Das capitais dos países que integram as 10 maiores economias do mundo, Brasília é a única em que, durante o ano todo, as pessoas podem encontrar, facilmente, a poucos metros de onde moram, 10 a 20 espécies de aves. Arara-canindé, beija-flor-tesoura, canário-da-terra, saí-azul, suiriri e muitos outros são figurinhas fáceis. A afirmação é de biólogos ouvidos pelo Correio. Segundo eles, a situação se repete pelo DF, que conta com 473 raças de pássaros registradas — dado do portal wikiaves.com.br. Quem caminha pelo Parque da Cidade ou em ruas de Brazlândia, Lago Sul, Planaltina, Taguatinga encontra 30 delas ou mais em 10 minutos de andança, sem dificuldade, segundo os especialistas. Eles acrescentaram que, se o passeio partir dos setores hoteleiros a lugares distantes até uns 20 ou 30 minutos de carro — como o parque da Água Mineral, a Praça dos Cristais, a Floresta Nacional (Flona), o Jardim Botânico, a orla do Paranoá — é possível identificar uns 120 representantes de mais e variadas famílias, com bicos, plumagens e cantos diferenciados.
Mas essa singularidade da capital federal ainda passa despercebida e está sob risco, como alertaram ornitólogos e observadores de aves. Eles pediram que as autoridades fiscalizem melhor a ocupação do solo e a preservação do Cerrado. Afirmaram que isso manterá a profusão de pássaros na capital e até a garantia de que estarão à vista e aos ouvidos dos moradores e visitantes. Relembraram que vantagem assim é incomum em outras cidades. E comentaram que isso abre oportunidades dentro do turismo ecológico.
"Há pelo menos 50 aves comuns no DF, como alma-de-gato, curruíra, falcão-de-coleira, garça-branca (a grande e a pequena), maria-faceira, pica-pau-do-campo, pitiguari", garantiu o biólogo Edvaldo da Silva Júnior, 28 anos. Ele comentou que Brasília tem uma posição privilegiada no planeta pela sua proximidade à linha do Equador e por estar no continente das aves. Isso favorece que muitas espécies tenham decidido habitar a região e outras venham para cá durante o inverno em seus habitats. E, mesmo na época da seca candanga, a variação de emplumados não chega a ser tão marcante.
"Existem países, como a Inglaterra, onde há umas 600 espécies. E a pessoa, durante a sua vida, não viu mais que 200 ou 300 delas, devido a dificuldades de acesso, por exemplo", disse Silva.
"Eu devo ter visto, até hoje, umas 345", declarou ao Correio o britânico Daniel Branch, 29, amigo do biólogo e consultor para obras de grande porte. Ele analisa o impacto que elas podem ter no quotidiano de pássaros.
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Abundância
Branch veio ao Brasil algumas vezes. Em 2019, esteve em Brasília, e ficou surpreso com a facilidade de ver aves diversas: "Numa manhã, na fazenda Água Limpa (da Universidade de Brasília - UnB) vimos 120 (de diferentes origens). Isso foi surpreendente. Foi uma loucura!". Ele, que se disse encantado com os quero-queros e soldadinhos, também concordou que é muito prático e rápido ir de casa, em Brasília, até os lugares onde há pássaros.
Outra estrangeira que usufrui das facilidades da cidade com os pássaros é a queniana, naturalizada brasileira, Margi Moss, 70. Ela contou que no seu país natal é comum as pessoas conhecerem os pássaros. Mas, quando se mudou para o Brasil, em 1979, no Rio de Janeiro, ninguém os identificava direito. "Voltei a 'passarinhar' quando vim morar em Brasília, em 2006", revelou. Na capital, passou a observar aves, participando de um grupo. Ela comemorou que nos últimos anos mais pessoas se interessem pelo assunto buscando livros e profissionais.
Estevão Santos, 19, estudante de geografia na UnB, e Vinícius Vianna, 28, biólogo-ornitólogo formado lá, guiam pessoas e grupos, até estrangeiros, interessados nas aves do DF. Santos disse que a atividade o ajuda a custear cerca de 50% de seu sustento. Vianna, responsável por ações ambientais em um hotel-fazenda, avaliou que há espaço para mais guias, mas "desde que se preparem".
Outro ponto que os dois destacaram, assim como o biólogo Pedro de Cerqueira, 27, é a proteção do Cerrado. "A arborização urbana de Brasília é um diferencial positivo. Mas, colocar gramados — que não servem para nada — em áreas abertas entre blocos, por exemplo, em vez de manter as plantas do Cerrado, não é o ideal para as aves", apontou Cerqueira.
Os três concordaram que é preciso haver mais cuidado com o meio ambiente, preocupação que também é compartilhada por Eduardo Borges Camargo Lima Felippe de Faria, 16, estudante do ensino médio que, tão grande como o nome, tem o amor pela ornitologia. Ele escreveu o livro Aves da rua sobre dezenas de espécies que fotografou perto da sua casa, no Park Way. Muitas delas cedidas a esta reportagem, inclusive, com a imagem de uma apropriada para o término do texto: o fim-fim (foto no alto).
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