A tradição do Boi de Seu Teodoro, Patrimônio Imaterial Cultural de Brasília, permanece viva em Sobradinho. Neste domingo (23/6), a partir das 17h, o Centro de Tradições Populares se enfeitará de cores e brilho para realizar o tradicional batismo do brinquedo popular.
A cerimônia será marcada pelo som de tambores-onça, matracas, maracás e pandeiros. A entrada é gratuita e, além do batizado, haverá apresentações de grupos de forró, quadrilhas juninas e feira com comidas típicas. O Correio esteve na sede e acompanhou os últimos preparativos.
No batismo, o boi recebe couro novo e pede bênçãos a São João para brincar a festa. "Esta cerimônia é uma das principais do nosso calendário. O nosso boi nasce no Sábado de Aleluia, é batizado na madrugada de 23 para 24 de junho, morre em agosto ou setembro e renasce outra vez", explica Guarapiranga Freire, filho de Mestre Teodoro e presidente do Centro de Tradições Populares.
"A história gira em torno de um boi querido de um fazendeiro que foi morto pelo subordinado Pai Francisco para atender ao desejo da esposa Catirina, que estava grávida e com desejo de comer a língua do boi. O animal é morto, mas ressuscita em seguida", elenca. Esse ciclo é vivenciado o ano todo. Além do couro do boi, os brincantes recebem indumentárias novas e instrumentos renovados.
"Já estou pronta para o Boi e vou dançar até a última toada", garante a aposentada Maria da Conceição Tavares de Oliveira, de 70 anos, que nasceu em Icatu, no Maranhão, e está no boi há 46 anos. Ela interpreta Catirina, personagem principal do folguedo, e tem uma relação de amor e gratidão ao evento. "Foi ele quem me acolheu quando cheguei em Brasília. Na época, não conhecia ninguém. Uma amiga minha disse que tinha um forró aqui em Sobradinho, fui visitar e estou até agora. Foi aqui que conheci o meu marido, construí minha família. Só saio daqui quando Deus me levar", ressalta.
Outro veterano do Boi é o maranhense João de Deus Melo, que veio de Pinheiro (MA) a convite do saudoso Mestre Teodoro. "Estou aqui desde 22 de junho de 1978. Meus irmãos já estavam aqui e eu comecei a fazer parte. Esses anos todinhos, a gente brincando, é maravilhoso demais. Aqui, chego, faço de conta que estou em casa. Todo mundo é irmão. O Boi de Seu Teodoro é minha profissão. Antes, era uma brincadeira. Hoje, é uma responsabilidade."
Aquecimento
Enquanto as brincantes Silvia Monteiro e Paula Gomes, que dão vida às índias do Boi de Seu Teodoro, aqueciam os movimentos de dança no terreiro do boi, os instrumentos também eram aquecidos, mas no fogo, pelo músico Vagner Fois. "A gente põe álcool em uma bacia de metal e acende o fogo para esquentar e esticar o couro dos instrumentos. Isso faz com que eles não percam a afinação", explica.
Vagner aprendeu com os mais experientes do grupo, como o percussionista Gustavo Gabriel, 19, que cresceu nas festividades do Boi. "Para mim, é tradição. Foi onde cresci e quero que essa cultura seja repassada para o próximo e seja mais vista no Brasil", destaca.
De geração em geração
"Eu fico muito emocionado vendo minha família aqui comigo", diz o cantor maranhense Raimundo João Ferreira, 77, ao lado da filha, a balconista Silvia Monteiro, 40, e do neto, o estudante Patrick Rafael, 20. "A cultura é isso, tem que ser passada de geração para geração, senão se perde. É muito bom porque de qualquer maneira está seguindo o caminho da cultura. De outro lado, não cai para a perdição", reforça.
Patrick afirma que ama o Boi graças à mãe dele e ao avô. "Veio de berço. Faço questão de ir para quase todas as apresentações. É como uma missão, sabe? De levar esse legado que aprendi para frente. Posso dizer que tenho 20 anos de idade e 20 anos de grupo", completa.
Patrimônio
Teodoro Freire, o Mestre Teodoro, nasceu em 1920, em São Vicente de Ferrer (MA). Aos 32 anos, foi morar no Rio de Janeiro, onde fundou um boi e, em 1961, foi convidado por Ferreira Gullar, o então diretor da Fundação Cultural no governo Jânio Quadros, a apresentar o boi no aniversário de um ano de Brasília. A apresentação ocorreu em 21 de abril de 1961, na parte superior da Rodoviária do Plano Piloto. Em 1962, veio morar em Brasília e em 1963, criou o Boi em Sobradinho.
Ao longo da história, Teodoro enfrentou muitas dificuldades e resistências, inclusive com a ameaça de perder o terreno onde hoje funciona a sede. Reportagens do Correio Braziliense mostram a luta por reconhecimento, espaço e território ao longo dos anos. “Um Dom Quixote em defesa da cultura popular em Brasília”, dizia um artigo de 10 de novembro de 1979. Luta que se seguiu por quase 30 anos, até 1992, quando conquistou o lote. Anos depois, em 16 de julho de 2004, a manifestação foi reconhecida pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) como Patrimônio Cultural Imaterial Brasileiro. O mestre dedicou a vida à promoção da cultura popular e foi pioneiro na construção da identidade cultural da capital.
“A gente sabe que Norte e Nordeste sempre foram discriminados, mas ele veio com toda a garra e nunca desistiu de lutar, nem pelo Maranhão e nem pelo boi. Eu acho que se a gente tá vivo aqui até hoje é porque ele está com a gente, dando ideias e fazendo manter a tradição maranhense no Distrito Federal. Não é fácil, mas a gente vai fazendo. Seu Teodoro está em toda parte aqui. Em qualquer canto que você vai tem o Teodoro”, enfatiza a historiadora Tamatatiua Freire, segunda dos seis filhos de Seu Teodoro que nasceram em Brasília.
Serviço
Batismo do Boi de Seu Teodoro
Neste domingo (23/6), a partir das 17h.
Memorial Bumba-Meu-Boi Do Seu Teodoro, Avenida Contorno, Quadra 15, Área Especial 2 Sobradinho.
Entrada gratuita.
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