Brasília, a cada dia, amplia a mobilização e se empenha para ajudar a população do Rio Grande do Sul, que sofre com a tragédia da maior inundação de sua história. Na hora da solidariedade, pessoas que em outras circunstâncias vivenciam o antagonismo, agora, estão de mãos dadas em favor do bem. Não há partido político nem religião nem time de futebol.
Na capital federal, apesar da histórica rivalidade entre Grêmio e Internacional, os presidentes dos grupos de torcedores locais se uniram e trabalham com as torcidas coletando donativos para seus conterrâneos e familiares.
Giscard Stephanou, coordenador regional do Consulado do Grêmio no DF, ligou para Camilla Beccon, que comanda o consulado colorado, para combinar uma ação conjunta entre as torcidas após receber a sugestão de um amigo que torce para a equipe rival.
Os grupos divulgaram em suas contas no Instagram maneiras de ajudar financeiramente a região. Depois, foram chamados pelo Senado para integrar o projeto Liga do Bem, com o qual têm coordenado a distribuição dos donativos.
O gremista e porto-alegrense afirma que a iniciativa das torcidas é inédita e foi tomada pela gravidade dos problemas, que "superam o tamanho de qualquer rivalidade". Giscard diz que a arrecadação de agasalhos é a principal preocupação, com a aproximação do inverno que, no estado gaúcho, é bastante rigoroso. "O Rio Grande do Sul está esfriando. Algumas cidades alcançaram a marca de 10ºC, então, os agasalhos são a nossa prioridade. Já fizemos a primeira entrega na Base Aérea na última terça-feira. Foram 5,5 mil cobertores — 500 a mais do que a nossa meta inicial. Agora, vamos continuar para conseguir mais água potável e alimentos para os que precisam", antecipa o cônsul do Grêmio.
"Juntos temos uma capacidade muito maior do que se cada consulado estivesse sozinho, tanto que a repercussão da união entre as torcidas vem sendo muito positiva. Muita gente de fora do RS acaba doando, por ver que a causa é maior do que a disputa GreNal", enfatiza a consulesa do Internacional. "As doações (de todo o país) estão começando a chegar, principalmente na região metropolitana de Porto Alegre, e estão ajudando muito. Para o interior, ainda está bem complicada a logística pela falta de estradas disponíveis. É importante continuar doando para poder espalhar para todo o estado", prossegue Camilla, nascida em Santiago, a 443km da capital do estado.
Torcedores do Criciúma, do Avaí e do Figueirense, times de Santa Catarina, também estão contribuindo com a iniciativa. Sem sedes, os consulados de Grêmio e Internacional não têm locais fixos para reunir os donativos e, por isso, pedem que sejam entregues nos pontos de recolhimento da Liga do Bem.
O Correio esteve na Base Aérea de Brasília (BABR), nessa quinta-feira (9/5), para acompanhar a chegada de doações. Em menos de duas horas da abertura dos portões, às 9h30, o galpão reservado para abrigar os itens arrecadados estava tomado por fardos de garrafas d'água, colchões e cestas básicas.
Havia itens diversos, desde ração a colchões e cobertores. Sem dar importância ao tamanho da fila, famílias se juntavam para descarregar os veículos. Segundo o capitão Breno Rodrigues de Souza, chefe da seção de comunicação social da Base, as doações eram recebidas no portão de entrada e os militares as levavam para o hangar. Contudo, o volume recebido superou as expectativas e a logística foi modificada. Agora, as arrecadações estão abrigadas em três hangares, que medem cerca de 3.000m2. O cenário demonstra que haverá a necessidade de outro galpão.
Balanço da Força Aérea Brasileira (FAB) apontava ontem que a campanha Todos Unidos pelo Sul alcançou a marca de 1.500 toneladas de donativos recebidos nas Bases Aéreas de Brasília, Galeão e São Paulo. "A gente tem que falar da sociedade brasiliense. Há fila de 3km de carros e as pessoas não estão incomodadas com isso. Participei de várias operações, mas não há nada parecido com isso aqui. Todo o Brasil está envolvido", disse ao Correio o tenente-brigadeiro Marcelo Damasceno, comandante da FAB.
Unidos para fazer o bem
O estudante de veterinária e morador de Sobradinho Pedro Fonseca Soares, 20 anos, chegou ao hangar em uma caminhonete abarrotada de donativos. Atrás, outros três veículos estacionaram com a carroceria repleta de produtos. Orgulhoso, observou que, "de pouquinho em pouquinho", o grupo juntou os itens. "A gente reuniu amigos e, em parceria com a igreja de um deles, arrecadamos cobertores, roupas e produtos de higiene básica. Reunimos quatro caminhonetes para ajudar", disse.
A servidora da Secretaria de Saúde Carla Menezes, 53, moradora do Sudoeste, relatou, emocionada que, no trabalho dela, todos se empenharam em ajudar, especialmente por conhecerem de perto o sofrimento. "Nós já viemos em dois carros para trazer roupas e mantimentos e, hoje, estou aqui outra vez. Acredito que se todo brasileiro fizer um pouquinho, será suficiente para mudar a realidade que eles estão vivendo lá", destacou.
*Com Henrique Sucena, estagiário sob a supervisão de Malcia Afonso
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