A peregrinação de pacientes com dengue, covid-19 e gripe, pelas unidades de saúde em busca de socorro e a demora no atendimento médico gerou uma situação extrema na Unidade de Pronto Atendimento (UPA) do Recanto das Emas. Na segunda-feira, pacientes revoltados com a superlotação e demora para serem atendidos depredaram a unidade e partiram para luta corporal com um vigilante, que trabalhava no local no momento da confusão. Contudo, esse não é um caso isolado. O Correio visitou UPAs e Unidades Básicas de Saúde (UBSs) e encontrou moradores que relataram estarem percorrendo, diariamente, de unidade em unidade em busca de assistência.
Na UPA do Recanto das Emas, a equipe encontrou o motoboy Marcos Puttini Carvalho, 41 anos. O homem, que é morador de Taguatinga, buscava atendimento para a filha Ana Júlia Carvalho, 13 anos, que estava com sintomas de dengue. "Fui à UPA de Vicente Pires, mas eles não nos atenderam, porque ela é paciente pediátrica. Agora, cheguei aqui (no Recanto) e eles só vão atender quem estiver com a pulseira vermelha", desabafou. Antes, ele havia ido à UPA do Gama, onde também não conseguiu socorro.
Marcos contou que a esposa teve dengue, há algumas semanas, e que a peleja foi a mesma.
Na UPA de Ceilândia, a comerciante Ciélia Nunes, 43, moradora do Sol Nascente, buscava atendimento para si, a mãe dela e a filha. Todas estavam com sintomas de covid-19. Ela contou que elas procuraram atendimento na UBS mais próxima de casa, mas a orientação foi para se dirigir à UPA. Enquanto conversava com o Correio, Ciélia foi chamada no balcão e recebeu um encaminhamento para ir, outra vez, à UBS. Mais uma vez, não foram acolhidas. "Fomos no posto que nos encaminharam, disseram que não tinha atendimento. Voltamos para casa sem nos consultar", contou mais tarde.
Lotação
A Secretaria de Saúde do Distrito Federal (SES-DF) informou que as unidades de saúde têm trabalhado com alta demanda nas emergências dos hospitais públicos do DF, diante do contexto de epidemia de dengue e do início da sazonalidade das doenças respiratórias infantis.
Sobre o longo tempo de espera que os pacientes têm vivenciado, apontou que o atendimento é realizado por classificação de risco.
A partir do relato, durante a avaliação, o usuário recebe uma classificação: vermelha (emergência); laranja (muito urgente); amarela (urgente); verde (pouco urgente) e azul (não urgente). O tempo de espera pode variar de acordo com a classificação de risco recebida. Os pacientes classificados em verde ou azul são orientados a buscar o atendimento na (UBS) de sua referência. Segundo a secretaria, cerca de 75% dos casos acolhidos nos hospitais poderiam ser resolvidos em UBSs.
Rede particular
A rede privada de hospitais também registrou aumento na procura por atendimento. Danielle Feitosa, superintendente do Sindicato Brasiliense de Hospitais, Casas de Saúde e Clínicas (SBH). "O tempo de espera aumentou muito com o cenário que estamos vivendo, com dengue, a covid-19 e as doenças sazonais", afirmou.
Saiba Mais
Novas tendas
Ontem, o Governo do Distrito Federal (GDF) inaugurou a sexta tenda de acolhimento aos pacientes com sintomas de dengue. A estrutura foi erguida no estacionamento do ambulatório do Hospital Regional de Taguatinga (HRT) e conta com mais de 60 profissionais da saúde para atender uma média de 150 pessoas por dia. O espaço, com funcionamento das 7h às 19h, acolhe tanto pacientes adultos quanto pediátricos.
Tragédia
Uma mulher grávida de dois meses morreu, no último domingo, após passar mal e ter o atendimento negado em três hospitais do DF. Tairine Alves, 30 anos, só foi socorrida pela equipe médica depois de desmaiar no chão do pronto-socorro do Hospital Regional de Taguatinga (HRT). Horas depois, ela faleceu ao sofrer uma parada cardiorrespiratória.
Tairine sofria de anemia e, no passado, teve tuberculose. Apesar da gravidez de risco, os médicos que faziam o acompanhamento da gestação afirmavam estar tudo bem. No sábado, a mulher começou a tossir excessivamente e a passar mal. Segundo o marido dela, Max Oakley, 30, eles foram ao Hospital Regional de Taguatinga, mas como moram em Ceilândia foram informados de que só poderiam receber atendimento no hospital da própria região.
O casal voltou de ambulância ao Hospital Regional de Samambaia (HRS), mas novamente o atendimento foi negado. "Eles disseram que estavam fazendo muitos partos, que não tinha como atender", disse o marido. Na tentativa de socorro, foram ao Hospital Regional de Ceilândia (HRC), mas sem sucesso.
Max e a mulher voltaram ao HRT. Lá, Tairine passou mal, desmaiou e foi encaminhada às pressas ao pronto-socorro. "Ela vomitava muito sangue. Gritei por socorro. Horas depois, soube da morte. Ela morreu esperando atendimento e não tentando salvar a vida. Essa foi a negligência", desabafou. Tairine foi sepultada ontem, na cidade baiana Xique-Xique.
Em nota, a Secretaria de Saúde diz que a portaria 1.321 prevê que o atendimento a gestantes seja dado imediatamente e, somente após a estabilização do quadro, é que deve ser feita a remoção para uma unidade próxima.
Ainda sobre o caso, a pasta informou que apura a conduta dos profissionais e que, no HRC, havia dois médicos, e no HRT, outros quatro, durante o período em que Tairine buscou socorro.