A violência doméstica e familiar fez, somente nos três primeiros meses deste ano, 4.674 vítimas no Distrito Federal — uma média de 52 casos registrados diariamente — de acordo com dados da Secretaria de Segurança Pública (SSP-DF). O levantamento mostra que a maioria das ocorrências é de violência moral/psicológica — em que há injúria, difamação, ameaça, perturbação da tranquilidade e stalking, por exemplo. Ainda segundo a SSP-DF, na maior parte dos casos, os diferentes tipos de incidência da violência ocorrem de modo conjunto, ou seja, um registro pode conter mais de um tipo. Por vezes, as agressões evoluem para o feminicídio. Na madrugada de sábado (25/5), Daniella Di Lorena Pelaes, 46 anos, foi assassinada a facadas pelo ex-marido.
O ano passado foi o que teve o maior número de ocorrências dos últimos 14 anos: 19.254. Secretário de Segurança Pública do DF, Sandro Avelar comenta que o incentivo e a ampliação dos canais de denúncia, por meio de campanhas e do desenvolvimento de novas tecnologias que facilitam o registro desses casos, estão diretamente relacionados ao aumento de denúncias previstas na Lei Maria da Penha.
"Para se ter uma ideia, em quase 70% dos casos de feminicídios no ano passado, não havia registro prévio de violência", observa Sandro Avelar. Neste ano, sete mulheres foram assassinadas nessas condições. "Com os registros, conseguimos dar a essas mulheres acesso aos diversos serviços disponibilizados pelo governo e, sobretudo, garantir mais segurança para que o ciclo de violência não evolua para crimes mais graves", completa o titular da SSP.
A secretária da Mulher, Giselle Ferreira, afirma que a pasta trabalha com uma série de ações de curto, médio e longo prazos, a prevenção da violência de gênero e o apoio às vítimas. "A principal política pública da pasta é o serviço de acolhimento e acompanhamento de mulheres que sofreram violências", ressalta. "Ao longo desta gestão, foram adotados programas e projetos para garantir o enfrentamento à violência, a autonomia econômica e o acesso à saúde integral das mulheres", acrescenta.
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Rede de apoio
Para a presidente da Comissão de Combate à Violência Doméstica e Familiar da Ordem dos Advogados (OAB-DF), Andréia Waihrich, a era da informação trouxe conscientização e conhecimento dos direitos que as mulheres têm. "Nos últimos 14 anos, a internet ficou mais acessível. Famílias com renda de até um salário mínimo têm celular com acesso à rede", pondera. "Além disso, as mulheres passaram a saber quais são as redes de acolhimento que terão, uma vez que denunciem o seu agressor. Penso que isso colaborou para que os registros tenham crescido nos últimos anos", avalia a advogada.
Andréia afirma que sempre existiu uma enorme quantidade de violência, mas que nunca foi relatada. "Todo o sistema que foi e vem sendo criado e divulgado gerou empoderamento e conscientização às mulheres, que as levaram a denunciar e, principalmente, a buscar as redes de apoio após a denúncia, pois se sentem confortáveis e protegidas", observa a especialista.
Gestora e coordenadora do programa Dona de Mim, do Instituto Umanizzare, Leila Brant Assaf comenta que a associação atende mulheres em situação de violência ou que estejam passando por algum tipo de vulnerabilidade. "Elas são encaminhadas pelos serviços públicos de atendimento à mulher em situação de violência ou chegam por demanda espontânea", explica.
De acordo com Leila Brant, as vítimas passam por um acolhimento multidisciplinar, no qual suas demandas são identificadas. "Elas, então, têm acesso a psicólogas, advogadas e assistentes sociais, na medida de suas necessidades, além de contarem com os médicos parceiros", detalha. "Há também oficinas de arte, empreendedorismo, capacitações profissionais e uma formação com aulas de diversos conteúdos, todos os sábados, durante o ano inteiro", elenca a gestora.
Para Leila Brant, existem inúmeros motivos pelos quais as mulheres demoram para romperem o silêncio. "Entre eles, estão o medo, a vergonha (para não se expor), a dependência financeira e emocional, a divisão de guarda dos filhos, não confiar no sistema de justiça criminal e até mesmo consideram como um caso isolado e de improvável repetição", descreve.
Educação
De acordo com o secretário de Segurança Pública, Sandro Avelar, a política de segurança DF Mais Seguro — Segurança Integral cria um eixo específico para desenvolver e reunir ações voltadas à proteção da mulher. "Como resultado, os casos de feminicídio estão em queda, com uma redução de cerca de 60% este ano. Tenho certeza de que, com o envolvimento de todo o governo e da sociedade, podemos tornar o DF um exemplo para o país", argumenta.
A secretária Giselle Ferreira diz que são desenvolvidas políticas públicas voltadas ao empreendedorismo feminino, como a articulação Rede Sou Mulher, o programa Realize, com oficinas e workshops, e a ação Mulher no Campo. "Em 2023, foram realizados cerca de 29 mil atendimentos em programas, com mais de 19 mil mulheres amparadas, e continuamos investindo na ampliação de espaços de acolhimento, como as quatro novas Casas da Mulher Brasileira que serão inauguradas no segundo semestre de 2024", adiantou.
A presidente da Comissão de Combate à Violência Doméstica e Familiar da OAB-DF, Andréia Waihrich, acredita que a conscientização dos direitos, desde a base, é o que mais deve ser feito para tentar mudar essa triste realidade no DF. "É preciso instruir e trabalhar a criança, dos 8 anos até a idade adulta, para que ela entenda a importância de preservar os direitos e garantir a segurança do outro, além de desmistificar a ideia de que o companheiro ou cônjuge é um objeto, desconstruir a ideia do machismo e, principalmente, trazer muito mais informação nas escolas, grupos sociais e entidades", ressalta.
Leila Brant concorda. "É necessário ampliar a proteção à mulher em situação de violência, melhorar a qualidade do atendimento, promover a capacitação contínua dos agentes públicos e fomentar o trabalho em rede", defende a gestora do programa Dona de Mim.