Paz no trânsito

Em cinco meses, 3,9 mil CNHs foram suspensas por embriaguez ao volante

Detran-DF acelera processos contra motoristas bêbados e alerta que fiscalizações aumentaram. Para especialistas, falta conscientização dos condutores da capital do país, além de campanhas educacionais mais efetivas

Em 2023, no DF, foram mais de 25 mil flagrantes de condutores que dirigiram depois de beber -  (crédito: Divulgação/Detran-DF)
Em 2023, no DF, foram mais de 25 mil flagrantes de condutores que dirigiram depois de beber - (crédito: Divulgação/Detran-DF)

O número de condutores com a Carteira Nacional de Habilitação (CNH) suspensa por dirigir sob efeito de álcool — entre janeiro e 29 de maio deste ano — aumentou 42,4%, se comparado com todos os casos registrados ao longo de 2023, de acordo com dados do Departamento de Trânsito do Distrito Federal (Detran-DF). Em 2024, 3.940 carteiras foram suspensas, enquanto no último ano foram 2.766 condutores que perderam o direito de dirigir temporariamente.

Também houve um aumento expressivo entre os anos de 2022 (546) e 2023 (2.766), com quatro vezes mais suspensões do direito de dirigir no ano passado. Esse crescimento se deve à aceleração na tramitação dos processos que estavam reprimidos, como destaca Bruna Pacheco, diretora de Controle de Veículos e Condutores do Detran-DF. Além da efetividade da fiscalização, a alta de suspensões se dá pela mudança na gestão e na otimização e melhoria nos processos, acrescenta ela. "Demos mais celeridade às demandas reprimidas. Alguns processos de penalidades têm data diversa do cometimento dos autos de infrações (as suspensões demoraram a ser aplicadas)", ressalta.

No ano passado, foram 25.802 condutores flagrados sob efeito de álcool, enquanto em 2022 a quantidade bateu o recorde do Detran-DF, desde a criação da Lei Seca, chegando a 31.442 condutores autuados com base nos artigos 165 e 165-A do Código de Trânsito Brasileiro (CTB). 

Sobre a diminuição das autuações, o diretor de Policiamento e Fiscalização de Trânsito do Detran-DF, Clever de Farias Silva, diz que a fiscalização tem aumentado e, consequentemente, a consciência da população está seguindo o mesmo caminho. "O efeito educativo vem funcionando, ou seja, quem sai para beber tem se conscientizado das penalizações e perigos de tomar a direção de um veículo após beber. A nossa ideia é que os números cheguem a zero", destaca.

De acordo com o diretor, o Detran-DF trabalha com as fiscalizações e as campanhas educativas, para coibir esse tipo de infração. "Vamos até bares, escolas e eventos espalhados pelo DF. Estamos em todas as partes, fazendo o trabalho preventivo, até mesmo na faixa etária que ainda não pode dirigir. Isso porque eles podem conscientizar os pais e responsáveis sobre os perigos de beber e dirigir", comenta. "A pessoa tem que ter o conhecimento de que dirigir depois de beber tem um risco muito grande. Queremos que todos aproveitem as festas e eventos, porém, com segurança", destaca Clever.

Ele explica quais são as estratégias utilizadas para definir os pontos de fiscalização. "A gente trabalha com o monitoramento dos pontos onde as pessoas ainda 'teimam' em beber e dirigir, como shows e jogos de futebol, por exemplo", comenta. "Conseguimos mapear e, antes e durante esses eventos, fazemos o trabalho de conscientização. Depois, aplicamos a fiscalização", acrescenta.

Prejudicial

Professor de medicina legal da Universidade de Brasília (UnB) e ex-diretor do Instituto de Medicina Legal (IML), Malthus Galvão ressalta que, apesar de lícito, o álcool é uma droga psicotrópica, pois atua principalmente no sistema nervoso, depreciando-o. "A chance de uma pessoa embriagada dormir ao volante é exponencialmente maior do que uma que não bebeu, por exemplo", explica.

De acordo com o especialista, a ingestão de bebida alcoólica prejudica três momentos diferentes durante a condução de um veículo: a percepção do ambiente, o processamento da informação e a efetivação desse comando. "Às vezes, a pessoa que bebe e está dirigindo um carro quer pisar no freio, mas acaba errando o pedal e acelera o veículo", exemplifica. "À medida que o álcool aumenta no sangue, esses momentos são afetados", alerta Galvão.

Ele afirma que não pode haver uma tolerância ou um limite para quem bebe e dirige. "A nossa legislação está bastante evoluída no sentido da rigidez. Mesmo assim, as pessoas continuam achando que conseguem burlar a fiscalização de alguma forma", lamenta. 

O professor da UnB ressalta que o grande problema está no fato de que muitos motoristas acham que, mesmo embriagado, conseguem conduzir um veículo. "Eles se sentem empoderados, achando que conseguem dirigir sob o efeito da bebida. Além disso, algumas se tornam pessoas agressivas, aumentando mais ainda a chance de um efeito adverso no trânsito", destaca. "Só que, mesmo tomando uma lata de cerveja, na hora de fazer os testes psicomotores, a pessoa terá uma alteração significativa dos sentidos, correndo risco de causar acidentes", acrescenta o especialista.

Lição

Um dos que pensava dessa forma é João (nome fictício), 47 anos. Há seis meses, ele teve a carteira de motorista suspensa após ser flagrado alcoolizado ao volante. Ao sair de um restaurante na Asa Sul, ele foi pego numa blitz e o bafômetro acusou 0,21 miligramas de álcool por litro de ar expelido dos pulmões. "Na minha opinião, estava superbem para dirigir. Nem zonzo eu estava. Mas o bafômetro pegou e eu não tive como escapar", lamenta.

Desde então, João usa motoristas de aplicativo para ir e voltar do trabalho. Sobre a punição, ele acha muito rigorosa. "Só a multa, que em si é muito alta, deveria ser o suficiente. Em Brasília, dependemos do carro para tudo", avalia. Questionado se a punição vai inibí-lo de dirigir alcoolizado, João diz que sim. "Não dá para ficar sem carro, por isso, não penso em vacilar de novo", garante.

Aos 56 anos, Luiza (nome fictício) teve a CNH cassada por dois anos, após cometer o crime de dirigir alcoolizada. "Achei que estava bem para dirigir, mas minha irmã foi ao local me buscar e disse que eu falava enrolado e estava cambaleando. Foi um choque", recorda. Agora, Luiza se prepara para fazer um novo processo de habilitação. "Foi uma lição e tanto! Deixei de viajar quando não conseguia companhia para dirigir. Depois disso, só saio quando tem motorista da vez ou de aplicativo, após as festas ou idas a bares e restaurantes", afirma.

Conscientização

Doutor em segurança de trânsito e presidente do Instituto Brasileiro de Segurança no Trânsito (IST), David Duarte ressalta que beber é um ato social e há uma cultura, no nosso país, de reuniões em que há bebidas alcoólicas na mesa. "Ela é um ingrediente da festa. O problema é quando o sujeito decide tomar a direção de um veículo depois disso", pondera. "Beber e dirigir é um desafio em grande parte do mundo. Há várias soluções e a primeira delas é a conscientização, mostrando o que a combinação álcool e direção pode fazer", destaca o especialista.

Questionado se o número das autuações por embriaguez ao volante condiz com a real quantidade de pessoas que bebem e dirigem, o especialista comenta que, há alguns anos, o IST fez uma pesquisa no DF perguntando quantas pessoas beberam, dirigiram e foram pegas em uma blitz. "Para cada pessoa que respondeu de forma afirmativa, existiam cerca de 200 outras que disseram que não foram flagradas", detalha. "A nossa fiscalização é uma peneira. Ela é ineficiente e muitos agentes, seja da Polícia Militar ou do Detran, têm uma formação falha nesse quesito", opina Duarte.

Para o doutor em segurança no trânsito, falta conscientização e responsabilidade por parte do condutor. "Além disso, não há um transporte público eficiente, que dê segurança e conforto para que o cidadão deixe o carro em casa", ressalta. "Falta também uma fiscalização mais efetiva e variada, ou seja, que não seja feita apenas em forma de blitz. Em vez disso, é possível observar, até por meio de câmeras de monitoramento, a forma de conduzir do motorista, para saber se ele está ou não embriagado, sem que se monte uma fiscalização que vá reter o tráfego", exemplifica.

Colaborou Adriana Bernardes

 


Gostou da matéria? Escolha como acompanhar as principais notícias do Correio:
Ícone do whatsapp
Ícone do telegram

Dê a sua opinião! O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores pelo e-mail sredat.df@dabr.com.br

postado em 07/06/2024 05:00
x