Maio amarelo

Conscientização contra tragédias no trânsito movimentam o Maio Amarelo

O movimento Maio Amarelo foi lançado, ontem, e contou com a participação de todas as forças de segurança do DF e a PRF. Somente de janeiro a abril deste ano, 6,7 mil condutores foram autuados por alcoolemia ao volante

Movimento vai ocorrer durante todo o mês de maio, com ações educativas -  (crédito: Arthur de Souza/CB/D.A Press)
Movimento vai ocorrer durante todo o mês de maio, com ações educativas - (crédito: Arthur de Souza/CB/D.A Press)

Em 2023 foram 231 tragédias no trânsito da capital do país, com 248 mortes. Além disso, somente entre janeiro e abril deste ano, 6.756 condutores foram flagrados dirigindo depois de beber. Os dados são do Departamento de Trânsito do Distrito Federal (Detran-DF). 

Brenda de Lima Garcia, 25 anos, quase entrou para as estatísticas de óbitos no trânsito. Em setembro de 2022, ela estava num carro com amigas quando um outro veículo, em alta velocidade, bateu no automóvel. O condutor estava supostamente alcoolizado. "Foi a 160km/h. A batida foi tão forte que apaguei na hora, lembro apenas de acordar na UTI", comentou. Segundo a mãe de Brenda, Aline Gouveia de Lima, 46, a amiga que estava no carro ligou assim que a tragédia ocorreu. "Eu estava dormindo e recebi ligação da amiga que estava com Brenda no carro. Ela estava desesperada, pois minha filha ficou muito grave, presa nas ferragens e não reagia", recordou. "As notícias foram as piores. Sempre relatavam que o estado dela era gravíssimo e que não passaria de três dias após o acidente, só por um milagre", disse Aline.

E isso aconteceu, mas Brenda acabou desenvolvendo muitas limitações cognitivas e motoras, além da perda de memória recente. "Em junho de 2023, fiz uma ressonância magnética de crânio, em que descobri que ficaria com sequelas. Foi péssimo, tive uma sensação horrível, de que nunca mais seria a mesma", desabafou. "Me tornei muito dependente, principalmente da minha mãe, pois não trabalho. Estou com danos irreparáveis", ressaltou.

Para Brenda, o sentimento é de injustiça. "Não bebo e estava apenas me divertindo com amigas, não queria como resultado essa situação trágica", afirmou. A mãe da vítima destacou que, atualmente, ela faz acompanhamento terapêutico. "Esperamos superar esse quadro com a condenação do condutor. As nossas vidas estão, ainda hoje, muito alteradas e a insegurança só aumenta", observou. O processo corre na Justiça.

Conscientização

Doutora em transportes pela Universidade de Brasília (UnB), Adriana Modesto destacou a importância de campanhas educativas para a promoção de um trânsito mais seguro, mas avaliou que é preciso abordar o tema, da mesma forma, durante todo o ano. "Em maio, o que se verifica é uma overdose de ações, em pontos centrais, com uma distribuição de kits e similares cuja abrangência é reduzida, ao meu ver, sem tocar no ponto essencial", lamentou a especialista (leia Artigo).

O Detran-DF e o Conselho de Trânsito do Distrito Federal (Contrandife) lançaram, ontem, mais uma edição do Maio Amarelo, durante ação no estacionamento do Ginásio Nilson Nelson. O objetivo da campanha é chamar a atenção da sociedade para a quantidade de vítimas de acidentes de trânsito. O evento contou com a presença de agentes de todas as forças de segurança e o tema da campanha deste ano é "Paz no trânsito começa por você". O movimento Maio Amarelo foi criado pelo Observatório Nacional de Segurança Viária em 2014.

Segundo o diretor-geral adjunto do Detran-DF, Hugo Figueiredo, a integração é muito importante. "É necessário ter uma abrangência maior (da ação), com todas as áreas do DF e do Entorno (inclusive a PRF), para que essa conscientização seja disseminada para mais usuários do trânsito", destacou.

Figueiredo lembrou que a prioridade é a conscientização. "Somos muito cobrados para que tenhamos uma atuação preventiva. Por isso, o Detran-DF foca na educação e na conscientização da população como um todo", afirmou. "Não só dos condutores, mas dos pedestres e de todos os transeuntes do DF, para que tenham o respeito e a educação no trânsito e, assim, a gente consiga índices de infrações e de sinistros cada vez menores", avaliou.

O diretor-geral adjunto ressaltou que alguns "detalhes pequenos" fazem a maior diferença em relação ao número de sinistros no trânsito. "O uso do celular enquanto dirige é uma característica que cresceu muito, em razão dos avanços tecnológicos, e isso tem uma relação expressiva no número de sinistros", alertou. "Por isso, a gente conscientiza a população para que, no momento em que estiver conduzindo um veículo, que o aparelho seja esquecido e que respeite as sinalizações e os limites de velocidade", acrescentou.

Defensivo

Motoboy há mais de 20 anos, o morador da Cidade Ocidental (GO) André Luiz Cordeiro contou que vem para Brasília todos os dias. "Como motociclista, sempre evito andar atrás de carros, principalmente os que têm película escura, em que não se consegue ver o que o motorista está fazendo", afirmou. "Tenho vários colegas que sofreram acidentes por causa disso. Eu mesmo sofri alguns, por isso, tento sempre andar longe dos motoristas, para evitar transtornos", ressaltou.

Ele comentou que conhece a campanha Maio Amarelo. "Acho que deveriam oferecer mais palestras (de conscientização), assim como se tinha antigamente. Em 2006, por exemplo, lembro que tinham muitas (ações) na Torre de TV, que ensinavam como dirigir. Hoje em dia, não se tem mais isso", lamentou André Luiz.

Morador de Vicente Pires, o instrutor de autoescola Tarcísio Andrade, 27, ressaltou a importância de sempre praticar a direção defensiva. "Isso porque a gente sabe que tem outros motoristas que vão estar acima da velocidade e existem os riscos de alguém furar um sinal", avaliou. "Acredito que diminuiu muito o respeito com o próximo, seja ele pedestre, ciclista, motociclista ou motorista. Temos que lembrar que o que nos mantém vivos não é a direção ofensiva, mas a defensiva", alertou o instrutor.

*Estagiário sob a supervisão de José Carlos Vieira

 


Artigo

A promoção das ações voltadas ao movimento Maio Amarelo são relevantes durante todo o ano pois, infelizmente, em todos os outros meses são registrados conflitos de tráfego, sinistros, prejuízos, invalidez e óbitos decorrentes da violência no trânsito. Contudo, destaco que o mês foi escolhido como marco temporal em razão da coincidência com outros eventos e pactos globais alusivos à segurança viária.

Embora o movimento tenha abrangência nacional e envolva vários atores sociais, em se tratando de Brasília, resgato a Campanha Paz no Trânsito, contemporânea à elaboração e oficialização do Código de Trânsito Brasileiro. A campanha tomou conta dos gabinetes, das ruas, dos editoriais, dos espaços acadêmicos, das páginas de jornais e dos televisores de todo o DF, sendo capaz de disseminar sentimento de corresponsabilidade quanto à paz no trânsito, o excesso de velocidade e o uso do cinto de segurança. Além disso, o álcool ao volante e o respeito à faixa de pedestre se constituíram como temáticas abordadas por órgãos de trânsito, e a educação, a comunicação e a participação social constituíram-se como pilares.

Diante do exposto, é possível deduzir a existência de convergências entre tal campanha e o movimento Maio Amarelo. Ainda que seja inegável a maior robustez desse esforço legal progressivo e as mudanças paradigmáticas voltadas para o incremento de uma mobilidade sustentável observados no intervalo de tempo que separa os dois, por que seguimos retroalimentando um trânsito inseguro? Não esqueçamos que a redução dos sinistros de trânsito depende também de intervenções relacionadas à via e ao veículo, por exemplo.

Afirmo que parte da resposta pode ser encontrada nos sentidos atribuídos à educação relacionada ao trânsito, seja ela na modalidade formal, na formação, atualização e capacitação de condutores, nas ações comunitárias, nas campanhas educativas ou de conscientização quanto aos riscos no trânsito.

O Maio Amarelo, considerando-se sua abrangência, capilaridade, regularidade, origem e poder de mobilização, tem se consolidado como uma das principais referências nacionais. Há outros movimentos em caráter institucional público, no entanto, infiro que seguiremos "amarelando" ao não tocarmos em questões essenciais como a avaliação e o papel da educação, da comunicação social e da participação social relacionadas ao trânsito e na elaboração do repertório de ações variáveis como: estilo de vida; estrutura urbana; desigualdades sociais e processos de urbanização; e abordagens sistêmicas sob a proteção da cidadania, acessibilidade e inclusão social.

Adriana Modesto, doutora

em transportes pela UnB

NUMERALHA

 

Autuações*

Excesso de velocidade (Art. 218)
2024 (até abril): 502.039

Uso do celular (Art. 252)
2024 (até abril): 28.436

Embriaguez ao volante (Art. 165)
2024 (até abril): 6.756

*Os dados referem-se às multas aplicadas por todos os órgãos de fiscalização de trânsito do DF (Detran-DF/DER-DF/PMDF)

  • O motoboy André Luiz quer mais campanhas educativas pelo DF
    O motoboy André Luiz quer mais campanhas educativas pelo DF Foto: Henrique Sucena/CB
  • Selo Paz no Trânsito
    Selo Paz no Trânsito Foto: Editoria de Arte
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postado em 03/05/2024 06:00
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