Quem pensa que corrida é sinônimo de esporte individual, provavelmente não conheceu Ideberto Fernandes Carvalho, de 76 anos, e seu filho Tiago Fernandes Carvalho, 34. Os dois correram juntos os 5km da Maratona Brasília, na manhã de domingo (21/4), que teve a concentração na Praça da Cidadania, localizada no Eixo Monumental, ao lado do Teatro Nacional.
Ideberto corre há mais de 20 anos e Tiago o acompanhava até desenvolver a síndrome de Machado-Joseph, uma doença degenerativa do sistema nervoso que causa dificuldade de locomoção. Também portador de síndrome de Down, Tiago não deixou de acompanhar o pai, que passou a fazer o percurso levando o filho na cadeira de rodas.
"Esta é a segunda corrida que fazemos juntos desta forma. A primeira foi no ano passado, na da Universidade de Brasília (UnB)", contou Ideberto, que correu. Força de vontade compartilhada com muito suor e alegria, seja durante a corrida ou nos momentos de lazer às vésperas da competição, para quebrar a tensão. Na noite de sábado (20), pai e filho foram juntos ao centro de Brasília para assistir ao show do Dj Alok em comemoração ao aniversário da capital federal. Foi a primeira apresentação do artista que Tiago acompanhou de perto. Certamente, a alegria serviu de motivação para os dois na corrida do dia seguinte.
A empresária e corredora amadora Marcela Oliveira Cardoso, de 39 anos, também é apoiadora do lema "família que corre unida permanece unida". Nem que para isso ela tenha que correr 21km com o filho Estevão, de 4 anos, no carrinho. O desafio foi cumprido com sucesso e um sorrisão no rosto, na companhia da amiga Juliana Candido Queiroz, 34. O pai do pequeno Estevão também compartilha a paixão pela corrida e só não estava junto durante o percurso porque optou correr os 42km. "A gente não tem com quem deixar o filho, então trazemos ele conosco. Acho que também é um ótimo exemplo pra ele, porque a corrida ensina dedicação, determinação e superação", defende Marcela.
Espaço para família e para todas as idades, a corrida acolhe quem estiver disposto a se desafiar. Prova disso é o baiano Francisco Lima, que esbanja saúde e alto-astral ao participar de corridas aos 92 anos. Ele viajou de Goiânia (GO) para competir na Maratona de Brasília e completou a prova diante de muitos aplausos. "Comecei a correr aos 75 anos, em 11 de maio de 2008. Ninguém me obriga, faço porque quero e gosto", afirma. O sonho de Francisco é ganhar a São Silvestre e construir uma casa para cuidar de idosos com o prêmio da prova. "Construir um lar para os idosos, uma residência para eles comerem e beberem, terem vida e saúde", contou.
Histórias para contar
Mais do que a satisfação momentânea ao completar uma prova de corrida, participar de eventos esportivos como a Maratona Brasília é a oportunidade de interagir e cultivar memórias. E disso Ofélia Alves Gomides, 76, entende bem. Há 28 anos sendo atleta, dona Ofélia reuniu ótimas lembranças de suas competições. "Tenho muitas medalhas, a maior que ganhei foi no Rio de Janeiro, e das mãos de Tim Maia, com uma foto autografada. Peguei o terceiro lugar", lembra sorridente. Diretamente de Rifaina (SP) para participar da prova dos 5km na Maratona Brasília, dona Ofélia aproveitou o evento para fazer amizade e compartilhar suas histórias.
Ofélia já competiu em Brasília, Rio de Janeiro, São Paulo e Belo Horizonte (MG). E quem acha que suas memórias com pessoas famosas acabaram, está enganado. "Recebi uma medalha de bronze da Roseana Sarney, não me lembro o ano, foi lá no Mané Garrincha", contou. Para praticar e manter a forma, ela corre na rodovia de sua cidade quando não precisa cuidar de sua neta pequena.
Em busca de um sonho
Pedro Henrique Martins Silva, 33, nasceu com paralisia cerebral e começou a correr em 2008 se tornando o quinto melhor corredor paralímpico do Brasil. "Uma coisa fantástica que muda as pessoas é o esporte. Eu trabalhei com a minha mãe no parque Dona Lígia, comecei a caminhar, vi aquele tantão de medalha e falei que era isso que eu queria para a minha vida", relembrou. E assim, Pedro teve uma trajetória de superação e sucesso no atletismo.
"Desde então eu já fui corredor de 100m, 200m, 400m. Já fui bicampeão do Brasil correndo 400m em 59 segundos e hoje estou nos 5 mil metros. Lembrando que eu estou terminando esta corrida agora e vou fazer o treinamento para correr em junho a maratona de Olinda (PE)", informou. Atualmente, o atleta mora em Ceilândia, trabalha na Sam's Club como conferente comercial e está no terceiro semestre da faculdade de jornalismo.
Centrado no objetivo
Já passava do meio dia quando Alcireni Vieira dos Santos, 45, foi o último atleta do percurso de 42km da Maratona de Brasília a cruzar a linha de chegada. Suado e exausto, ele estava feliz em conseguir completar a prova. "Muito top, faz 20 anos que eu corri essa prova e voltei a fazer hoje. Voltei para participar do desafio e hoje encarei a maratona que está dentro da minha base de treinamento. Satisfeito, só gratidão", agradeceu. Alcireni é natural do Piauí, mas mora em Brasília há 23 anos, em Sobradinho.
Quando questionado sobre o motivo de não desistir da corrida, a resposta foi simples: "Eu não estou competindo com os outros atletas, estou buscando condicionamento físico e esse é o meu objetivo: a saúde", afirmou. O supervisor de vigilante também lembrou que pôde apreciar a vista da cidade durante os mais de 40 km da prova. "Isso é o que motiva mais ainda, porque não é só correr, é apreciar a beleza da cidade", completou.
Clube de corrida
O clube de corrida dos funcionários da Neoenergia Brasília levou 110 colaboradores, e mais de 50 familiares, para participarem da Maratona Brasília 2024. Entre os participantes, o principal destaque foi o eletrotécnico Pedro Germano Frota, 31, que completou o Desafio BSB 64 anos ao correr a meia maratona no sábado e a maratona completa domingo. Pedro confessa que tinha "preconceito" com corredores de rua, mas que decidiu dar uma chance ao esporte, já que estava passando por um processo de emagrecimento.
O percurso de domingo foi o mais longo enfrentado até então pelo eletrotécnico. "Foi a primeira vez que eu corri 42km. Meu objetivo para este ano era correr meia maratona, e no primeiro semestre eu já corri uma maratona completa", comemora. "É uma satisfação muito grande, uma realização pessoal estar entre tantas pessoas que buscam qualidade de vida por meio do esporte. Sem dúvida alguma, se não fosse o incentivo de pessoas próximas a mim, eu não teria começado a correr — coincidentemente, essas pessoas são os meus colegas de trabalho", declara Pedro.
Flexões após a prova
A chegada emocionante de Rafael Alfredo, 41, ao completar o Desafio JK de 42km da Maratona Brasília, impressionou todos os espectadores, staffs e atletas presentes. Chorando muito, o gaúcho de Santa Rosa se deitou no tapete da chegada e, para a surpresa dos que achavam que ele estava exausto, começou a fazer flexões, extremamente orgulhoso de si mesmo, em um momento de pura adrenalina. "Comecei a correr aos 36 anos para perder peso e nunca mais parei. Isso é a minha vida!", afirmou emocionado.
O primeiro-sargento do Exército vive na capital há quatro anos e frisou a dificuldade das competições realizadas na cidade. "Brasília é muito difícil para correr. Exige muita tática, é uma baita prova", explicou o atleta.
Rafael está na sua 12ª maratona. Já participou de mais de 20 meias-maratonas e até mesmo de ultramaratonas. "A cada largada é aquele frio na barriga, mas cada maratona ensina algo novo", contou. O militar também elogiou a organização da competição. "Maratona excepcional, não faltou água e o kit é ótimo!", elogiou.
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