José Carlos Coutinho pisou em solo brasiliense pela primeira vez aos 33 anos, em 1968. Formado em arquitetura pela Universidade Estadual do Rio Grande do Sul (UFRGS), chegou à capital para estudar. Inicialmente, os planos eram de fazer um curso por seis meses, mas, despretensiosamente, o semestre foi convertido em quase seis décadas.
Encantado pelas singularidades de Brasília, o arquiteto recém-formado se jogou na experiência desafiadora de viver no Plano Piloto e tornou-se brasiliense de coração. "Eu estava predestinado a este lugar. Acompanhei a construção de Brasília por meio de publicações profissionais e recebi a notícia da vitória de Lucio Costa enquanto estava numa excursão de estudantes de arquitetura, em Roma." O arquiteto conta que, quando soube da vitória, ficou ainda mais entusiasmado e ansioso para conhecer a arquitetura da capital.
Ainda na faculdade, já era entusiasta de Brasília. Aprendeu, de longe, com a construção. "Os debates gerados a partir da nova capital foram fundamentais para minha vida profissional e existencial. Eu sou produto da Universidade de Brasília, profissionalmente e intelectualmente, embora deva muito à UFRGS", diz, deixando um apelo para que a juventude brasiliense, que amadurece agora, se responsabilize pela cidade e conserve cada espaço que há de valioso espalhado pelo quadradinho.
"Embora eu continue amando Porto Alegre, adotei esta cidade como minha. Eu me comprometi com Brasília e me sinto comprometido até a medula", diz. José Carlos confidencia, inclusive, que o seu desejo é ser recolhido ao cemitério Campo da Esperança. Pretende habitar eternamente a cidade da arquitetura grandiosa.
Legado a ser preservado
Brasília o impactou desde o primeiro momento, ainda que fosse composta por poucas quadras. José Carlos confessa que, para ele, Brasília é uma cidade que cativa. "As pessoas chegam cheias de preconceitos, cheias de expectativas e de temores, mas, à medida que se deixam cativar por Brasília, nutrem uma grande paixão", destaca, lembrando que com ele foi exatamente assim.
Questionado acerca dos lugares que mais o cativam, responde prontamente que é um admirador dos traços que formam a Rodoviária do Plano Piloto. "É realmente um projeto à parte, todo mundo cita o Palácio da Alvorada, mas ninguém vê o projeto genial do Lucio Costa. A rodoviária se situa na fronteira da arquitetura e do urbanismo, é ela quem faz funcionar. É uma obra notável de arquitetura, com uma belíssima estrutura que abriga um espaço grandioso", pontua."Brasília é, sem dúvidas, um êxito internacional, uma conquista do urbanismo moderno", afirma o arquiteto, enquanto observa a tradicional Igrejinha Nossa Senhora de Fátima, onde concedeu a entrevista.
Para o especialista, Brasília precisa, agora, de um sistema de planejamento moderno e uma atualização permanente, para além de viadutos que, em suas palavras, não são capazes de resolver os problemas urbanos da cidade. "É preciso pensar no crescimento e na distribuição da população. Há problemas que são previsíveis e os emergentes precisam receber atenção imediata", ensina.
O professor acredita ser essencial que as testemunhas das transformações pelas quais a cidade passa as levem às próximas gerações. "Eu gosto sempre de chamar a atenção para um lugar que é um dos mais belos de Brasília e é tratado como uma dádiva da natureza: o Lago Paranoá. Foi, no entanto, concepção de um homem que aqui esteve antes da construção de Brasília, o grande paisagista e botânico francês Augusto Glaziou. Esse nome não pode ser esquecido. Essa história deve ser ensinada nas escolas, os nomes devem ser passados às novas gerações", pontua.
"É nosso dever preservar aquilo que representou avanços em relação ao urbanismo. Hoje, nós assistimos com muito temor a essa sanha do desenvolvimento imobiliário da cidade, que vai devorando os valores e testemunhos materiais dessa grande conquista arquitetônica."
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