"A ciência já demonstrou que, para conservação da biodiversidade, são necessárias grandes áreas para proteção dos animais e plantas nativas". A fala do doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília (UnB) Christian Della Giustina reforça a importância da preservação e conservação do Cerrado em um contexto onde houve um aumento de 68% em áreas degradadas em relação a 2022. Pela primeira vez, o Cerrado ultrapassou a Amazônia quanto ao tamanho da área desmatada. O Correio conversou com organizações da sociedade civil, especialistas e representantes do Governo do Distrito Federal (GDF) e detalha ações de preservação e conservação do bioma em que habitam os moradores da capital do país.
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Para Christian Della Giustina, sempre é possível investir em ciência para produzir mais em menores áreas, usar menos defensivos agrícolas, conservar as nascentes e as margens dos rios. "Então, é importante a criação de políticas e mecanismos para que se incentive as atividades humanas com práticas cada vez mais sustentáveis", destacou. "É importante que parte da riqueza gerada pelas atividades produtivas se converta em recursos para o financiamento das áreas protegidas, como os parque nacionais e estaduais", completou.
O GDF tem trabalhado as questões relacionadas ao Meio Ambiente por meio de ações integradas, com a parceria de vários órgãos, como a Agência Reguladora de Águas, Energia e Saneamento Básico (Adasa), a Companhia Ambiental de Saneamento do Distrito Federal (Caesb), o Instituto Brasília Ambiental, a Secretaria de Limpeza Urbana (SLU) e o Jardim Botânico. "A orientação do governador é para que tenhamos uma ação integrada visando o desenvolvimento sustentável. O desenvolvimento não pode se dissociar da preservação ambiental", disse o secretário de Meio Ambiente, Gutemberg Gomes.
Em 2023, foi publicado o Decreto nº 44.606/2023, que institui o 1º de dezembro como o dia de plantio de mudas nativas do Cerrado em áreas urbanas e unidades de conservação.
Usina fotovoltaica
Neste sábado, será inaugurada no DF a primeira usina pública de energia fotovoltaica, localizada no Parque de Águas Claras. Serão atendidos pelo sistema um total de 80 prédios públicos. "O que é produzido será jogado na rede de distribuição e os créditos de geração que corresponde ao que as usinas produzem serão utilizados no abatimento da fatura de energia dos quatro partícipes que fazem parte do arranjo: SEMA, Brasília Ambiental, Secretaria de Educação, Zoológico e Jardim Botânico", pontuou o coordenador da Subsecretaria de Assuntos Estratégicos da SEMA, André Souza.
Nenhuma árvore foi derrubada na construção da usina que foi instalada em uma área cedida pela residência oficial do GDF ao Parque de Águas Claras, ou seja, houve uma ampliação do parque para a construção da usina.
Fauna
A subsecretária de Proteção Animal da SEMA-DF, Edilene Cerqueira, destacou a importância da castração de cães e gatos como forma de evitar que as espécies exóticas e silvestres sejam atacadas. "O controle populacional de cães e gatos tem uma relevância absurda sobre o Cerrado. Quando os animais não são castrados, eles acabam adentrando, em bandos, as unidades de conservação e invadindo o espaço da fauna exótica e animais silvestres, atacando espécies nativas", explicou a subsecretária. "Esse fenômeno ocorre devido ao grande número de cães e gatos abandonados nas ruas. Por isso é importante a castração.
"Um casal de cães, por exemplo, se não for castrado, pode procriar até 839 mil filhotes", completou.
Hoje, há no DF quatro clínicas credenciadas para a castração de animais, localizadas em Samambaia, Paranoá, Ceilândia e Gama, além de uma unidade móvel de castração que deve percorrer todas as regiões administrativas.
Áreas degradadas
Entre as políticas públicas desenvolvidas pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) no sentido de preservar o Cerrado está o desenvolvimento de um banco de dados sobre espécies vegetais nativas e estratégias para recomposição ambiental em parceria com a Secretaria de Extrativismo e Desenvolvimento Rural Sustentável do Ministério do Meio Ambiente (MMA). Trata-se do Web Ambiente, um sistema de informação interativo para auxiliar tomadas de decisão no processo de adequação ambiental da paisagem rural. "O Brasil tem quase 46 mil espécies conhecidas de plantas, só o Cerrado tem 12 mil. Em parceria com a UnB, estamos identificando e caracterizando essas 12 mil espécies", explicou José Felipe Ribeiro, pesquisador da Embrapa Cerrados.
Outro projeto importante conduzido pela Embrapa em parceria com o Serviço Florestal Brasileiro e o Ministério do Meio Ambiente é o Paisagens Rurais, que tem o objetivo de preparar o produtor rural para recuperar e conservar a vegetação de Áreas de Preservação Permanente (APPs) e áreas de reserva legal, além de incentivar a adoção de tecnologias de baixa emissão de carbono. "É preciso ter o manejo adequado na agricultura. A conservação do solo e da água também faz parte da conservação do Cerrado", reforçou José Felipe Ribeiro.
A Emater também conta com um projeto de replantio em áreas agrícolas. Em parceria com a Secretaria de Agricultura (Seagri-DF), o órgão conduz o projeto Reflorestar, onde são produzidas mudas nativas do Cerrado em viveiro próprio com o intuito de que sejam replantadas em áreas degradadas localizadas em Áreas de Preservação Permanente (APPs) e áreas de reserva legal. "O produtor rural demanda o técnico da Emater para análise do local que necessita receber as mudas. O técnico vai na propriedade, anota a demanda e quantifica o número de mudas. A Seagri envia as mudas e o produtor se compromete a cuidar pelos dois anos subsequentes", detalhou o gerente de Meio Ambiente da Emater-DF, Marcos de Lara Maia.
Implementado em 2011, o Projeto Produtor de Água na bacia do Pipiripau premia ações de recuperação de áreas degradadas em APPs e área de reserva legal por meio de um pagamento por serviços ambientais. "Os interessados devem acionar a Emater e dizer que tem interesse. A Emater vai fazer o projeto individual da propriedade. O interessado vai ser beneficiado com mudas nativas do Cerrado. Ao recuperar essas áreas, ele ganha, por cinco anos, o pagamento de serviços ambientais. O valor é, em média, R$ 200 por hectare", esclareceu Marcos. "A ideia do projeto é proteger regiões de nascentes e mananciais e recompor reserva legais. Com isso, há ainda a diminuição do assoreamento", acrescentou.
Água
A Estação Ecológica Águas Emendadas é um acontecimento único no Brasil que une as águas amazônicas e platinas no Planalto Central e também está em perigo. A supressão da vegetação nativa, a devastação das áreas de recarga de aquífero e o uso abusivo e sem controle do recurso hídrico, seja para irrigação dos monocultivos ou para abastecimento humano e animal, vem promovendo o contínuo rebaixamento do lençol freático, impactando drasticamente o fenômeno a tal nível que a Vereda Grande, vereda formada pela nascente Águas Emendadas, originariamente com 6km de extensão, hoje permanece seca ou com baixíssimo nível de água em boa parte do ano.
"O Cerrado ocupa cada vez menos espaço ao redor de Águas Emendadas e menos Cerrado significa menos infiltração de água no solo, menos possibilidades para recarga de aquífero e menos chances para que a flora e a fauna reproduzam seus ciclos ecológicos de forma plena para garantir os fluxos gênicos e a continuidade em nível saudável das espécies", lamenta o ambientalista Marcelo Benini.
Queimadas
Uma ação que contribui para a aceleração da devastação do bioma são as queimadas, que apenas em 1% dos casos, ocorre de forma natural, motivada por um raio em uma árvore durante uma tempestade. Na maioria dos casos, as queimadas ocorrem de forma criminosa, ação que, segundo a Lei dos Crimes Ambientais, pode gerar uma pena de reclusão de dois a quatro anos e multa. De acordo com o presidente do Instituto Cerrados, Yuri Salmona, o fogo criminoso acontece geralmente em um período complexo que são os meses de agosto, setembro e outubro, época de maior seca do ano. "O Cerrado tem a sua capacidade de resiliência, mas não a ponto de conseguir se recuperar de queimadas ano após ano", declarou Yuri.
O Instituto Cerrados conta com o programa Suindara, uma ferramenta que envia alertas de focos de calor em tempo quase real para auxiliar brigadistas e gestores a fazerem um combate mais ágil das queimadas. Por meio de diferentes projetos, o programa desenvolve ações para o fortalecimento da prevenção e combate aos incêndios e desmatamento em áreas de vegetação nativa, especialmente ao disponibilizar a ferramenta Suindara — Sistema de Alertas de Fogo e Desmatamento aos atores do fogo. O Suindara funciona em qualquer smartphone.
Programação
De hoje até domingo, a SEMA-DF promove uma programação diversificada, incluindo palestras, workshops, exposições e atividades práticas. A maioria será realizada no estacionamento 12 do Parque da Cidade e no Parque Ecológico de Águas Claras, com acesso gratuito ao público. O evento tem como objetivo sensibilizar e educar a população sobre a importância da conservação ambiental e da adoção de práticas sustentáveis.
Saiba Mais
Bioma ameaçado
Por Christian Della Giustina
O bioma Cerrado é o segundo maior do País, em área, e um dos 34 hotspots mundiais para a conservação da biodiversidade, ocupando, aproximadamente, 2 milhões de km², o que representa 23% do território nacional. Hotspots são áreas com alto grau de endemismo, que significa que determinadas formas de vida só existem naquele ambiente e alto grau de ameaça pelas atividades humanas. Portanto, a biodiversidade do Cerrado é considerada a mais rica e ameaçada entre as savanas do mundo.
O início da destruição dos Cerrados, de forma mais significativa, se deu ainda no governo de Getúlio Vargas, em meados da década de 1930, com sua política de interiorização do Brasil, conhecida como “Marcha para o Oeste”, tendo como marcas no Cerrado, a construção da cidade de Goiânia e a abertura de diversas colônias agrícolas em Goiás, por exemplo.
Mesmo com a intensificação do processo de interiorização, o Cerrado até meados da década de 1970 estava relativamente bem preservado, mesmo com a construção de Brasília. No entanto, nessa mesma década, a Embrapa desenvolveu tecnologias de correção e fertilização dos solos, visto que eles são naturalmente pobres em nutrientes para as plantas e, portanto, o Cerrado era considerado como área improdutiva para a agricultura. Foi então que o desmatamento do Cerrado ganhou escala, pois extensas áreas foram abertas pela agricultura. Estima-se que, atualmente, metade da área total do bioma já tenha sido convertida em paisagens como a agropecuária, as cidades e a mineração.
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