De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), casos de covid-19 cujos sintomas se estendem por mais de três meses podem ser considerados a chamada covid longa. Professora da Faculdade de Medicina da Universidade de Brasília (UnB) e infectologista da Secretaria de Saúde do Distrito Federal, Juliana Lapa comanda uma pesquisa, iniciada no segundo semestre de 2020, com 400 pacientes internados em decorrência da covid no Hospital Regional da Asa Norte (Hran).
Quando o estudo foi iniciado, ainda não se sabia da existência da covid longa. A princípio, o objetivo era investigar a qualidade de vida de quem teve covid. Durante a pesquisa, de acordo com Juliana, foram surgindo os sintomas persistentes, o que demandou o acréscimo da frequência, prevalência e fatores associados à síndrome da covid longa aos objetivos do estudo.
As principais sequelas observadas nos participantes, que tiveram a doença em suas formas moderada ou grave, são fadiga crônica e sintomas cerebrais. "Os cerebrais são difíceis de explicar, mas consistem, geralmente, em dificuldade de raciocínio e falhas na memória. Quedas de cabelo também podem ocorrer até três meses após o contágio", explica a médica.
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Juliana esclarece que ainda não há consenso entre os pesquisadores a respeito da ação do vírus no organismo dos pacientes acometidos pela covid longa. Segundo ela, há teorias que defendem os resultados de microtromboses, causando lesões em diferentes órgãos do corpo humano. Outros cientistas acreditam que o vírus pode agir diretamente no sistema nervoso central. Há também a tese de que a doença pode causar alteração no metabolismo do oxigênio à nível celular.
"Ainda não se sabe o porquê de esses casos ocorrerem. Sem dúvida, a covid longa atinge principalmente mulheres. Alguns estudos apontam a obesidade e idade avançada como fatores de risco. Formas mais graves da doença também são apontadas como fator de risco, embora outros estudos mostrem que formas mais leves também podem desenvolver sintomas mais longevos", observa a pesquisadora.
A especialista esclarece que mesmo vacinada e tendo pegado covid-19 anteriormente, a pessoa pode desenvolver a covid longa, já que o fenômeno tem sido observado até em casos mais leves. "Como prevenção, é indicado que o paciente mantenha a vacinação atualizada e faça a testagem todas as vezes que apresentar sintomas respiratórios semelhantes aos de gripes e resfriados", aconselha a infectologista.
"Covid longa não é frescura. Ela é real e acontece. Na maioria das vezes, melhora sem tratamento mesmo. Mas, em outros, a depender do quanto os sintomas afetam a rotina do paciente, é aconselhada a procura de ajuda de profissionais da saúde", afirma.
Ao perceber a persistência dos sintomas, o paciente deve procurar o especialista que possa ajudar em cada caso, como otorrinolaringologista em caso de alterações no olfato e no paladar, neurologista para sintomas cerebrais e fisioterapeutas ou educadores físicos quando o sintoma é fadiga.
Reabilitação
A Rede Sarah oferece um programa de reabilitação para pacientes com sequelas neuropsicológicas da covid, que levam a problemas no cotidiano, como dificuldades de lembrar palavras ou alteração da memória, da concepção e do planejamento, conjunto de sintomas conhecidos como névoa cerebral.
O programa foi criado, em 2020, para atender a grande demanda de pessoas com esses problemas. Segundo a doutora Lúcia Willadino Braga, neurocientista e presidente da Rede Sarah de Hospitais de Reabilitação, àquela altura havia 2 mil atendimentos, apenas em Brasília, de pessoas que se queixavam dessas dificuldades neuropsicológicas com atividades cotidianas.
Preocupada em atender essa demanda, a neurocientista decidiu fazer um estudo para investigar o que estava acontecendo. Na amostra de 614 pacientes, todos reclamavam de problemas de atenção, concentração, orientação no tempo e no espaço, fluência verbal e capacidade de planejamento: 64% tinham problema de ansiedade e 47% de depressão.
"No nosso estudo, 75% das pessoas afetadas eram mulheres. Por uma questão hormonal, os homens ficaram mais protegidos, apesar de vários terem os mesmos problemas. Vimos que 90% eram pessoas profissionalmente ativas e com escolaridade alta. Essas pessoas com mais escolaridade, geralmente, têm uma demanda cognitiva grande na vida cotidiana e percebem esses sinais mais rapidamente", disse Lúcia.
Para a reabilitação cognitiva dos pacientes com névoa cerebral, foram estabelecidos grupos psicoeducativos, onde os participantes podem conversar sobre suas dificuldades e receber orientações dos psicólogos. "As pessoas se sentem muito solitárias, porque elas acham que só elas estão mal. Quando entram no grupo, elas percebem que não estão sozinhas. A partir daí trazemos informações sobre o que é a covid longa e como lidar com ela", explicou.
São quatro encontros de duas horas de duração, em que há orientações de como melhorar a memória e a linguagem. "Ao ensinar novas estratégias, como fazer checklists do que se precisa ser feito, vão surgindo novos caminhos no cérebro, o que chamamos de neuroplasticidade", disse. "Muita gente achou que a gravidade da covid, ser internado e entubado, influenciava na névoa cerebral. Mas não houve essa relação. Houve casos de quem teve uma gripezinha no início, mas depois teve sequelas neurológicas importantes."
Na segunda etapa do estudo, foram avaliados os resultados desses grupos psicoeducativos. "Nós percebemos que a avaliação subjetiva do paciente era compatível com o que a gente analisava nos testes. Então quem falou que melhorou da memória, o teste dizia o mesmo, o que mostrou que as pessoas são capazes de se autoavaliar. E muitos apontaram como causa as estratégias que ensinamos nos encontros, como anotações, botar alarmes no celular, organizar o ambiente", afirmou.
A maioria dos pacientes avaliados (70,2%) relatou melhora em sua condição cognitiva, quando comparada à primeira avaliação neuropsicológica. Houve relato de melhora em uso da linguagem (50,7%), atenção (57,5%), memória (57,7%), raciocínio (55,9%) e planejamento (54,2%). Em relação aos sintomas neuropsiquiátricos, houve relatos de redução em ansiedade (43,8%), depressão (62%) e irritabilidade (54%), além de melhora do sono (56,4%).
A primeira etapa do estudo foi publicada, em junho de 2022, na revista NeuroRehabilitation e divulgada na base de dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), avaliando 614 participantes voluntários, por 12 meses, em média, após a infecção inicial, e detalhando a natureza dos sintomas.
Na segunda etapa, 208 voluntários aceitaram participar de reavaliação 25 meses, em média, após a infecção inicial. Ficou demonstrado que, apesar da longa permanência das sequelas, comprovada por exames neuropsicológicos detalhados, a reabilitação oferece um caminho para a recuperação. A segunda etapa foi publicada no mesmo jornal, no fim do ano passado.
Quem tiver interesse em participar do programa de reabilitação pode fazer a inscrição gratuita pelo site https://www.sarah.br/consultas/primeira-consulta/atendimento-brasilia/.
Tratamento
A dona de casa Dorailde Nobre da Silva, 69 anos, é uma das pacientes atendidas pelo programa de reabilitação do Sarah. O contágio dela foi em 2021. Ela tinha antecedentes com asma e bronquite e acabou sofrendo complicações, mas não chegou a ser internada, tendo que ir várias vezes a unidades médicas e fazendo tratamentos com antibióticos e corticoides.
Dorailde passou mais de um ano com problemas na respiração, cansaço e dores musculares, o que acabou acarretando em desânimo e depressão, além de problemas intestinais. Os tratamentos que recebia não surtiam efeito significativo nos sintomas que sentia. Foi por meio da nora que descobriu o programa de reabilitação do centro. "Na primeira consulta, o clínico-geral pediu todos os exames de sangue e de imagem relacionados aos meus sintomas. Logo foi identificado uma carência de vitamina B12 e alta de ácido úrico", relata.
Na etapa dos exames, também descobriu um rompimento na ligação do ombro, mesmo sem ter passado por nenhum acidente que o justificasse. A causa mais provável é a deficiência da vitamina B12, de acordo com a dona de casa.
No programa, Dorailde também teve atendimento psicológico individual por duas vezes, antes de ser encaminhada para a terapia em grupo. "Foi a oportunidade de expor os meus problemas para colegas que passavam pelo mesmo ou pior", lembra.
Nesses encontros, eram ensinadas estratégias para lidar com os sintomas da névoa cerebral, como escrever as tarefas do dia e deixar as anotações em um lugar visível, fazer caminhada ou assistir a um filme. Antes da reavaliação, Dorailde vinha percebendo melhora na qualidade de vida. "Hoje, eu me sinto bem, tenho ânimo, até vou para a academia, voltei a dirigir e perdi peso. Antes, não tinha ânimo para nada", comemora ela, que confessa ainda ter lapsos de memória, mas com frequência bem menor.
A empresária Maria Elizete Lima Falcão, 64, pegou covid no início de 2022, com sintomas leves, como cansaço, dor de cabeça e enjoo. O cansaço foi aumentando com o tempo, ao ponto de não conseguir subir as escadas de casa. Ela relata também aumento da ansiedade e esquecimento. "Esquecia de desligar o fogão, fechar o filtro. Quando lia algo, esquecia sobre o que tratava a leitura e precisava voltar e reler tudo", recorda.
Foram cinco meses enfrentando os sintomas, até que se inscreveu no programa de reabilitação do Sarah. "Melhorei muito com os atendimentos psicológicos na terapia em grupo", atesta. Maria Elizete aprendeu a anotar as tarefas do dia, fazer resumos do que lê e marcar os compromissos na agenda com sinais de alarme. Como também apresentava dificuldade para pegar no sono, foi orientada a desligar todos os aparelhos que emitissem alguma luz na hora de ir para a cama. Os alongamentos a ajudaram a relaxar mais. Ela frequentou o programa por quatro meses no Sarah e percebeu melhoras significativas. "Minha última consulta foi em 20 de março, e os resultados foram satisfatórios", destacou.
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