Com o terço na mão, apoiado em um andador, de joelhos. De diversas formas, milhares de fiéis fizeram o percurso até o topo do Morro da Capelinha para manifestar devoção. Muitos para agradecer pelo pedido atendido, outros para rezar e rogar pela solução de um problema. Todos concentrados naquele momento de oração que, mais tarde, foi concluído com a encenação da provação sofrida por Jesus até ser crucificado e, depois, ressuscitar.
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"Fui desenganado pelos médicos quando sofri um acidente de moto, há cinco anos", disse Jefferson Pereira, 47 anos, ao relatar o porquê de estar subindo o Morro da Capelinha apoiado em um andador. O aposentado contou que sua fé o ajudou a vencer a tetraplegia. "Primeiro, fiquei acamado, depois, em uma cadeira de rodas. Hoje, consigo andar, ainda que com dificuldade, e venho agradecer pela benção que tive ao conseguir me recuperar", ressaltou.
Jefferson fez o percurso de Planaltina (GO), onde mora, até o morro, acompanhado do filho, do irmão e do sobrinho, que o ajudaram a levar uma cadeira e uma caixa com velas. Mesmo cansado, ele não escondeu a alegria. "Fico até com vontade de chorar, pois é preciso ter muita fé para não se abater com as dificuldades da vida", destacou.
Próxima à capela Nossa Senhora de Fátima, Júlia Lino, 22, subia o Morro da Capelinha de joelhos. Com um terço na mão e a imagem de Jesus estampada na camiseta, a jovem confidenciou que, no ano passado, fez uma promessa para que o irmão, desde então preso, pudesse acompanhá-la até a Via Sacra.
A graça não foi alcançada, mas, mesmo assim, ela quis encarar o desafio em gratidão à força mantida durante essa luta. "Sempre tive o costume de vir e celebrar a data, mas essa é a primeira vez que pago uma promessa. Tenho fé de que, no ano seguinte, meu irmão estará ao meu lado neste sacrifício", assegurou, em lágrimas e acompanhada da irmã Vitória Barbosa, 14.
Em meio à vegetação, no caminho por onde passou a via crucis, a família de Amanda Félix, 25, se acomodou com guarda-chuvas e mochilas, para aguardar o início da encenação. A dona de casa contou que o objetivo do grupo é ficar no morro até o fim da celebração. Para isso, fizeram questão de levar mantimentos e cobertores para os pequenos Miguel, 5, e Rafael, 1.
"Trouxemos pão de queijo, cachorro-quente, maçã, banana, água e refrigerante. Antes de chegarmos, caprichamos no protetor solar e no repelente", descreveu. No terceiro ano que compareceu ao evento, levou os filhos, o marido, a sogra e a cunhada, e se preparou para ir à capela agradecer as bênçãos, o amor e a saúde sua e da família.
Milagres
Ao pé da cruz, Dorgelene Dias, 51, era só sorrisos por conseguir vencer o percurso de joelhos. Abraçada à filha, Terezinha Frazão, 15, a vendedora disse ao Correio que foi ao Morro da Capelinha cumprir a segunda promessa. "Quando minha menina tinha pouco mais de 1 ano, ela desenvolveu um problema cardíaco sério. Os médicos tinham poucas esperanças de que ela ficaria bem. Então, prometi que quando ela completasse dois anos, eu viria ao morro, também de joelhos, agradecer pela benção da vida dela. E assim fiz", detalhou.
Dorgelene não poupou beijos e abraços na filha, e continuou: "Depois de receber a primeira graça, fiz a promessa de que voltaria aqui, com o mesmo sacrifício, quando ela (a filha) completasse 15 anos. E aí está minha menina, linda e saudável, ao meu lado nesta luta. Ela é um milagre", destacou, levando Terezinha às lágrimas.
Orando sob a imagem de Nossa Senhora de Fátima, Maurício Oliveira, 38, vestia a mesma camiseta que a esposa, Ana Cláudia Oliveira, 37, e as filhas Júlia, 7, e Mariana, 5. A estampa, que continha uma cruz e um coração, envolvidos em fogo, fazia referência à Paróquia Sagrado Coração, frequentada pela família, em Planaltina. O designer chegou ao morro para celebrar a graça da recuperação da filha caçula, que passou por uma grave doença no cérebro e hoje está 100% bem.
"Foi algo muito repentino. Ela estava com uma virose e, após um tempo internada, o vírus foi para o cérebro. Ficou na UTI (Unidade de Terapia Intensiva) e não conseguiu andar por um tempo. Fizemos a promessa de vir juntos quando ela se recuperasse e cá estamos", disse Maurício. Curiosamente, a Via Sacra tem um significado a mais para a família, pois foi o local onde o casal se conheceu e começou a namorar. "Temos o costume de vir desde os nossos 20 anos", acrescentou.
Comércio
Comerciantes e vendedores ambulantes aproveitaram a movimentação para alavancar as vendas no feriado. Ao pé do morro, o militar Edson Gonzaga, 48, trabalhava na barraca da Paróquia São Sebastião, que vendia salgados — todos sem carne nem frango —, refrigerantes, doces e água. “O movimento sempre é menor pela manhã. À tarde, com a encenação, tem mais gente e as vendas aumentam”. Devoto, teve como primeiro compromisso no dia subir à capela e agradecer as bênçãos divinas.
Já para o vendedor Alex Leal, 53, o movimento foi melhor pela manhã, visto que vende camisetas com a imagem de Jesus e de santos, além de terços produzidos por ele mesmo. “Cheguei às 5h, vindo de Taguatinga, para aproveitar o pessoal que sobe o morro para pagar promessas. O movimento está bom, mas, desde o pós-pandemia, não é tão intenso quanto antes”, lamentou.