DESPEDIDA

O incomparável legado de Elza Fiúza

A jornalista deixa como marca a luta pelo reconhecimento das mulheres no fotojornalismo e o ativismo pela causa indígena. Ela morreu ontem, em decorrência de câncer. O corpo será cremado hoje

O corpo da fotojornalista Elza Fiúza será velado hoje, das 11h às 13h, na Capela 6 do Cemitério Campo da Esperança na Asa Sul. A cremação será às 16h, em Valparaíso (GO). Elza lutou bravamente contra um câncer de pulmão por sete anos e morreu na madrugada de ontem, aos 74 anos. A família e os amigos que fez na profissão lembram da personalidade de Fiúza.

A fotojornalista Zuleika Sousa começou a trabalhar no Correio no início dos anos 1980, período em que Fiúza fazia parte do quadro do jornal. Depois, os encontros eram nas pautas do dia a dia do poder. "Elza era cheia de histórias para contar, inclusive do tempo em que morava em Manaus. Sempre muito bem-humorada. Não conheço ninguém que não gostasse dela", relembra.

A amiga também observa que Elza era uma grande ativista pela causa indígena. A paixão pelo carnaval era outro traço marcante da fotógrafa. "Ela tinha paixão pelo Pacotão (bloco carnavalesco), que sempre fotografava nos carnavais. Eu também gosto muito de carnaval e sempre me inspirei no trabalho dela de fotografar a festa", diz Zuleika, que acrescenta: "Ela fotografou o poder desde a ditadura até os presidentes deste século, sempre muito correta, clara, com a fotografia bem feita do poder".

Como amiga, Zuleika destaca o jeito agregador de Fiúza, que gostava de reunir os amigos jornalistas na casa dela. "Também foi uma lutadora pelo reconhecimento das mulheres na nossa profissão, além de ser uma das mulheres pioneiras do jornalismo de Brasília."

O fotojornalista Fernando Bezerra é outro amigo de longa data de Elza Fiúza. Ambos são contemporâneos dos primórdios do jornalismo da nova capital do Brasil. Não chegaram a trabalhar juntos, mas "bateram ombros" por inúmeras vezes nos palácios da política durante as coberturas diárias. "Com a partida de Elza, perdemos um espírito de ousadia, coragem e vontade de marcar presença em um período em que a mulher era ignorada no meio jornalístico. Era desbravadora, pioneira", enfatiza Fernando.

"Ela juntava os circuitos profissional e familiar, o que não é algo fácil. Mas como era uma figura feminina e agregadora, ela não criava barreiras. Sempre estava aberta para trocar ideias e compartilhar a expertise que tinha na profissão", recorda Fernando.

Trajetória

Nascida em Manaus, em 1949, Elza Praia Fiúza Dias Pinto foi uma das primeiras mulheres a exercer a profissão de repórter fotográfica em Brasília, onde chegou em 1975. Começou no Correio como laboratorista, em 1979. Na época, fazia fotos como hobby, mas, ainda no Correio, começou a fotografar profissionalmente. Teve passagem pela Radiobras e longa trajetória na Empresa Brasil de Comunicação (EBC).

"O lugar onde ela dizia ser mais feliz era nas pautas. Fez vários amigos no Correio, foi uma pessoa muito amada e tinha lembranças maravilhosas", relembra a filha Joana Praia. "Dizíamos que a casa dela era uma grande oca, porque ela veio de uma cultura amazonense. A mãe do meu pai era irmã do pai da minha mãe. Então, eles foram criados na Amazônia e muito perto de aldeia indígena, convivendo com indígenas de várias etnias. Em Brasília, a casa do meu pai recebia muito os Xavantes. O cacique Raoni ficava lá em casa, quando vinha para a capital", completa.

Elza se formou na Escola Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro. Suas fotografias estão presentes em duas publicações: o V documento de arte contemporânea do Centro-Oeste, e Brasília Ano 20, onde estão documentadas as primeiras décadas da nova capital do Brasil.

A pioneira foi casada por 55 anos com o jornalista Chico Dias. O comediante Grande Otelo e o cartunista Ziraldo foram padrinhos do matrimônio. Agitadores culturais, ela e o esposo foram fundadores do bloco Pacotão. 

Nos últimos anos, a fotógrafa sofreu duas sepses em sua batalha contra o câncer de pulmão. "Era uma pessoa extremamente independente. Vimos sua luta como uma prova de amor, porque ela ficou sete anos acamada, sofrendo, mas firme e forte para estar conosco. Ela demorou muito a aceitar esse fim, ela gostava muito de viver", relata a filha.

Elza Fiúza deixa quatro filhos — além de Joana, Marina, Vânia e Pedro — e seis netos — Heitor, Helena, João, Moreno, Mariah e André.

O Sindicato dos Jornalistas Profissionais do DF manifestou "profunda consternação" pela morte Elza Fiúza. "Ao longo de toda a carreira, firmou e honrou compromisso inarredável com a luta pela democracia e pelo jornalismo livre. Durante a ditadura militar de 1964-85, teve irmão e cunhada presos. Abrigou em sua casa militantes da resistência perseguidos pela repressão", diz a nota.

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