O assentamento 26 de Setembro, localizado próximo à Via Estrutural, cresce a cada dia. Estimativas recentes dão conta de que, no local, vivem cerca de 40 mil pessoas. Algumas das preocupações giram em torno da falta de regularização, que faz com que a população que mora na região não tenha acesso à infraestrutura básica, além de questões ambientais, pois o assentamento fica próximo à Floresta Nacional de Brasília (Flona).
Secretário de Proteção da Ordem Urbanística do Distrito Federal (DF Legal), Cristiano Mangueira afirma que imagens de satélites mostram que o início da invasão no local ocorreu antes de 2002 e a região foi alvo de sucessivas operações fiscais, com o objetivo de desocupar parcelamentos irregulares, sendo sete somente este ano, entre janeiro e o início de maio (leia mais em Três perguntas para). Uma lei federal, sancionada em 2022, diminuiu o tamanho da Flona por causa da ocupação irregular (veja Redução da Flona).
Doutor em desenvolvimento sustentável pela Universidade de Brasília (UnB), o ambientalista Christian Della Giustina ressalta que a grilagem de terras públicas e privadas é um problema histórico no DF. "A capital cresce em uma ordem de 50 mil habitantes por ano e essas pessoas precisam morar em algum lugar", comenta. "Só que o Estado não consegue prover moradias para atender a essa demanda crescente, na mesma velocidade de aumento da população, principalmente pelo fato de que um processo de licenciamento ambiental é longo e complexo", explica.
O especialista compara a situação com uma panela de pressão. "A 'válvula de escape', nesses casos, são essas ocupações irregulares e a grande maioria dos parques de Brasília, principalmente, estão sujeitos a invasão, pela falta de segurança e de programas de educação ambiental. A Flona é um caso típico", alerta.
Segundo Della Giustina, como são áreas de Cerrado nativo, existe uma perda de biodiversidade com as invasões. "Além disso, por causa da falta de regularização, essas ocupações vão ser feitas sem infraestrutura nenhuma, como água, esgoto e rede pluvial, afetando diretamente o solo, os lençóis freáticos e, no caso específico do 26 de Setembro, a Floresta Nacional", lamenta o ambientalista.
Impacto social
O coordenador do curso de arquitetura e urbanismo do Ceub, Alberto de Faria, afirma que as ações criminosas de ocupação irregular do solo devem ser combatidas pela fiscalização, com o apoio da força policial para garantir a integridade dos fiscais. "O quadro de fiscais deve ser adequado à extensão do território e agir de forma integrada com todas as dimensões (urbana, ambiental e infraestrutura)", reforça. "Uma invasão como o 26 de Setembro ocorre ao longo de anos e o crescimento desordenado e ilegal acarreta um grande impacto social na remoção e desocupação da área", acrescenta.
Segundo o urbanista, as invasões comprometem os recursos hídricos do DF, ampliam a destruição do bioma Cerrado e das áreas de proteção ambiental e impossibilitam o desenvolvimento das atividades de ensino, saúde e segurança de forma ordenada. "Os aspectos urbanísticos que têm maior impacto são a implantação do sistema viário, de redes de abastecimento de água, de esgoto sanitário e de drenagem de águas pluviais e a proteção de reservas florestais", reforça Alberto de Faria.
Geógrafa e doutora em planejamento urbano, Marly Santos classifica a ocupação irregular do 26 de Setembro como "uma questão gravíssima". "Essa permissividade do poder público e da própria sociedade faz com que o Cerrado seja suprimido por ocupações clandestinas, sem nenhuma medida contundente das autoridades competentes para frear isso", lamenta. "Vamos para 40 anos dessa depredação de áreas que perdem suas características, sobretudo as áreas rurais, para se transformarem em áreas urbanas", alerta Marly.
O delegado-chefe da Delegacia de Combate à Ocupação Irregular do Solo e aos Crimes Contra a Ordem Urbanística e o Meio Ambiente (Dema) da Polícia Civil (PCDF), Douglas Fernandes, afirma que a corporação tem atuado de maneira firme no combate ao crime de parcelamento irregular do solo e de dano ambiental. "Durante o ano de 2023, foram realizadas 30 operações — sendo 22 da Dema e outras oito junto a outros órgãos, como DF Legal, Ibram, Terracap e MPDFT", detalha.
Para Fernandes, a atuação em conjunto é que fortalece o combate a esse tipo de crime. "Isso para que a gente consiga realizar uma repressão qualificada, com a prisão desses indivíduos, a demolição das residências que foram construídas em locais proibidos, assim como a aplicação de multas pelos órgãos competentes", afirma. De acordo com o delegado, somente neste ano, foram realizadas 10 ações integradas com outros órgãos, para coibir esses crimes. "Em relação à 26 de Setembro, temos diversos inquéritos instaurados, em que se apuram a prática de parcelamento do solo e dano ambiental", afirma.
Lugar cativo
Bianca** (**nomes fictícios, pois os entrevistados não quiseram se identificar), 39 anos, morava em Brazlândia havia quase duas décadas e diz que se instalou no 26 de Setembro após passar uns dias na casa da irmã, que vivia no local. Ela destaca que ações poderiam ser tomadas para melhorar a qualidade de vida das pessoas que moram na região. "Como colocar asfalto, que não temos; além de hospital ou posto de saúde", observa. Bianca comenta que, apesar dos problemas, gosta de morar na ocupação e não pretende se mudar.
Camila**, 38, vive na região há mais de 10 anos e conta que passou a morar na 26 de Setembro a partir de uma "oportunidade que surgiu". "Tinha uma loja para vender, eu tinha o carro, passei o veículo mais uma quantia em dinheiro e fiquei com a loja. Construí minha casa e acabou sendo mais barato na época", explica. A comerciante diz que também se incomoda com a poeira e a falta de asfalto.
Francisco**, 39, veio de Boa Vista (RR) para o DF há cinco anos, com a esposa e os filhos para tentar uma vida melhor. Segundo ele, os principais problemas do 26 de Setembro são a falta de asfalto e de iluminação. "Quando chove, cria muita lama. Onde moramos não é tão perigoso, porém, mais para baixo é. Por isso, precisamos de iluminação", afirma.
Políticas públicas
Na semana passada, o governador do DF, Ibaneis Rocha (MDB), durante a assinatura de decretos que simplificam a regularização de Vicente Pires, ressaltou que a Secretaria de Obras (SODF) está finalizando o projeto de iluminação do assentamento 26 de Setembro.
Em relação aos programas de moradia para a população de baixa renda, a Companhia de Desenvolvimento Habitacional (Codhab-DF) disse, em nota, que tem três linhas de ações em vigor voltadas para esse público: a de imóveis prontos (Programa Morar Bem), de lotes urbanizados e a de serviço de assistência técnica (Subprograma Melhorias Habitacionais).
De acordo com o texto, o primeiro programa tem como objetivo a construção de unidades habitacionais no DF e a proposta é ofertar moradias com infraestrutura urbana, abastecimento de água, esgoto sanitário, energia elétrica, iluminação pública, instalações telefônicas, redes de drenagem de águas pluviais, pavimentação asfáltica e equipamentos públicos, como escolas, postos de saúde e de polícia.
Enquanto isso, o Melhorias Habitacionais atua na promoção de ações estruturais, totalmente gratuitas, nas residências contempladas para garantir qualidade de vida e segurança aos moradores, com a atuação de assistentes sociais, arquitetos e engenheiros da Codhab, de acordo com o documento. Também por meio de nota, a Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Habitação (Seduh) disse que está realizando os estudos técnicos para definir a área passível de regularização no assentamento 26 de Setembro.
*Estagiário sob a supervisão de José Carlos Vieira
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