"Meu pai compartilhava muitos relatos sobre a efervescência do canteiro de obras, sempre numa atmosfera de 'fiz parte dessa história'. Foi esse sentimento que ele carregou até o último dia de sua vida com muito orgulho." O relato é de Rosângela Almeida Vieira, 58 anos, filha de João Benedito da Silva, um dos tantos operários que trabalhou na construção de Brasília. Além dos ensinamentos e experiências, o pioneiro deixou uma relíquia para a família: uma carta de Juscelino Kubitschek escrita de próprio punho, na qual o então presidente reconhecia o esforço e o apoio de todos os trabalhadores que fizeram parte desse processo.
"Ao aproximar-se o término do meu mandato, venho manifestar-lhe, de modo especial, o meu reconhecimento pelo seu patriótico apoio à luta que travei para conduzir a pleno êxito a causa do desenvolvimento nacional", escreveu JK, no primeiro parágrafo.
"Esse ato foi razão de tanto orgulho para meu pai. O presidente encerrou o mandato em clima de paz, ordem, prosperidade e respeito a todas as prerrogativas constitucionais, legado que ficou impregnado no meu pai enquanto cidadão e pessoa. Foi o que ele, ao conhecer e casar-se com minha mãe, trouxe para a família", conta Rosângela.
Antes de pisar na terra vermelha do Cerrado, João Benedito, que nasceu em Pilar, na Paraíba, passou por Recife e Rio de Janeiro, em busca de uma vida melhor. Na então capital do país, foi ajudante de pedreiro e, em uma das firmas de construção em que trabalhou, recebeu o convite para ir ao Planalto Central atuar na empreitada da construção. Aqui chegou em 1958, em um pau de arara, disposto a levantar prédios e a traçar seu futuro. Tinha 27 anos e morava onde hoje localiza-se a Candangolândia.
"Quando ele chegou havia apenas Cerrado e um formigueiro de pessoas trabalhando. Eu me lembro de ele falar das obras serem tão intensas que qualquer problema era rapidamente resolvido. Nada parava a construção. Também dizia que aquela atmosfera, fundamentada em um único propósito, fazia com que as pessoas se unissem e trabalhassem com empenho", relatou a filha. Em dois anos, João se mudou para Ceilândia e foi contratado pela Novacap como funcionário público. Casou-se em agosto de 1961 e teve 10 filhos, os quais levava para ver o crescimento da cidade. Daí o carinho da família pela história e pelo legado da capital.
"Ouvi e vivi"
"Ando por lugares que me marcaram e onde também deixei minha marca. Toda vez que passo pelo Parque da Cidade, por exemplo, lembro de uma árvore que plantei lá ainda criança, em um passeio de escola, quando ainda estavam arborizando o espaço. Muitas histórias não apenas ouvimos do meu pai, como também vivemos", diz Rosângela, atualmente moradora de Águas Claras. Em meados de 1969, o patriarca levava as crianças para recolher cajuzinho-do-cerrado, lembrança que desperta a memória afetiva do momento em família. "Era uma festa, porque a gente adentrava a mata para pegar esses cajuzinhos e, chegando em casa, mamãe fazia um doce de caju daqueles", recorda-se.
Para a professora, apesar dos desafios enfrentados pela cidade atualmente, ainda existe a simbologia da esperança, cultivada antes mesmo da inauguração. "Acredito que, como filhos de Brasília, estamos atentos para defender a cidade que nos criou e para desejar o melhor a ela", conclui a filha de João Benedito.
Saiba Mais
-
Cidades DF Entregadores respeitados: empresa brasiliense inova em soluções para autônomos
-
Cidades DF Pioneiro, Gilberto Salomão detalha saga para erguer capital no cerrado
-
Cidades DF Berço da inovação: Brasília se torna celeiro de startups
-
Cidades DF Point da economia criativa: empresário fomenta a veia artística da capital
-
Cidades DF No aniversário da capital, população responde "Qual a Brasília que te criou?"
-
Cidades DF Osório Adriano Filho lembra construção de Brasília: "Orgulho e gratidão"