Depois de ficar presa em sua casa por quase duas semanas, devido às enchentes no Rio Grande do Sul, Valquíria Ovalle Blanke foi resgatada na segunda-feira passada (6/5) e, dois dias depois, chegou a Brasília para morar com a filha, Rosana Blanke Piva. Enquanto o sobrado onde mora no bairro Humaitá segue alagado, com águas a quase dois metros de altura, a porto-alegrense acompanha a distância a luta de seus conterrâneos.
Sem contato
“Sábado (4/5) de tarde minha mãe me mandou uma foto da água no pé dela, depois a gente não teve mais notícias. Ela não atendia o telefone e os vizinhos me diziam que ela não queria sair. Depois acabou a bateria e eu já não conseguia mais (ligar). Desde então a gente não conseguia mais notícias dela”, disse Rosana sobre os momentos de tensão em que não sabia o paradeiro da mãe.
Sem energia no condomínio, os vizinhos não conseguiam avisar a mulher de 53 anos sobre a situação de Valquíria. Apenas quando chegavam em abrigos conseguiam contatá-la e informar que a idosa se recusava a deixar sua casa nos barcos de resgate. Foi só dois dias depois que a senhora foi convencida pelos últimos moradores que deixavam o local.
Durante esse período, ela assistiu da janela os vizinhos sendo resgatados aos poucos. O relato é de que não houve pânico. Eles chamavam para que a mulher deixasse o lugar junto com os socorristas, mas ela se mantinha firme. Quando ouviu de um dos moradores que a mãe havia ficado, Rosana solicitou um resgate pelo SOS Rio Grande do Sul.
“Eu estou com 81 anos e como sou mais velha e já passei por tanta coisa, fiquei meio desconfiada e com medo. Eu não queria sair nos barcos porque não conhecia ninguém neles. O andar de baixo, o quintal e o jardim estavam todos alagados mas não tinha essa segurança para sair, foi aí que apareceu a Telma (vizinha) e como eu a conhecia fui junto”, explicou Valquíria. Ela ainda disse que havia ouvido sobre homens assaltando as lanchas que levavam os desalojados para abrigos, o que intensificou suas preocupações.
Rosana conta que desde o domingo anterior (28/4) a mãe já estava com pouca comida e seu filho não conseguia mais chegar em sua casa para ajudá-la. “Tive que pedir daqui de Brasília um iFood para ela. Já tinha bastante água mas o motoqueiro ainda conseguia chegar”, relatou a filha. Foi com esse estoque que a mulher se manteve durante a última semana ilhada.
Resgate
Valquíria contou que quando deixou a casa, a água já havia passado da altura da cintura e que conseguia ver sua geladeira e botijões de gás flutuando pelo recinto. A força da água a puxava, mas os vizinhos lhe ajudaram a chegar até uma lancha, que levou o grupo até o final da zona alagada. Lá, entraram em um caminhão que esperava para levá-los até um lugar seguro.
Telma e sua família acompanharam a mulher até a Sociedade de Ginástica de Porto Alegre (Sogipa), onde estavam sendo conduzidos os moradores desalojados do bairro Humaitá. Na chegada ao abrigo, foi escrito o número de telefone da vizinha na camisa de Valquíria para caso se separassem. Depois de ser cadastrada, ela encontrou a neta Priscila, que há mais de sete horas lhe esperava junto ao marido.
“Eu queria esperar ter algum familiar meu, tanto que quando vi minha neta com o marido foi que eu fiquei mais tranquila e segura. Como que iam me colocar lá sem dinheiro, sem nada, só com a roupa do corpo? Não tinha como. Foi legal que eles levaram todos para a Sogipa e as pessoas se reencontraram lá”, relatou sobre a chegada ao abrigo.
Priscila conduziu a avó à casa da família em Capão Novo, no litoral norte do estado. Lá ela ficou dois dias enquanto Rosana providenciava uma passagem no voo da Força Aérea Brasileira que deixou a Base Aérea de Canoas no dia 8 rumo à capital federal. Sem conseguir resgatar grande parte de seus pertences, ela embarcou com apenas sua carteira, documentos e uma muda de roupa e sapatos.
Emocionada, a filha contou que recebeu uma semana depois uma mensagem do SOS-RS pedindo confirmação sobre o resgate da mãe. “As equipes estavam tão ocupadas com as buscas e mesmo assim se mostraram preocupados em dar baixa nas solicitações de resgate no sistema, eu fiquei até arrepiada. Eu não sei de onde aquele pessoal está tirando forças.”
Reunidas
A moradora da Asa Sul relatou que alguns amigos a ajudaram a achar passagens de Canoas para Brasília. Valquíria foi para a Base Aérea junto a um sobrinho, que a acompanhou no trajeto até o DF. Os dois esperaram o embarque por sete horas e meia e chegaram em seu destino por volta de meia noite.
Rosana e Valquíria se reencontraram e foram para o apartamento da filha. As duas relatam estar aliviadas e felizes por estarem juntas, algo que já planejavam desde antes das enchentes. O programado era que passassem o Dia das Mães em Porto Alegre para depois virem morar no planalto central até o final do ano.
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“Decidimos trazer ela agora mesmo assim (em vez de ficar com familiares no RS) porque quanto mais pessoas tirarem de lá menos peso é para eles. Eles não tem mais estrutura, tem pouca comida e água. Minha cunhada está sempre nos abrigos trabalhando e minha mãe já não está mais conseguindo ficar sozinha”, explica Rosana.
Solidariedade
Outra grande preocupação era a chegada do inverno. As temperaturas já estão caindo em solo gaúcho e as roupas de frio da idosa ficaram para trás na casa alagada. Com menos necessidade para se esquentar em Brasília, a filha disse que pretende voltar à sua cidade natal quando a situação se acalmar e doar algumas das peças para aqueles que perderam tudo na tragédia.
A mulher de 53 anos lamenta a situação de seus familiares no estado onde viveu por quatro décadas. Ela conta que seu sobrinho perdeu a casa onde morava em Eldorado do Sul e uma prima passou pelo mesmo em Canoas. Ela também exalta o trabalho do meio-irmão, que tem resgatado pessoas de jet ski em Guaíba, e de sua cunhada, que socorre desabrigados como enfermeira em abrigos. “Os que não perderam tudo estão ajudando como podem”, disse.
À distância, Valquíria se mostra bastante preocupada com a situação de seus conterrâneos que seguem no Rio Grande do Sul. Rosana relata que a mãe passa o dia vendo as notícias para acompanhar seu estado, torcendo por uma melhora. As duas seguem buscando ajudar, mesmo de longe, e fazem um apelo para que as pessoas sigam contribuindo com as campanhas de doação para auxiliar a reconstrução do local.
*Estagiário sob a supervisão de Patrick Selvatti