A região de São Sebastião é um dos focos de uma rede, com ramificações em pelo menos mais seis regiões do Distrito Federal, organizada por um articulado grupo de grileiros. Agentes da Coordenação Especial de Proteção ao Meio Ambiente, à Ordem Urbanística e ao Animal (Cepema), ligados à Polícia Civil do DF (PCDF), e envolvidos na investigação, identificaram a quadrilha atuando também em Arniqueira, Colônia Agrícola Samambaia, Ponte Alta do Gama, Sucupira (Riacho Fundo), Vicente Pires e 26 de Setembro.
O Correio apurou que, em 11 meses — de junho do ano passado até maio —, a Cepema realizou 39 operações que impediram os suspeitos de ampliar sua atuação. Esse trabalho, que prevê novas intervenções, encontrou diversos delitos, como falsificação de documentos, crimes ambientais, extorsão e tentativa de homicídio. De acordo com fontes do órgão, os investigados escolhem áreas supostamente abandonadas — mas que, na verdade, são do Estado ou pertencem a uma pessoa ou empresa privada. Esses espaços se caracterizam por estarem próximos ao perímetro urbano e serem terrenos com grandes dimensões. Isso permite a divisão em lotes de diversos tamanhos, que serão vendidos e gerarão ganhos financeiros expressivos, porém ilegais.
Corretores ouvidos pelo Correio — que mesmo agindo de forma lícita, pediram não ser identificados por medo de represálias dos concorrentes contraventores — afirmaram que, apesar da ilicitude, a procura de clientes por esses loteamentos irregulares existe e não é pequena. Muitos compradores acabam atraídos porque essas áreas parceladas têm preços relativamente mais baratos, em comparação a outras devidamente regularizadas. Além disso, esses grileiros oferecem vantagens no pagamento, entre outros benefícios. Dessa maneira, de acordo com declarações das fontes do ramo imobiliário, não falta gente interessada em se arriscar, mesmo ciente dos riscos e punições.
Vantagens aparentes
A diferença de valores entre lotes regulares e irregulares é grande. Conforme os corretores, em bairros mais novos da região administrativa de São Sebastião, como Capão Comprido e Morro da Cruz, as unidades dos "grilados" giram em torno de R$ 30 mil a R$ 60 mil, a depender do tamanho e da localização — quanto mais próximo de áreas urbanas, mais caro. Para comprar os regulares, situados em Vila Nova ou São José — localizadas na mesma RA —, o interessado pode ter de desembolsar entre R$ 100 mil e R$ 180 mil. Esses valores são, em média, 230% acima do fixado para as oferecidas ilegalmente.
"Os bairros irregulares têm crescido demais na capital do país porque as pessoas ainda preferem comprar mais barato", afirmou um corretor que pediu anonimato. "É aquela história: muita gente prefere arriscar por acreditar que, um dia, aquele terreno vai ser regularizado", acrescentou outro profissional, que também solicitou não ser identificado.
Venda cruzada
O chefe da Cepema, delegado João Maciel Claro, ressaltou que áreas como as de Arniqueira, Colônia Agrícola Samambaia, Ponte Alta do Gama, São Sebastião têm a preferência dos grileiros. Isso se deve ao tamanho dos terrenos e dos atrativos para a comercialização — proximidade com a área urbana, possibilidade de numeroso e lotes em variadas dimensões.
"No geral, eles compram os terrenos limpos e dividem em lotes. Outros, compram já estruturados e repassam", detalhou Claro. Segundo ele, há, ainda, um esquema que promove a chamada venda cruzada: quando o mesmo lote é comercializado para mais de um comprador. Essa transação é proibida por lesar os clientes, que — como participaram de processos irregulares — têm dificuldades em comprovar o golpe que sofreram e acusar quem os lesou.
O delegado disse que, apesar de ser complicado para as vítimas apresentarem provas, mesmo assim há reclamações. Ele detalhou o processo de apuração, que se inicia — na maioria desses casos — com denúncia feitas de forma anônima. "Sempre fazemos o levantamento preliminar e, a depender do caso, pedimos a quebra do sigilo bancário ou telefônico. Tudo isso em busca de elementos probatórios", explicou.
Saiba Mais
Atuação da DF Legal
ano/ operações/ áreas públicas desobstruídas
2021/ 594/ 2.008.530m²
2022/ 790/ 2.482.819m²
2023/ 825/ 10.484.176m²
2024 (até maio)/ 367/ 12.539.481m²
O que diz a lei
O crime de parcelamento de solo urbano está previsto no artigo 50 da Lei n° 6.766. A pena para quem comete o delito pode chegar a 5 anos de reclusão.
DF Legal aprimora combate a invasores
Ao longo da última semana, a Secretaria DF Legal realizou várias ações numa área pública, em São Sebastião, cedida à Cáritas Arquidiocesana de Brasília. As medidas foram necessárias depois que grileiros ameaçaram invadir o terreno. Numa parte dele está a sede da instituição. O local abriga mais de 130 indígenas venezuelanos da etnia Warao, dos quais 45 são crianças e adolescentes.
Organização humanitária da Igreja Católica voltada para populações vulneráveis, a Cáritas funciona no local desde 2018. Nesse ano o GDF entregou a concessão de uso do terreno à direção da entidade. As denúncias foram encaminhadas pelo diretor-executivo da instituição, Paulo Henrique de Morais. Ele detalhou, por documentos, o funcionamento do esquema de grilagem que ameaça com uma ocupação ilegal da área.
Ao Correio, Morais explicou como têm agido os invasores no espaço repassado à Cáritas: cercam a área, vendem "partes" (lotes), constroem casas de alvenaria e, por fim, ameaçam os funcionários e as pessoas atendidas.
"Os grileiros filmam as placas dos carros que entram e saem do terreno. Eles colocaram uma pessoa de moto para monitorar o lugar. Um homem já até entrou armado na sede, me procurando", denunciou o diretor-executivo .
Ele afirmou existir um sistema articulado para manter a venda dos lotes irregulares na área, produzir documentos falsos e defender judicialmente os grileiros. "Eles me denunciaram (à Justiça) alegando que eu estava ameaçando um deles. Eles têm advogado e criam narrativas. Fazem tudo de forma orquestrada", acusou.
Contra-ataque
A DF Legal informou ter desencadeado operações em São Sebastião para coibir a tentativa de consolidação de parcelamentos irregulares. A última foi em março deste ano, quando foram demolidas edificações em construção, descaracterizados 25 lotes cercados e apreendidos 2 mil tijolos. Desde 2021, a região administrativa foi alvo de 95 operações, que resultaram em 507.530 m2 de área pública desobstruídos.
Com um sistema de acompanhamento de imagens, que consiste em fiscalizar, em tempo real, prédios e terrenos públicos em risco de ocupação ilegal, a DF Legal conta com 10 servidores na Unidade de Geoprocessamento e Monitoramento (Ugmon). "Temos, ainda, as operações pronto-emprego, em que recebemos a denúncia, analisamos a ameaça de uma maneira rápida e, havendo condições de agir em 24 horas, assim fazemos", explicou o subsecretário de operações da pasta, Alexandre Sena.
De janeiro a maio, a DF Legal fez 367 operações e retomou 12.539.481 m2 (veja quadro). Quanto à área onde fica a Cáritas, Sena garantiu haver atenção ao problema. "Fizemos uma operação na semana e estamos mantendo a equipe de monitoramento. Essa vigilância vai se estender por um período, mas é importante que a associação providencie o cercamento da área. Sem a proteção, esse monitoramento perde a efetividade", orientou. (DD e GL)
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