"Eu cheguei a Brasília aos 7 anos e fui estudar na Escola Classe 106 Norte. Minha família morava na 105, ali existiam pouquíssimas quadras, era um poeirão medonho." O relato é do empresário Venceslau Calaf, 69 anos, nascido no Rio Grande do Sul, mas morador da capital desde 1962. Ao longo das mais de seis décadas vividas no quadradinho, acompanhou de perto o crescimento das árvores, as transformações das pistas e a chegada dos novos moradores. Em 1990, inaugurou o Calaf Bar, no Setor Bancário Sul, ponto que se tornaria um dos espaços mais tradicionais de Brasília.
Descendente de espanhóis catalães, é o caçula de três filhos, e foi o único a nascer no Brasil. "Meu pai ouviu Juscelino Kubitschek falar da capital e quis vir para cá. Entregou a fábrica de confecções que tinha em Bento Gonçalves, onde nasci, para o irmão dele, e veio embora." Logo que chegou, a família montou um restaurante, na 105 Sul, cujo nome era Venceslaus.
As lembranças que Calaf preserva da infância foram vividas nas quadras do Plano Piloto. Ao lado dos irmãos, percorria as ruas de bicicleta, enquanto se afogava na poeira, que pairava por todo lado. "Eu acompanhei o crescimento de todas as árvores que foram plantadas nas superquadras, algumas ainda existem e têm mais de 50 anos. Eu me lembro que, na época, tinha um guarda que não deixava a gente pisar na grama, mas, mesmo assim, nós jogávamos bola ali", conta sorrindo, como quem, a partir de uma recordação, faz uma viagem no tempo.
Calaf frequentou as escolas públicas do DF e, quando terminou o ensino médio, foi cursar geologia na Universidade de Brasília. Após o nascimento da primeira filha, enfrentando dificuldades na área de formação, abandonou o trabalho, no qual atuava havia 15 anos indo e vindo da Amazônia, para abrir o próprio bar.
Sucesso
Quando criou o boteco, em 1990, Calaf não imaginou que o negócio seria tão promissor. Inicialmente, não queria abrir aos sábados e domingos, pois participou ativamente do negócio da família, e sabia que o trabalho em restaurante era pesado. Contudo, o sucesso aconteceu, de fato, quando o local passou a oferecer feijoada com música, nos fins de semana, nos anos 2000.
"Os funcionários do Banco do Brasil vinham muito aqui. Quando tinha greve, todo mundo passava para tomar uma cerveja antes das assembleias, e como alguns desses funcionários eram músicos, eu os convidei para tocar aqui. Por isso, começou a feijoada com chorinho no Calaf."
Foram muitos anos de sucesso, mas, após a pandemia, o bar permaneceu fechado por quatro meses, depois de 32 anos em atividade. A insistência do público, porém, ajudou o espaço a se reerguer. Reinaugurado, o boteco segue com a agenda lotada com eventos de samba, choro e de diversos estilos musicais. Hoje, às terças-feiras, há samba no Calaf. Quem toca é o 7naRoda, grupo tradicional que une músicos de várias partes do DF.
"Eu sou candango. Não nasci em Brasília, mas eu cheguei com 7 anos. Eu saía para trabalhar fora, mas sempre permanecia morando na capital", reforça. Calaf vive no Lago Sul há 30 anos e é pai de três mulheres, todas brasilienses — durante a entrevista, orgulhoso, fez questão de ressaltar que elas têm sotaque candango. "Brasília é um ótimo lugar para se criar filhos. Minha infância foi muito boa, até hoje eu mantenho contato com o pessoal das quadras. Casei-me com uma menina que conheci na 107, inclusive."
Para o futuro, espera que a capital preserve tudo o que construiu e que cresça ainda mais, para que as próximas gerações de moradores tenham a oportunidade de desfrutar as belezas que ele testemunhou nascer.
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