Duas pessoas morreram intoxicadas no incêndio ocorrido em uma pousada irregular na SGHIS 705, Asa Sul. A tragédia aconteceu na madrugada dessa sexta-feira (3/5), por volta da meia-noite, e mobilizou sete viaturas do Corpo de Bombeiros Militar do Distrito Federal (CBMDF). As chamas, que consumiram todo o subsolo e parte do térreo e do primeiro andar, vitimaram um homem, de 56 anos, e uma mulher, cuja idade ainda não foi identificada pela polícia.
Ambas as vítimas apresentaram marcas de queimaduras e foram encontradas em diferentes banheiros do local, onde tentaram buscar saída para as chamas. A mulher estava sem sinais vitais, e o homem, em parada cardiorrespiratória (PCR), foi transferido para o Hospital de Base, mas também não resistiu. Os demais moradores não se feriram.
- Incêndio deixa dois mortos em pousada na Asa Sul
- Incêndio na Asa Sul: vizinha acordou com gritos de homem tentando salvar o pai
- Polícia Civil interroga suspeito de provocar incêndio em pousada
- Pousada onde ocorreu incêndio abrigava 22 pessoas, segundo moradores
- Incêndio em pousada: funcionamento era irregular, diz DF Legal
Apontado como suspeito de provocar o incêndio, Elizandro Rodrigues Morais, 45 anos, era morador da pensão. Ele foi encaminhado à 1ª Delegacia de Polícia, na Asa Sul, onde prestou depoimento. De acordo com informações obtidas pelo Correio, Elizandro afirmou que momentos antes do incêndio estava fumando crack no quarto n° 19 da hospedagem. Ele deixou um isqueiro e o celular carregando em cima da cama e foi para o quarto de outro morador vizinho, cujo nome não soube dizer.
Cerca de 20 minutos depois, segundo o relato do suspeito, outro morador foi avisá-lo de que o quarto estava pegando fogo. Elizandro afirmou ter tentado apagar as chamas jogando um balde de água no colchão, no entanto, a ação fez o fogo aumentar. Diante da situação, ele saiu correndo da pensão e ficou do lado de fora, onde foi preso.
O suspeito negou à Polícia ter oferecido drogas para outros moradores e disse não ter rixa com nenhum outro hóspede do local. A maior parte dos envolvidos foi ouvida formalmente pelo delegado de plantão na 1ª DP. O proprietário da pousada, identificado como Joaquim Santos, não havia prestado depoimento até o fechamento desta edição. Elizandro foi encaminhado à Divisão de Controle e Custódia de Presos (DCCP). Agentes da Polícia Civil do DF (PCDF) investigam o caso como incêndio culposo e homicídio culposo — quando não há intenção de matar.
Sobrevivente
"Perdi tudo o que tinha. Roupas, documentos, notebook, cartas de ex-namoradas, fotos, CDs de música, meus desenhos…", enumerou um sobrevivente do incêndio que pediu para não ser identificado. "Não deu para pensar direito na hora que o fogo começou. Só voltei para pegar meu celular e subi com todo mundo", recordou o rapaz que, naquele momento, estava no subsolo da pousada. "Só ouvi o barulho e achei que fosse uma briga. Quando me dei conta, estava tudo cheio de fumaça preta." De acordo com ele, o padrão do lugar era um pouco antigo, "era envelhecido, mas era funcional", descreveu o morador.
Ele relatou que estudava no Rio Grande do Sul e voltou a Brasília, onde nasceu, há alguns meses. Com pouco dinheiro, decidiu morar na pousada da W3 Sul, que considera acessível para ir e vir do trabalho. A estrutura da pousada era precária. "Bem não se vivia, porque tínhamos que morar em um cubículo e dividir o espaço com outras pessoas. A cozinha, os banheiros e a lavanderia eram compartilhados, como se fosse uma república", disse.
Gritos de socorro
Na manhã dessa sexta-feira (3/5), a reportagem foi ao local do incêndio e viu as marcas de fogo nas janelas e nos canos localizados nos fundos do prédio. O cheiro de fumaça persistia, e os vizinhos, ainda assustados, evitaram falar com a imprensa. Duas moradoras de residências próximas à pousada testemunharam ao Correio que acordaram com gritos de socorro, sirenes dos bombeiros e forte cheiro de fumaça. "No início, imaginei se tratar de uma ocorrência de violência doméstica, até que vi as chamas e as pessoas correndo", relatou uma vizinha.
Segundo informações do subtenente Fabiano Benvenuto, do Corpo de Bombeiros, o incêndio teria começado no subsolo do prédio, onde havia 13 quartos estreitos, e se alastrou para andares acima. Havia 22 pessoas no local; muitas conseguiram sair pelas janelas e pela porta principal do edifício. O térreo contava com mais 10 dormitórios, e o primeiro andar, com nove, totalizando 32 aposentos. Além disso, havia os espaços compartilhados, como lavanderia, banheiros e cozinha.
Acionados por volta da meia-noite, o 15º Grupamento de Bombeiro Militar (GBM) não teve dificuldades para conter as chamas. O mobiliário dos quartos foi parcial ou totalmente consumido pelas chamas, entre colchões, roupas entre outros objetos. As casas vizinhas não foram atingidas pelo fogo. "Foi uma madrugada de terror", relatou Tiago Pereira, sommelier que mora em frente ao prédio incendiado e testemunha da ocorrência. "As pessoas estavam desesperadas. pois tinha gente ainda dentro da pensão, outras corriam de um lado para o outro", descreveu.
Amanda Silva, 23, reside a três casas da pousada e afirmou que o estabelecimento funciona há pelo menos 10 anos no local. "Apesar da rotatividade muito grande de pessoas, era um lugar tranquilo, que costumava abrigar quem vinha de fora para procurar oportunidades de emprego ou de estudo", disse.
Irregularidade
O prédio incendiado não tinha placa que indicasse a atividade do local, aparentava ser uma residência como as demais. No entanto, além de não ter autorização para funcionar, a pousada descumpria uma interdição realizada em 2017, conforme informou a Secretaria de Estado de Proteção da Ordem Urbanística do Distrito Federal (DF Legal). À época, também foi feita a apreensão dos bens para inviabilizar que o estabelecimento desse continuidade às atividades.
Desde a interdição, a Subsecretaria de Fiscalização de Atividades Econômicas, vinculada à DF Legal, esteve no local por mais duas vezes — em 2018 e 2019 — mas não identificou o retorno da atividade de hospedagem na residência.
No início deste ano, a Secretaria Executiva de Inteligência e Compliance, também vinculada ao DF Legal, realizou um levantamento de todas as pousadas irregulares na Asa Sul. De acordo com a pasta, o objetivo era identificar e qualificar os responsáveis de cada uma delas. Durante a sondagem, verificaram que, entre os estabelecimentos irregulares, estava a pousada onde o incêndio aconteceu, que retornou às atividades de forma irregular.
O DF Legal destacou que todas as pousadas instaladas nas quadras 700 da Asa Sul são irregulares. A pasta afirmou, por meio de nota, estar "em fase final de preparação para executar operação integrada com outros órgãos para erradicar os estabelecimentos irregulares."
Saiba Mais
4 perguntas para Pericles Mattos, mestre em defesa e segurança civil
Pericles Mattos, mestre em defesa e segurança civil
Como deve ser feita a segurança hoteleira?
É um conjunto de medidas de proteção, internas e externas, para o bom funcionamento do estabelecimento hoteleiro, de forma que possa recepcionar seus clientes e hóspedes com total segurança. Alguns exemplos são: proteção contra incêndio, plano de evacuação, controle de pessoal, câmeras de tevê, segurança física dos hóspedes, entre outras medidas.
Quais medidas os estabelecimentos de hospedagem devem seguir para evitar acidentes, sobretudo os que envolvem fogo?
É fundamental que os estabelecimentos hoteleiros tenham a assessoria de um profissional especializado para a obtenção do Auto de Vistoria do Corpo de Bombeiros (AVCB), documento emitido pela autoridade estadual competente. Além de cumprir com os requisitos dos regulamentos estaduais dos Corpos de Bombeiros, o profissional poderá indicar outras medidas complementares aos regulamentos. Ter extintores portáteis com sua manutenção em dia, instalar detectores de fumaça, alarmes e sinalização de rota de fuga, são requisitos básicos para quaisquer estabelecimentos terem uma mínima proteção contra incêndio. Por fim, treinar seus colaboradores para o combate ao incêndio e conhecer como se deve realizar a evacuação no caso de sinistro.
Como funcionam os sistemas para combater incêndios que devem ser instalados nesses locais? Com qual frequência deve haver manutenção nesses sistemas?
Os estabelecimentos hoteleiros devem possuir detectores de fumaça, que são acionados quando o ambiente começa a produzir monóxido de carbono. O alarme também dispara o sinal sonoro que alerta os hóspedes. A rota de fuga deve ser sinalizada e é fundamental que os funcionários estejam treinados para operar os equipamentos e oferecer a segurança necessária para o salvamento de todos que estejam ocupando o estabelecimento. A manutenção dos equipamentos deve ser periódica, em alguns casos de seis em seis meses, para alarmes e detectores de fumaça, e anualmente para os extintores portáteis. É importante ressaltar que devido às características dos estabelecimentos hoteleiros, atender somente os regulamentos estaduais do Corpos de Bombeiros pode não ser suficiente, precisando de um complemento na proteção passiva (tintas intumescentes, compartimentação), bem como na proteção ativa, aumentando a capacidade extintora do sistema de combate a incêndio, seja com a adoção de rede de sprinklers como na adoção de aditivos de combate a incêndio.
Gostou da matéria? Escolha como acompanhar as principais notícias do Correio:
Dê a sua opinião! O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores pelo e-mail sredat.df@dabr.com.br