Nascida em Porto Alegre, a doutora e diretora-presidente da Rede Sarah, Lúcia Willadino, 65 anos, se dedica a trabalhos na área da neurociência há mais de quatro décadas. Ela conta que, enquanto ainda cursava a graduação na Universidade de Brasília (UnB), na década de 1970, desenvolveu pesquisas com crianças do Hospital Sarah Kubitschek, associando experiências musicais a tratamentos de reabilitação.
A história da médica em Brasília começou praticamente junto com o início da cidade. "Foi uma infância muito interessante, porque não existia nada. A Asa Norte praticamente não existia e, na Asa Sul, era muito pouca coisa", recorda-se. "Eu, como criança, achava que cada criança crescia junto com a cidade. Lembro-me da primeira padaria e do primeiro cinema — que foi o Cine Cultura, na W3 —, por exemplo", destaca. "Além disso, na minha quadra, ninguém tinha carro e, quando compraram o primeiro, foi quase uma invasão de privacidade", brinca a neurocientista.
Para a médica, foi muito interessante viver aquela época. Ela percebia que a população, principalmente os mais jovens, se sentia parte da construção da cidade. "Além disso, como éramos muito poucos habitantes, parecia uma cidade do interior. Quase todos os dias havia evento de inauguração e, como Juscelino Kubitschek sempre ia, para mim, ele era como um prefeito", compara Lúcia.
Ela ressalta que, apesar de haver um sotaque próprio atualmente, no início da cidade, não era assim. "Naquela época tinha, por exemplo, a minha família, que era gaúcha, além de mineiros, paulistas, cariocas e pernambucanos. Era uma grande diversidade de 'idiomas'", relata. "Fomos aprendendo aquelas palavras e construindo um 'português brasiliense'", observa a médica.
A diretora-presidente da Rede Sarah destaca uma lembrança engraçada das inaugurações das quais participou. "No início, Brasília era aquela terra vermelha, pois estava tudo em obra. Então, tinha uma coisa que a gente chamava de 'grama da inauguração'", comenta. "Quando ia inaugurar algo na cidade, o caminhão levava a grama, desenrolava, molhava, tinha o evento, depois enrolavam e levavam para outra inauguração", acrescenta a neurocientista.
Lúcia também se recorda de outro momento cômico: "Houve um dia que apareceu lá na Escola Parque — que era o único lugar onde tinha evento cultural — um cartaz escrito 'conserto de piano'. Só que o pessoal foi achando que seria alguém tocando e, na verdade, tinha um homem consertando o piano, concretamente".
Transformação
Apesar de ser uma neurocientista de sucesso, Lúcia revela que, no início, nem passava pela sua cabeça seguir nessa área. "Entrei na área de música muito cedo. Aprendi a ler partituras antes mesmo de ler palavras e estudei na primeira escola de música, quando ela ainda ficava na W5. Quando entrei na UnB para fazer composição e regência, aquilo que tive como educação na minha infância, me encontrei na universidade. Era praticamente um 'mundo aberto', e acabei pegando matérias de outras áreas como optativas", comenta.
Naquele momento, ainda no começo da graduação, a médica diz que se interessou pelo desenvolvimento cognitivo e uma professora sugeriu fazer dupla opção para psicologia, pois a área da neuropsicologia estava emergindo naquele momento. "Acabei escrevendo um projeto de pesquisa para o CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), que foi aprovado. Só que desacreditaram ele. Mesmo assim, trouxe para a Rede Sarah e, em 1977, o diretor da época deixou que eu aplicasse o projeto. Deu muito certo, tanto que, dois anos depois, fui contratada e estou aqui até hoje", destaca.
Potencial
Para ela, Brasília tem em seu DNA o potencial de dar espaço à criação. "Essa é a marca que a cidade deixou em mim e em todas as crianças que viviam aqui no começo de tudo. O fato de ser uma cidade pioneira, deu a possibilidade para essas pessoas de criar projetos, seja na área de saúde, seja na cultura ou na educação", observa.
Lúcia, que é uma admiradora das belezas naturais de Brasília, afirma ser importante para o futuro da capital que ela siga como um grande centro gerador de ciências, de arte e de cultura. "Penso que temos esse potencial criativo imenso. O fato de sermos um 'céu sem montanhas' nos permite expandir em termos de ideias, de pensamentos, de conceitos, de teorias, além de provar, descobrir e gerar coisas novas."
Saiba Mais
Depoimento
“Aqui é o lugar onde eu converso com meus vizinhos. Foi onde evoluí como pessoa, aprendi a ser aguerrida e a lidar com as dificuldades. (Brasília) moldou a forma como eu vejo o mundo. Consegui correr atrás dos meus sonhos e construí minha família: meu esposo e minha filha são daqui. Hoje, eu me considero brasiliense, pois incorporei muito da cultura daqui. Esse quadradinho rouba nossa atenção. Sou aficionada e apaixonada por ele."
Thais Segtowick, 31 anos, paraense radicada em Brasília. É moradora do Guará e trabalha como atendente
Gostou da matéria? Escolha como acompanhar as principais notícias do Correio:
Dê a sua opinião! O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores pelo e-mail sredat.df@dabr.com.br