A Justiça do Distrito Federal expediu, ontem, alvarás de soltura para os 14 policiais militares detidos por suposto episódio de tortura, durante um curso de formação do Patrulhamento Tático Móvel do Batalhão de Choque (BPChoque). O Ministério Público do DF e Territórios (MPDFT), responsável pela operação que resultou na prisão dos servidores, afirmou que as investigações continuarão sob a responsabilidade do Departamento de Controle e Correição (DCC) da corporação. Depoimentos, a que o Correio teve acesso, prestados por outros alunos, não dão sustentação aos fatos relatados pelo soldado da Polícia Militar (PMDF) Danilo Martins Pereira.
A decisão da soltura dos PMs ocorreu um dia após a Associação Caserna protocolar um pedido de habeas corpus coletivo no Tribunal de Justiça do DF (TJDFT) para 12 dos 14 policiais.
"Chama a atenção o fato de, apesar de o Ministério Público atribuir ao comandante da unidade (tenente-coronel Calebe Teixeira) a iniciativa de provocar a desistência da vítima do curso de formação, tendo-o como o mandante das atrocidades tendentes a levá-lo à desistência, não oficiou por sua prisão temporária", afirma o desembargador, que completa: "De forma diversa, oficiou pelo recolhimento cautelar dos demais envolvidos, que agiram sob suas ordens, muito embora sem individualizar as condutas, limitando-se a aventar comportamento omissivo aos pedidos de ajuda", afirmou em decisão o desembargador Sandoval Oliveira.
Os militares liberados são o coordenador do curso, o segundo-tenente Marco Aurélio Teixeira, e os 13 instrutores: Gabriel Saraiva dos Santos, Daniel Barboza Sinesio, Wagner Santos Silvares, Fábio de Oliveira Flor, Elder de Oliveira Arruda, Eduardo Luiz Ribeiro da Silva, Rafael Pereira Miranda, Bruno Almeida da Silva, Danilo Ferreira Lopes, Rodrigo Assunção Dias, Matheus Barros dos Santos Souza, Diekson Coelho Peres e Reniery Santa Rosa.
O advogado Adilson Valentim, que atua na defesa de um dos PMs, alertou. "Até agora nenhum policial foi ouvido. Sabemos que os cursos de formação do policiamento especializado têm, pedagogicamente, sua estrutura, que é planejada e organizada para que possa atender a realidade dos fatos. Não foi perguntado, até o exato momento, se realmente o que a vítima está trazendo condiz com a realidade."
O MPDFT reforçou que as investigações continuarão, como o afastamento do então comandante da unidade e a suspensão do curso. "Adicionalmente, o TJDFT determinou novas restrições, que incluem a proibição de acesso dos policiais militares ao BPChoque, proibição de contato com qualquer investigado, e proibição de contato com a vítima."
Depoimento
O Correio teve acesso a um depoimento prestado na Corregedoria da PM por uma das alunas do curso presente no dia dos fatos denunciados. No relato, a policial negou ter presenciado cenas de agressão contra o soldado Danilo.
O denunciante disse ter sofrido agressões na frente de outros colegas e, inclusive, ter sido levado à locais isolados, onde os episódios de tortura continuaram. Ele teria sido forçado a carregar objetos pesados, como um sino de 50kg e uma tora de madeira, enquanto era agredido. Em outro momento, afirmou que os instrutores o submetiam a exercícios físicos, como flexões enquanto era chutado. A policial, no entanto, depôs que o sino não havia sido utilizado em nenhuma atividade, uma vez que o equipamento não havia sido fixado em um local específico, pois o ambiente ainda estava em preparo.
Outra alegação da militar é de que ela não viu o soldado cantando músicas jocosas na frente da turma, como "Eu sou um fanfarrão, eu gosto de atenção, eu sou o coach do fracasso, eu me faço de palhaço, eu envergonho a minha família, eu envergonho a minha unidade, eu sou carente e ninguém gosta de mim", como relatou o então aluno.
Nas redes sociais circularam dois vídeos de Danilo no suposto dia do curso. As imagens mostram um policial dizendo a ele: "A gente não quer o seu mal. Desde o começo estamos falando isso, mas você precisa reconhecer, fazer uma leitura de momento". Danilo responde: "Senhor, eu não tenho rixa nenhuma. Essa questão do time aí, nunca briguei com ninguém. Nunca discuti e tenho como provar isso. Vim aqui para bancar uma etapa. Eu amo essa profissão, nasci para ser policial".
O advogado Marcos Barrozo, que representa o soldado, afirma que o vídeo foi gravado de forma velada em um beco, aparentemente pelo próprio segundo-tenente Marco Aurélio Teixeira.
Segundo a defesa, pelo conteúdo do vídeo, as agressões não foram realizadas durante nenhum tipo de treinamento e foram direcionadas única e exclusivamente ao soldado por motivo fútil, aparentemente, por uma desavença com algum outro policial por time de futebol.
Violência
Em entrevista ao Correio na segunda-feira, Danilo relatou os episódios de violência sofridos no primeiro dia de curso, em 22 de abril. Naquele dia, o soldado chegou ao batalhão pela manhã, às 8h, e retornou para a casa por volta das 16h30 com "sinais visíveis de estresse físico, como vermelhidão nos braços e rosto, típicos de uma severa insolação". Ele contou sobre as agressões. Disse que foi espancado com pedaços de madeira nas pernas, nádegas e tronco, chutes, socos no rosto e golpes com um capacete, que, segundo ele, chegou a quebrar com o impacto. Relatou, ainda, ter sido atingido com espuma química no rosto e no corpo a uma curta distância.
Nas buscas feitas, durante a operação, foram apreendidos objetos supostamente usados na tortura, como cilindro de metal e pedaços de madeira.