Os deputados da Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF) aprovaram, na noite de ontem, o Projeto de Lei Complementar (PLC) 41/2024, que trata do Plano de Preservação do Conjunto Urbanístico de Brasília (PPCUB). O texto polêmico, que traz modificações significativas para a capital federal, foi aprovado após um exaustivo debate entre os distritais da base e da oposição do governo devido às emendas parlamentares.
O projeto, enviado pelo Executivo local em março deste ano, levou 15 anos de elaboração por parte do governo e de entidades civis. Nas redes sociais, o governador Ibaneis Rocha (MDB) destacou a importância da aprovação para o desenvolvimento da capital. "Nosso governo é marcado por grandes feitos, e hoje é mais um dia histórico para o Distrito Federal. Após 15 anos de debates e discussões, finalmente teremos uma única legislação sobre preservação, uso e ocupação do solo. Com ela, teremos diretrizes para o desenvolvimento sustentável e a modernização da nossa área tombada", escreveu.
Ibaneis enfatizou que essa legislação é um marco de modernidade para o DF, sendo um projeto maduro, elaborado com a participação de todos, e que visa a melhoria da qualidade de vida da população. "Vamos continuar trabalhando juntos para construir um DF cada vez melhor", concluiu o governador.
O secretário de Desenvolvimento Urbano e Habitação do DF, Marcelo Vaz, acompanhou a votação na CLDF e celebrou a aprovação do projeto em segundo turno. Para ele, apesar das divergências com a oposição, foi aprovado o melhor projeto possível. "Sentimento de missão cumprida. Tínhamos a necessidade de um plano de preservação que, de fato, cuidasse da cidade como ela merece e definisse parâmetros. Temos um momento histórico, uma conquista da sociedade. Por mais que tenhamos alguns debates com os deputados, sabemos que são debates sadios", salientou.
Vaz reforçou que o tombamento de Brasília será preservado. "Estamos trabalhando intensamente para que tenhamos normas claras e precisas, para que as pessoas saibam o que pode ser feito, sempre preservando a morfologia que fez de Brasília o que ela é hoje", garantiu.
Discussão
Antes de o projeto ser deliberado no plenário da Casa, os distritais e secretários da Seduh firmaram, na reunião do Colégio de Líderes na segunda-feira, um acordo para a aprovação e rejeição de algumas das 174 emendas. À reportagem, distritais do governo salientaram à época que o PPCUB estava robusto, mas ainda apresentava algumas lacunas.
Segundo deputados da oposição, o acordo começou a ruir quando o relatório da Comissão de Assuntos Fundiários (CAF), na manhã de ontem, rejeitou algumas emendas que deveriam ser aprovadas — especialmente as da oposição — enquanto outras foram incorporadas ao texto. O relatório da CAF acabou aprovado por 4 votos a favor e 1 contrário.
No plenário, o presidente Wellington Luiz (MDB) utilizou um artigo do Regimento Interno para revogar o comunicado de líderes e dar início à votação do PLC 41/2024, gerando incômodo entre os deputados contrários ao projeto, que pediam mais tempo para ler o relatório aprovado às pressas pela CAF. O pedido de reanálise foi negado.
O projeto, conforme o relatório da CAF, foi aprovado em todas as comissões permanentes, como a de Economia, Orçamento e Finanças (CEOF); Educação, Saúde e Cultura (CESC); e a Comissão de Desenvolvimento Econômico Sustentável, Ciência, Tecnologia, Meio Ambiente e Turismo (CDESCTMAT).
"Nos preocupa uma série de perdas de prerrogativas desta Casa, dando poderes à Seduh, tornando-a uma supersecretaria. Com esse projeto, poderão, por meio de decretos, desafetar áreas, parcelar terras, definir uso e ocupação, sem a necessidade de estudos de impacto e sem a consulta aos deputados. Entendemos que não se trata de um plano de preservação do conjunto urbanístico de Brasília, mas sim de um plano de negócios", criticou Gabriel Magno (PT).
Deliberação
Insatisfeita com a condução do projeto, a oposição requisitou que as emendas acrescidas no relatório da CAF fossem destacadas para deliberação uma a uma na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). O líder do governo, Robério Negreiros (PSD), propôs que parte das proposições fossem votadas em bloco para agilizar a votação. A maioria governista seguiu o entendimento de Negreiros.
Entre as emendas destacadas e analisadas separadamente, estava a de número 174, de autoria do deputado Thiago Manzoni (PL), que propunha impedir que 16 prédios nos Setores Hoteleiros Sul e Norte aumentassem dos atuais três para 12 andares. A emenda gerou má repercussão dentro do próprio governo, levando Manzoni a retirá-la.
Contudo, Manzoni voltou atrás na manhã de ontem e protocolou a mesma redação em uma emenda modificativa. Na votação na CCJ, o parlamentar optou por se abster de sua própria proposta, enquanto a base governista foi contrária e a oposição, favorável. Sob protestos e acusações de "conchavão" e "tratoraço", pessoas na galeria da Casa repudiaram o projeto.
O projeto foi aprovado na CCJ e encaminhado para votação em primeiro e segundo turno, recebendo 18 votos favoráveis e 6 contrários. A oposição solicitou que a redação final do texto fosse adiada, argumentando que os distritais desconheciam a versão final do PPCUB. O pedido foi negado, e a medida seguirá para sanção ou veto do governador Ibaneis.
O que é
O PPCUB congrega três aspectos: plano de preservação; legislação de uso e ocupação do solo; e Plano de Desenvolvimento Local (PDL), esse último reunindo o planos de projetos, de ações e de obras.
A área de tombamento abrange aproximadamente 120km² e inclui o Eixo Monumental; as superquadras, os setores centrais; a orla e o espelho d’água do Lago Paranoá; os Setores de Embaixadas; os grandes parques, incluindo as áreas de transição urbana; a W3 Norte e Sul; Setores Residenciais Complementares; Vilas Residenciais; Setores Complementares das áreas Oeste e Leste; e Setores de Serviços Complementares. Em resumo, o CUB vai desde a Candangolândia até o Lago Norte, incluindo a orla e o espelho d’água do Paranoá.
A região é tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), autarquia federal responsável pelo Patrimônio Cultural Brasileiro. Além disso, Brasília também é reconhecida como Patrimônio Mundial pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). Trata-se do primeiro conjunto urbano do século 20 a receber o título da Unesco, chancelado em 1987.
Fonte: CLDF
Questão polêmica
Preservação urgente
(...) Em suas diversas versões, o PPCUB tem sido mais um reflexo distorcido do que um verdadeiro Plano de Preservação, revelando-se essencialmente como um Plano Diretor disfarçado, sem os instrumentos de preservação adequados para um patrimônio protegido em nível distrital, federal e mundial. Este projeto não atende adequadamente às necessidades cruciais e urgentes de preservação e gestão compartilhada deste sítio tão representativo e relevante para o povo brasileiro.
Além da falta de instrumentos objetivos para potencializar a preservação patrimonial, destacamos a significativa ausência de participação social efetiva na elaboração desta versão do PPCUB e algumas de suas emendas, que preconizam enormes transformações e ameaçam o Conjunto Tombado.
A ausência de previsão para a criação de um Comitê Gestor do Conjunto Urbanístico de Brasília, garantindo a participação deliberativa e consultiva da sociedade e dos governos, conforme orientações internacionais e nacionais para a gestão de patrimônios culturais, aliada à centralização das decisões no Governo do Distrito Federal, sem a devida participação de outras instâncias da gestão pública, poderes e agentes da sociedade, diminui as possibilidades de processos democráticos na gestão deste patrimônio.
O PPCUB deve ser um instrumento eficiente para a preservação do patrimônio cultural de Brasília, com ferramentas específicas para conservação e preservação do bem, que não podem estar em segundo plano ou serem inexistentes em meio a diversas regulamentações genéricas de uso do solo. O PPCUB deve orientar as transformações no bem, respeitando os valores e atributos que fazem o Conjunto Urbanístico de Brasília ser tão importante para a humanidade.
A favor
Adalberto Valadão Jr. presidente do Sinduscon
Segurança jurídica
É uma lei que vem sendo discutida há cerca de 15 anos, de forma muito intensa e profunda sobre diversos aspectos. Consideramos que a não aprovação coloca em risco o tombamento de Brasília. A lei traz, basicamente, três aspectos: segurança jurídica, dinamização da cidade e preservação.
No que diz respeito à segurança jurídica, a legislação do Plano Piloto é muito confusa e contraditória. Tem normas escritas à mão, algumas inelegíveis. O PPCUB traz isso para uma lei organizada, clara e bem definida; traz segurança jurídica para toda a legislação urbanística da nossa cidade.
Sobre a dinamização da cidade, é preciso entender que as cidades são seres vivos, as pessoas que moram aqui evoluem, mudam, as cidades mudam, de tamanho e se a legislação não acompanha, acontece o crescimento desordenado e ilegal. Portanto, é importante ter um plano que ordene a forma que a cidade pode ou não se desenvolver. A flexibilização de usos inclui práticas já consolidadas, traz isso para a legalidade e estimula que sejam feitas dentro de um padrão de desenvolvimento.
Quanto à lei de preservação, o próprio nome dela a define. Nosso tombamento é por escalas, não passa por prédios e edifícios, mas pelo próprio urbanismo, onde pode ter prédio mais alto, mais baixo, sobre como funciona uma cidade parque. Essa lei estabelece de forma muito clara e com rigor, como pode ocorrer o desenvolvimento de cada uma dessas escalas.
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