A crise climática coloca o Lago Paranoá na berlinda e preocupa ambientalistas, que cobram mais ações para preservá-lo. Defendem um diálogo entre poder público, sociedade e pesquisadores. Segundo José Francisco Gonçalves Júnior, professor do Departamento de Ecologia da Universidade de Brasília (UnB), as principais formas poluidoras do Lago, neste momento, são os compostos de nitrogênio e de fósforo, provenientes de esgoto, tanto clandestino quanto de efluentes tratados, que podem sair em baixas concentrações ou por meio de um tratamento não eficiente.
"Com relação à recreação, temos embarcações que promovem poluição sonora, em caso de festas, gerando lixo e, também, esgoto. Muitos têm banheiros, então, como são dispensados esses dejetos? Há local de retirada ou vão automaticamente para a água? Se saem das lanchas para o lago, há de se ver a capacidade de lanchas e pessoas em um mesmo momento, para que o reservatório consiga absorver toda essa poluição sem que ela aumente a carga de agentes poluidores", detalha o especialista, que é presidente da Aliança Tropical de Pesquisa da Água.
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Qualidade da água
Quanto a clubes, áreas de lazer e restaurantes, o professor reforça que é necessário haver efluentes tratados ou uma captação que leve os dejetos para uma estação de tratamento, devidamente autorizada pela Agência Reguladora de Águas, Energia e Saneamento Básico do Distrito Federal (Adasa). A pasta informou que realiza, atualmente, o monitoramento de 11 pontos no espelho do lago, com periodicidade trimestral.
Em relação à qualidade da água, a Companhia de Saneamento Ambiental do DF (Caesb) ressalta que, atualmente, 95% da área abrangida pelo reservatório estão balneáveis, ou seja, podem ser usadas para banho e atividades esportivas. Os outros 5% não oferecem balneabilidade por estarem perto de Estações de Tratamento de Água e Esgoto (ETEs) da Caesb. É o caso do Deck Sul, que não é área de lazer aquático por estar nesta zona de transição e compensação da diluição dos efluentes, sendo, portanto, impróprio para banho.
O especialista, porém, questiona: "Como as autoridades explicam que, na região do Deck Sul, a área está imprópria para banho, porém, andando 100, 200 ou 300 metros, o local se torna apto para o lazer? É estranho, pois estamos lidando com o mesmo corpo da água". Além disso, José Francisco explica que existe um fluxo de água natural da região do Deck Sul para o centro do lago, assim como do Deck Norte para o centro, que converge e segue em direção à barragem. "Se eu tenho uma área imprópria reconhecida pela Caesb, como garantir que o lago, em outras áreas, também não está dessa forma?".
A Caesb afirma que a estação trata o esgoto e devolve ao lago a água tratada. Porém, mesmo após esse procedimento, algumas impurezas permanecem. "À medida que essa água avança para o lago, encontra águas de outras vertentes, que são limpas. Assim, em um processo biológico, feito pela própria natureza, a impureza da água tratada se dilui. Resumo: longe das ETEs, a água é balneável". A pasta ainda informa que a qualidade da água nos rios é, de forma geral, muito boa, com exceção do afluente Riacho Fundo, que drena uma área urbana com crescimento populacional desordenado, onde há lançamentos clandestinos de esgoto.
Lazer com responsabilidade
Quem se queixa de não haver praia em Brasília certamente nunca se divertiu nas águas do Lago Paranoá. Espaço para encontros e opção para se refrescar no calor, o local é um dos pontos turísticos mais visitados do Distrito Federal, com destaque para a orla da Ponte JK e para as prainhas da Ermida Dom Bosco e da Praça dos Orixás. Espalhado por 48km², o espelho-d'água do Paranoá contempla a cidade de norte a sul e recebe diariamente frequentadores de vários pontos do DF, além de abrigar mais de 50 espécies de aves, peixes e mamíferos. A diversão, porém, deve ser aliada da responsabilidade.
Sônia Batalha, 54 anos, natural de Minas Gerais, visitou o lago com a família e se decepcionou com a poluição. "Observei que algumas pessoas têm jogado lixo. Há pouco, vi até 'marmitex' e pacote de biscoito na água", diz a professora. Ela notou que, mesmo com as lixeiras à disposição das pessoas, há quem prefira jogar lixo em lugares indevidos."O Lago é para todos, inclusive para os peixes que, dessa forma, ficam em risco", completa Sônia.
Lívia Flores, 34, e Krishna Noronha, 40, costumam escutar música na beira do lago, mas têm percebido o aumento da poluição. "É necessário que haja uma conscientização mais forte e contínua, porque não adianta limpar e as pessoas continuarem com a mesma mentalidade, isso não resolve. Acredito que faltam campanhas de conscientização", avalia Lívia.
"Vi uma pessoa nadando e pensei 'queria muito tomar um banho', mas não tenho coragem de entrar, não me sinto segura de a minha pele estar em contato com essa água", completa Krishna.
Segundo a bióloga e professora da Universidade de Brasília (UnB) Claudia Padovesi Fonseca, após a inauguração do Lago Paranoá, a poluição se tornou recorrente devido à expansão urbana e à entrada de resíduos não tratados em suas águas. "Em meados de 1998, houve uma intervenção da CEB (Companhia Energética de Brasília), na qual as comportas do lago foram abertas por um período. Como consequência, um volume expressivo de água foi escoado pela barragem, levando consigo os nutrientes que contribuíam para o desenvolvimento de algas cianobactérias, indicadoras de ambientes poluídos", explica.
A partir daí, a presença de algas verdes — essas indicadoras de ambientes de menor poluição — aumentaram, contribuindo para a diversidade de organismos aquáticos. "De forma geral, o lago continua com o nível de poluição mais baixo. Entretanto, devido às inúmeras entradas de resíduos, até de coliformes fecais, o reservatório está sempre vulnerável a alterar a sua qualidade de água e deve ser permanentemente monitorado. No entanto, falta diálogo entre os órgãos responsáveis", alerta Claudia, que também é pesquisadora de águas continentais e sua biodiversidade.
O Instituto Brasília Ambiental Ibram), que está implementando monitoramento da qualidade da água em dois pontos — no Parque Ecológico das Garças e no Parque Ecológico das Copaíbas — reforça que a preservação da função ecológica do lago é dever de todos, inclusive de usuários que não recolhem adequadamente lixo gerado no local, como embalagens e restos de comida.
Uso comercial
Quanto ao uso comercial do espaço, o professor José Francisco acrescenta que essa utilização em nada tem melhorado a condição da fauna e da flora do local. No entanto, não é possível dizer se isso tem impactado de forma negativa ou diminuído a biodiversidade do reservatório. "Não acredito que o meio comercial possa ser o principal agente de degradação. Pelo contrário. As pessoas que exploram comercialmente o lago sabem que, quanto mais limpo o espaço, mais atrativo para a população. Assim, seus negócios tendem a prosperar. O necessário é apenas que esses serviços convirjam para um desenvolvimento econômico sustentável", pondera.
O especialista lembra que as soluções devem envolver não apenas órgãos responsáveis, mas também os pesquisadores que, com um olhar mais clínico, podem detectar potenciais erros. "É nítido que a gestão do lago precisa ser aperfeiçoada, pois temos uma situação de acomodação dos órgãos fiscalizadores frente aos interesses políticos e econômicos. Além disso, o estado precisa dialogar com a sociedade civil para que o lago possa oferecer um serviço ambiental que todos esperam dele, de lazer, paisagismo e utilização para abastecimento", afirma.
"Conheço várias pessoas que não se sentem confortáveis em saber que a água que chega à bica da sua casa vem do Lago Paranoá, devido a percepção de que há poluição. De fato, se essa água não estiver em boas condições, há risco para todos, afinal, esse recurso é essencial a todos", completa o professor.
*Estagiária sob supervisão de Malcia Afonso
Saiba Mais
Memória
Em 12 de setembro de 1959, dia do aniversário de Juscelino Kubitschek, ocorreu a inauguração da barragem do Paranoá que, fechada, permitiu que o lago começasse a se formar e que, após oito meses, atingisse a cota de mil metros acima do nível do mar, como havia sido previsto e como foi cumprido no projeto urbanístico de Lucio Costa.
Poucos sabem, porém, que a idealização do lago ocorreu no século XIX. Foi o engenheiro, botânico e paisagista francês Auguste François Marie Glaziou, membro da 2ª Comissão Cruls — ocorrida de 1894 a 1895 — que fez pesquisas na área onde seria construído o Lago Paranoá.
Glaziou não apenas percebeu a viabilidade de execução do lago, mas também apontou a solução técnica para a constituição do mesmo, a qual foi adotada mais de 60 anos depois, no momento da construção de Brasília.
Para o Presidente Juscelino Kubistchek, era inconcebível a inauguração de Brasília sem o lago: “Como inaugurar Brasília sem o lago tão amplamente anunciado e que, além do mais, seria a moldura líquida da cidade?”.
Vila Amaury
No fim da década de 1950, muitas pessoas moravam no espaço onde se formaria o Lago, na chamada Vila Amaury. Eram operários que trabalhavam nas edificações do Congresso Nacional e dos Ministérios. O acampamento provisório tinha bares, restaurantes, lojas, comércio em geral, e até um miniparque de diversões.
Hoje, se a Vila ainda existisse, estaria situada no declive aos fundos de onde atualmente estão o Iate Clube de Brasília e o Grupamento de Fuzileiros Navais.
Em 1959, quando a obra da barragem do Lago Paranoá foi encerrada e as comportas fechadas, os moradores da vila precisaram sair. Mesmo assim, se recusaram a deixar o local sem que antes lhes fossem oferecidas moradias.
Durante oito meses, as águas avançaram e a NOVACAP, responsável pela construção da barragem, deu um ultimato aos moradores, ordenando que saíssem, visto que a água do Lago já atingia a altura dos joelhos das pessoas.
Nesse contexto de apreensão, muitas famílias da Vila Amaury foram transferidas para Taguatinga, Gama e, principalmente, para Sobradinho, cidade que foi construída para abrigar os moradores.
Como as comportas da barragem foram fechadas no período em que as chuvas se intensificara, o lago encheu rapidamente e não houve tempo para remover os barracos e limpar a área que seria inundada. Ainda hoje, mergulhadores encontram pedaços de casas, carros e máquinas no fundo da água.
Fonte: site do Arquivo Público do DF
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