TRABALHO E CARREIRA

Entre desafios e conquistas: a força da mulher na segurança pública do DF

Por vezes subestimadas, elas ultrapassam barreiras e ganham destaque no meio profissional. Nos Bombeiros e nas polícias Militar, Civil e Rodoviária, elas são minoria, mas essenciais para a atuação das corporações

Elas fazem a diferença e são referência de força e determinação. São mulheres que arriscam a vida para salvar outras, precisam conciliar a vida profissional, a casa e a família. Por vezes, são subestimadas no meio em que convivem a maior parte do tempo: o trabalho. Mas os entraves viram "fichinhas" quando comparado ao esforço e competência protagonizado pelas mulheres das forças de segurança. No DF, o total de policiais militares, penais, e bombeiros é de 18.245 servidores. Desse total, 3.129 são do sexo feminino (veja números nas corporações). Até o fechamento desta edição, a Polícia Civil não enviou seus dados. 

O Correio entrevistou quatro mulheres das respectivas forças. Elas falam sobre o ingresso na carreira, as dificuldades, as abdicações e os desafios da profissão. No DF, pela primeira vez, mulheres comandaram a Polícia Militar (PMDF), o Corpo de Bombeiros (CBMDF) e a Polícia Rodoviária Federal (PRF-DF) de uma capital. A coronel Ana Paula Barros Habka, comandante-geral da PM, assumiu o cargo em janeiro deste ano, após o então comandante Adão Teixeira se aposentar. A primeira mulher a comandar a corporação foi a coronel Sheyla Sampaio, entre janeiro e agosto de 2019.

No CBMDF, a coronel Mônica Miranda permaneceu no comando de janeiro de 2023 até 16 de abril deste ano, quando se aposentou compulsoriamente, após 31 anos de serviços prestados. No lugar dela, ficou o coronel Sandro Gomes Santos da Silva. Na PRF-DF, Adriana Mancilha Pivato assumiu o posto e é a primeira mulher a comandar a força na capital. A policial foi escolhida pelo ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski.

Desde 2006 na PRF, Adriana passou por algumas áreas na carreira, como o Núcleo de Operações Especiais (NOE/MS), na Universidade Corporativa da PRF (UniPRF), o Núcleo de Educação Corporativa (NEC/CE) e o Projeto Estratégico do Centro Nacional de Estudos em Segurança Viária, da Diretoria de Operações (Diop).

Sonhos

Letícia Batista de Oliveira, 32 anos, ingressou na PMDF em dezembro de 2020, mas seguir na carreira policial era um sonho de adolescência. Formada em direito, desde 2013, a mineira entrou de cabeça nos estudos para o concurso da PM, em 2015. A partir daí, iniciou uma longa fase em sua vida. "Reprovei 10 vezes e isso me frustrou muito, porque via os meus amigos de estudo passando e eu ficando para trás. Tentei Minas Gerais, Goiás, Tocantins, e sempre batia na trave", recorda.

Arquivo pessoal - PM Letícia Batista

Privou-se de relacionamentos e eventos familiares por quase três anos. No embate, ouviu piadas de pessoas próximas e até pedidos para desistência, mas persistiu. Em 2017, começou a trabalhar como comissionada na PMDF e não teve dúvidas da carreira que pretendia seguir. Foram anos de estudo no período da madrugada até que, em 2018, foi aprovada no concurso da corporação. "Foram oito meses de curso de formação e dedicação exclusiva. Tive muitas lesões, me machuquei, mas sonhei estar ali. Todas as vezes em que o cansaço batia, eu pensava nas noites de estudo. Deus não permitiu que eu passasse em outro lugar, porque meu lugar era aqui", diz.

Letícia se sente realizada na corporação. Ela conta que muitos são os questionamentos sobre as diferenças de tratamento entre homem e mulher. "Existe um certo preconceito velado. São piadas, gracinhas, mas não me importo. Levo sempre na brincadeira, porque, querendo ou não, é uma profissão que exige força física", afirma. A policial atua na Rádio Patrulhamento e se depara com todo tipo de ocorrência possível, das mais simples às violentas. "Vi de tudo, da dor e sofrimento de ver uma criança passar fome até mulheres sendo agredidas pelos companheiros. O que posso constatar é que toda família que tem um grau de violência doméstica, tem droga e bebida no meio. A segunda prova é que, na maioria dos casos, são as mulheres que sustentam a casa, seja com o auxílio recebido pelo governo ou com o emprego suado", avalia.

Persistência

Débora Martins Costa, 36, é bombeira há 10 anos no DF. Estar na profissão admirada pela população não era o sonho. Ela seguia a carreira de advogada, até o pai, que é major do Corpo de Bombeiros, inscrevê-la no concurso. "Questionei ele, porque não tinha estudado e não gosto de fazer nada sem ter estudado. Mas fiz. Peguei o edital faltando dois meses para a prova, fiz uma breve revisão e vi que era praticamente matéria de ensino médio. Falei ao meu pai que eu iria pelos meus conhecimentos do ensino médio e que fosse o que Deus quisesse. Antes da prova, orei e pedi a Deus que fosse feita a vontade Dele", relembra.

Aprovada, Débora se submeteu a vários cursos de formação na corporação — busca e resgate em estruturas colapsadas; operacional de produtos perigosos; sala meta aquática (guarda-vidas); pilotagem e embarcações operacionais; e mergulho de resgate, atual setor de lotação, entre outros.

Marcelo Ferreira/CB/D.A Press - Débora Costa, 3º sargento do Corpo de Bombeiros

Considerada uma das profissões mais desafiadoras, ser bombeira é enfrentar situações de alto risco, pressão constante e até colocar a vida em perigo para salvar a do próximo. Débora, que é 3º sargento e mergulhadora de resgate, sabe bem o que é isso. Uma das ocorrências mais marcantes para ela foi a do salvamento de um bebê, no Lago Paranoá. "Essa me marcou muito. Entrou para nós como se a vítima fosse um adolescente, que estaria nadando e se afogou. Enquanto eu mergulhava, encontrei o bebê. Na hora, só lembrei da minha sobrinha que havia acabado de nascer. Foi muito dolorido", desabafa.

Débora se diz lisonjeada por ser bombeira. "Sempre fui muito dedicada e disciplinada em tudo que faço e obtenho resultados disso. O respeito que você ganha quando você mostra sua competência pelo seu serviço prestado é indiscutível", garante. "Ser referência para muitas pessoas é um privilégio, mas exige de você lidar com a pressão de ser observada a todo momento, não tem margem para erros, você se torna um reflexo do que as pessoas esperam de você e delas mesmas, pois elas se espelham em você. Às vezes, esse fardo é um pouco pesado, mas fazer o que você gosta sempre buscando o seu melhor e voltar pra casa sabendo que a sua excelência foi prestada no serviço miniminiza toda essa pressão", declara. 

Desafio

Quando a policial penal Elisângela de Souza, 47, terminou a faculdade de pedagogia, na Universidade Católica de Brasília (UCB), jamais imaginou entrar para a profissão. Deu aula para o ensino primário por seis anos. Em 2008, buscando estabilidade financeira, passou a prestar concursos. Entre uma prova e outra, fez o concurso para policial penal, à época chamado de técnico penitenciário. A aprovação foi conquistada rapidamente e, em pouco tempo de atuação, se viu apaixonada pela carreira.

O cenário encontrado quando chegou à corporação, em 2009, era completamente diferente do que se vê hoje. A policial lembra que havia poucas mulheres e, agora, são 618. "É uma grande evolução e precisamos lembrar das que vieram antes, porque se nós estamos lutando agora, elas lutaram muito mais", destaca. Ela relata que há, sim, situações em que algumas pessoas são machistas, ainda que involuntariamente, mas que todas lutam contra isso.

Kayo Magalhães/CB/D.A Press - Policial penal Elisângela de Souza

Plantonista em escala 24 x 72, no controle dos blocos, também trabalha no serviço voluntário, no resto da semana, auxiliando na revista de visitantes. "Além disso, atuo trazendo projetos para o sistema, para a mulher. Hoje, faço parte do projeto de qualidade de vida no trabalho, que está sendo implementado. A gente está se organizando para aplicá-lo, porque o trabalho de segurança, no geral, suga muito e há um grande nível de adoecimento", ressalta.

Perguntada sobre o momento mais significativo na profissão, falou sobre a pandemia, quando tornou-se gerente de assistência ao interno e cuidou da saúde dos presidiários no complexo inaugurado para abrigar os detentos que testavam positivo para a covid-19. "Esse foi o maior desafio da minha carreira. Acompanhei a equipe que inaugurou o complexo e fui a gerente de assistência. A gente fez um trabalho bonito. Entregamos o CDP 2, no início de 2021, sem nenhuma morte", conta, complementando que se orgulha da trajetória.

"Eu quero concluir nossos projetos para que as próximas policiais peguem um sistema mais ameno. A gente pensa muito em ocupar o nosso espaço para as próximas que vierem terem que lutar um pouco menos, até que um dia nós possamos parar de lutar e apenas ser", finaliza.

Determinação

A delegada de polícia Cláudia Alcântara, 60, presidente do Sindicato dos Delegados de Polícia Civil (Sindepo-DF), tem uma longa história de amor com a profissão. Iniciou a carreira como escrivã de polícia e, após 12 anos, decidiu que queria mesmo era conduzir as investigações. Formou-se em direito no Ceub e não largou os cursinhos enquanto não foi aprovada no concurso.

Ao longo dos 25 anos de carreira, Cláudia ocupou diversos cargos. Chefiou delegacias, foi diretora da Escola Superior de Polícia Civil (EsPC), corregedora-geral, subsecretária de Inteligência e secretária de Justiça. "Hoje, sou a primeira mulher a ocupar esse cargo classista que, até então, era destinado aos homens", assinala. Cláudia foi eleita presidente do sindicato no fim de 2022.

Arquivo pessoal - Delegada Cláudia Alcântara

A delegada observa que, quando ingressou na polícia, tinha receio de que precisasse ter "trejeitos masculinos" para ser respeitada. "Logo percebi que eu não precisava disso, que eu poderia ser mulher, ser respeitada e exercer o meu papel como autoridade policial. Bastaria, para isso, ter algumas competências, como o equilíbrio emocional, que é fundamental, o respeito e a empatia com a comunidade", enfatiza. Para ela, a determinação é uma característica essencial aos delegados de polícia.

"Desde que entrei, o número de mulheres atuando na Polícia Civil aumentou muito, mas  sinto que, ainda hoje, para as mulheres galgarem postos de gestão, é mais difícil. É uma realidade que eu observo, embora entenda que hoje a facilidade seja maior, mas ainda não é a mesma enfrentada pelos homens", salienta.

Esposa e mãe de dois filhos, o marido é seu maior fã. "Ele me acompanha nos eventos, fotografa, conversa com meus amigos. Quando comecei a correr atrás de tudo isso, já era casada, e ter filhos e esposo nunca me impediu em nada na minha carreira profissional. Nós precisamos ser determinadas em tudo que queremos. Não podemos colocar os obstáculos à frente", completa.

 

Mais Lidas

Arquivo pessoal - PM Letícia Batista
Arquivo pessoal - Delegada Cláudia Alcântara
Kayo Magalhães/CB/D.A Press - Policial penal Elisângela de Souza