A destruição causada pelas enchentes no Rio Grande do Sul, com 143 mortes registradas até o momento, acendeu o alerta sobre os planos locais de contingenciamento para evitar alagamentos. Mesmo que o Distrito Federal esteja entrando em um período de estiagem, com o retorno das chuvas previsto para meados de outubro, pontos da cidades sofreram, ainda que em proporções muito menores do que o Sul, com enxurradas e cheias em janeiro. O receio é de que, nas próximas estações, os estragos ocasionados pelas tempestades sejam cada vez piores.
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Esse é o temor de Antônio Ferreira, 58 anos, morador da Vila Cauhy, no Núcleo Bandeirante, que iniciou o ano de 2024 com lama e móveis destruídos. Na época, o pedreiro perdeu colchões, roupas e eletrodomésticos. Ele lembra que recebeu muitas doações e que está trabalhando para conquistar o que perdeu. "Agora, só falta o guarda-roupa. Nossa esperança é de que aquela situação não se repita", ressaltou.
O que restou da casa de Maria Fátima Soares, após o alagamento na Vila Cauhy foram um sofá e um armário. Ela conta que perdeu a televisão, a máquina de lavar roupas e itens da cozinha. "Até mudei de casa. A outra, mais próxima ao córrego, ficou acabada. Agora, quero tentar me mudar para um bairro mais distante e mais seguro. Não dá para viver com medo", relatou.
Segundo o último relatório do Serviço Geológico Brasileiro, realizado ano passado e com a colaboração da Defesa Civil, o Núcleo Bandeirante estava entre as áreas de risco mapeadas no DF, ao lado de Arniqueira, Fercal, Vicente Pires, Planaltina, Riacho Fundo I, Sobradinho II, e Sol Nascente/ Pôr do Sol.
Ao Correio, a Novacap informou que as condições geográficas e de relevo da Vila Cauhy dificultam o escoamento da água das chuvas na região. "Há previsão para contratação de um projeto com o objetivo de sanar o problema. Atualmente, está em execução a implantação de gabiões, estruturas para contenção, estabilização de taludes e controle de erosão na margem do córrego, a fim de proteger as passarelas e as pontes do local", explicou o órgão. Na ocasião das enchentes, o córrego Riacho Fundo transbordou, atingindo casas e deixando cerca de 60 famílias desabrigadas.
Monitoramento
Em 2021, a Secretaria do Meio Ambiente (Sema) publicou o Plano de Adaptação aos Efeitos Adversos da Mudança Global do Clima, no qual apontou os principais impactos esperados para os próximos anos, visando reduzir vulnerabilidades e ampliar a adaptação do DF. No documento, problemas como a carência de estações pluviométricas em locais de risco e a baixa infraestrutura urbana de drenagem da água foram destacados como os que exigem maior atenção.
Segundo Frederico Flósculo Barreto, professor de arquitetura e urbanismo da Universidade de Brasília (UnB), esses e outros desafios se devem ao planejamento urbano imobiliário do DF, que estimula a construção de edificações, mas desconsidera monitoramentos e diagnósticos constantes. "Não há um plano que respeite variáveis ambientais e limite a ocupação de certos territórios. As consequências incluem a morte de nascentes, as erosões e a formação de ilhas de calor. São necessários estudos sistemáticos e anuais, com o território, o solo, as águas, o ar e o Cerrado", criticou.
Com relação à inspeção das chuvas, o GDF afirmou que, em 2023, lançou o Sistema de Monitoramento de Chuvas Urbanas Intensas do DF (Simcurb), cujo objetivo é coletar dados sobre chuvas em várias áreas do DF para subsidiar o planejamento e a elaboração de projetos, a regulação e fiscalização da drenagem e o manejo de águas pluviais urbanas. Com 62 estações pluviométricas, o Simcurb pretende instalar estações em cada Região Administrativa.
Chuvas
Com a intensidade das chuvas durante o verão, as chances de ocorrerem voçorocas — grandes buracos provocados pelo acúmulo de água em solos sem cobertura vegetal — multiplicam-se, aumentando os riscos de deslizamentos de terra, conforme adverte o ambientalista, pesquisador e professor da UnB José Francisco Gonçalves. "E, para onde vão esses materiais das erosões? Para parte das bacias hidrográficas, que ficam cada vez mais rasas e, normalmente, começam a ser soterradas com lixo e material contaminados. É o que tem ocorrido com os rios Sobradinho e São Bartolomeu, por exemplo, que estão em processo de degradação e poluição", ressaltou.
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