessa forma. As calçadas danificadas são parte do descaso que tem sido observado sobre a região, em especial, na Asa Sul e na Asa Norte. Assim, prejudicam a acessibilidade da população, isto é, a permissão universal das pessoas irem e virem para os lugares, mesmo com alguma deficiência, sem precisar de ajuda", explicou a especialista. 

Para Angelina, o concreto de algumas calçadas se levanta devido à ação da vegetação, com árvores de raízes elevadas. No entanto, o problema, segundo ela, é de fácil resolução. "A preocupação maior é com os comércios das superquadras que modificam o caminho dos pedestres, colocando azulejos, cerâmicas ou porcelanatos, todos escorregadios, nas calçadas", afirmou. O ideal seriam pisos de cimento ou concreto, com antiderrapantes, com rampas e faixas de travessia para todos. "Por ser uma área pública, é necessário haver um raciocínio coletivo. Além disso, a comunidade também deve cobrar ações de manutenção", concluiu. 

Em um trecho da 505 Sul, próximo a um cartório, as pedras portuguesas estão quebradas e, por isso, desniveladas. Ao lado, foi montada uma estrutura de madeira para segurar a marquise de um edifício, interditando toda a passagem. Cleuzenise Queiroz, 63, passa pelo local todos os dias para chegar ao trabalho, mas, receosa em se acidentar, prefere atravessar a rua para garantir sua segurança. "Faz tempo que essa calçada está assim. Se eu tropeçar, com a idade que tenho, já era", pontuou a cozinheira. 

Público mais afetado

O Setor de Autarquias Sul (SAUS) é uma das regiões com problemas de mobilidade para pedestres. Um deles é o estacionamento inadequado de veículos, resultado da insuficiência de vagas, que tem feito os trabalhadores da região colocarem os carros em espaços indevidos.

A bancária Luciana Klepa, 45, moradora de Águas Claras, conta que o estacionamento nesses espaços é o principal transtorno que atrapalha a passagem. Um dos exemplos mencionados é dos automóveis parados em cima das calçadas. "Tudo vira estacionamento. Durante a semana, o pessoal estaciona em qualquer lugar. Dificilmente tem fiscalização do Detran por aqui", relata Klepa, explicando que até mesmo a passagem para pessoa com deficiência (PcD) fica prejudicada, uma vez que existem poucas vias, e as que têm, ficam obstruídas.

Os veículos não são os únicos a ocupar as calçadas. As raízes das árvores, que quebram passeios e criam relevos na superfície, estão por todos os lados. Outras partes já sofreram tanto desgaste que sobra somente a terra ao lado das diversas rachaduras e restos de pavimento. Segundo a supervisora de estoque Rosiane Cardoso, 40, a dificuldade afeta principalmente idosos, pessoas com dificuldades de locomoção ou com deficiências visuais. "Recentemente, uma idosa caiu por aqui, tropeçando nas partes quebradas da calçada" afirma.

Sobre as ocorrências, o Departamento de Trânsito do Distrito Federal (Detran-DF) informa que as equipes de policiamento e fiscalização de trânsito estão em patrulhamento 24 horas em diversos pontos do DF, inclusive, na área do SAUS. Segundo o órgão, ao verificar qualquer infração, como a de estacionamento irregular, os agentes aplicam as penalidades conforme o Código de Trânsito Brasileiro. Atualmente, a penalidade é a multa de R$ 195,23, além de cinco pontos na Carteira Nacional de Habilitação (CNH).

Busca por melhorias

Questionada pela reportagem sobre o que tem sido feito para sanar o problema das calçadas, a Companhia Urbanizadora da Nova Capital do Brasil (Novacap) destacou, em nota, que possui vigente, desde 2022, contratos para a execução de serviços de manutenção de calçadas existentes e adequação de rotas acessíveis em todo o DF. "Os contratos são de serviços continuados com duração de até cinco anos e buscam adequar a acessibilidade com a manutenção de calçadas existentes e a implantação de novos trechos para circulação de pedestres", informou.

Além disso, a Novacap frisou que é atribuição da Administração Regional a gestão sobre dispositivos de mobilidade do DF, que deve priorizar demandas. "A pasta atua somente na execução de projetos aprovados após a destinação de recursos disponibilizados pela própria administração e, até o momento, não recebeu nenhuma solicitação de serviços de manutenção de calçadas para os locais mencionados (302 Sul, 405 Norte e 505 Sul). Atualmente, estão em execução serviços nos quadras SQS 112-113 e SQN 116", detalhou.

A Administração do Plano Piloto, por sua vez, esclarece que a região tem a maior extensão de calçadas do DF e que a manutenção, requalificação e implantação de calçamento são realizadas em parceria com órgãos do GDF.  Segundo a administração, equipes próprias da região administrativa executam trabalhos de zeladoria e paliativos em demandas emergenciais, dando prioridade a espaços com maior número de circulação de pessoas. "Já foi realizado um cronograma para a execução de melhorias e manutenção das calçadas, inclusive, os locais citados (302 Sul, 405 Norte e 505 Sul), que serão inseridos conforme disponibilidade de verba e material para execução", respondeu.

*Colaborou Beatriz Mascarenhas, estagiária sob a supervisão de Márcia Machado

 


 Palavra de especialista

Andar é o modo mais natural de deslocamento das pessoas. Nas ocupações humanas, cabe ao Poder Público a função de criar condições adequadas para o pleno exercício do direito fundamental de ir e vir por parte de todos. Nas áreas urbanas, essa função se traduz na construção e conservação de calçadas e passeios, espaços públicos de circulação a pé. No caso de quem enfrenta algum tipo de limitação, como uma deficiência, o papel da administração pública é projetar e manter os espaços de circulação de maneira inclusiva, sem provocar segregação.

Para cumprir de forma apropriada a sua função, calçadas e passeios precisam ter piso regular, que proporcione boa aderência, inclusive, quando estão molhados, ter largura suficiente para a locomoção confortável de todas as pessoas, ser dotados de boa iluminação noturna e o mais livres possível de desníveis que possam significar algum obstáculo a qualquer usuário.

Quando esses espaços não são construídos, ou não o são em conformidade com as normas técnicas, ou ainda quando não são mantidos de maneira adequada, os governantes e administradores, na prática, estão criando barreiras à livre circulação das pessoas, em grave descumprimento de um preceito constitucional fundamental.

Paulo Cesar Marques da Silva é professor do Departamento de Engenharia Civil e Ambiental da UnB e doutor em estudos de transportes

 

 

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Palavra de especialista

Andar é o modo mais natural de deslocamento das pessoas. Nas ocupações humanas, cabe ao Poder Público a função de criar condições adequadas para o pleno exercício do direito fundamental de ir e vir por parte de todos. Nas áreas urbanas, essa função se traduz na construção e conservação de calçadas e passeios, espaços públicos de circulação a pé. No caso de quem enfrenta algum tipo de limitação, como uma deficiência, o papel da administração pública é projetar e manter os espaços de circulação de maneira inclusiva, sem provocar segregação.

Para cumprir de forma apropriada a sua função, calçadas e passeios precisam ter piso regular, que proporcione boa aderência, inclusive, quando estão molhados, ter largura suficiente para a locomoção confortável de todas as pessoas, ser dotados de boa iluminação noturna e o mais livres possível de desníveis que possam significar algum obstáculo a qualquer usuário.

Quando esses espaços não são construídos, ou não o são em conformidade com as normas técnicas, ou ainda quando não são mantidos de maneira adequada, os governantes e administradores, na prática, estão criando barreiras à livre circulação das pessoas, em grave descumprimento de um preceito constitucional fundamental.

Paulo Cesar Marques da Silva é professor do Departamento de Engenharia Civil e Ambiental da UnB e doutor em estudos de transportes