Saúde pública

Dengue: especialistas fazem balanço dos dois meses de epidemia

Em entrevista ao Correio, infectologistas fazem uma avaliação do cenário da doença no DF. Identificar os sintomas graves a tempo e reforçar a vacinação são medidas fundamentais para vencer epidemia

Somente neste ano, o Distrito Federal acumula 186 mortes por dengue, segundo o Painel de Monitoramento das Arboviroses, do Ministério da Saúde, número 26,5 vezes maior do que a quantidade de óbitos registrada em 2023. Desde que o Governo do DF (GDF) decretou situação de emergência por conta da doença, em janeiro, foram abertas tendas de hidratação e um Hospital de Campanha (HCamp) da Aeronáutica, além de iniciada ações de vacinação contra o vírus para adolescentes entre 10 e 14 anos. Mesmo assim, o contingente de casos e mortes continua acima do esperado e a superlotação das unidades de saúde, tanto pública como privada, ainda preocupa. A reportagem do Correio conversou com especialistas que avaliaram o cenário da dengue e fizeram projeções para os próximos meses. 

A infectologista Joana D'arc Gonçalves ressaltou que a dengue sempre foi um desafio e, no período chamado interepidêmico, isto é, entre duas epidemias, houve falhas no estabelecimento de ações de controle de criadouros do Aedes aegypti, tanto no envolvimento da população nas medidas de prevenção quanto nas atuações intersetoriais e multidisciplinares dos órgãos de vigilância sanitária.

"Correr atrás do prejuízo é uma tarefa árdua diante de todos os demais problemas crônicos que se somam. Ter um vetor capaz de transmitir inúmeras doenças, inclusive de forma concomitantes, é de tirar o sono de qualquer gestor. A reorganização dos serviços de saúde em um cenário tão complexo representa um desafio para todos, mas reconhecer que essa é uma batalha coletiva contribui para melhoria da assistência e prevenção de novos surtos", avalia a especialista. 

Ciclos endêmicos

De forma semelhante, André Bon, infectologista do Hospital Brasília, de Águas Claras, destacou que, em um sistema de saúde relativamente saturado, qualquer epidemia leva a uma tensão. Nos casos da pandemia de covid-19 e da epidemia de dengue, o aumento de casos em um curto período de tempo leva a uma pressão significativa nessas estruturas, especialmente nos pronto-socorros. "Vale lembrar que a imensa maioria dos casos (de dengue) são leves e não precisam de internação, porém uma eventual reavaliação é sempre necessária", pondera. 

Entre os fatores que contribuem para a manutenção de ciclos endêmicos de diferentes doenças, como zika, chikungunya e covid- 19, estão as condições climáticas favoráveis para proliferação de diversos vetores, típicas de países tropicais, e o número acentuado de pessoas vivendo em situação de vulnerabilidade social, conforme explica Joana D'arc.

Em relação à dengue, André Bon assegura que a imensa maioria dos casos são leves ou não graves, de forma que uma proporção pequena pode evoluir para casos graves, nos quais aparecem os famosos sinais de alarme, como dor abdominal intensa e contínua, vômitos persistentes, tontura, sangramentos, dentre outras manifestações. "Esses pacientes precisam ter prioridade no atendimento, pois estão evoluindo para a fase crítica e vão necessitar de hidratação venosa e observação hospitalar por pelo menos 48 horas", alerta. 

Rotina nos hospitais 

Segundo o infectologista do Hospital Brasília, o alto número de óbitos neste ano está mais relacionado a questões epidemiológicas do que a uma estrutura de atendimento hospitalar no DF. Isso porque, com uma população muito grande que já teve um primeiro episódio de dengue e, agora, está passando novamente pela doença, o risco de desenvolver formas graves é maior. "É difícil acreditar que o DF tenha um sistema de saúde muito pior que o restante do país. Então, muito provavelmente, isso está relacionado a questões epidemiológicas", defende. Ainda de acordo com o médico, a maior probabilidade é que os casos comecem a diminuir em abril, conforme as chuvas forem cessando. 

Bon acrescenta que os pacientes mais suscetíveis à forma grave de dengue são aqueles que já tiveram o primeiro episódio da doença anteriormente. Além disso, apenas evolui para óbito quem desenvolve o tipo grave não identificado a tempo, não classificado adequadamente ou que não recebe hidratação. Nesse contexto, uma das apresentações mais comuns da forma grave é o choque, no qual a pressão fica muito baixa e o organismo perde a capacidade de perfundir os órgãos, levando a alterações da função renal e hepática, por exemplo. 

Pessoas com sintomas de dengue devem ser orientadas de forma adequada e por profissional de saúde. Caso isso não seja possível, devido a grande demanda, o ideal é procurar as informações em sites oficiais do governo como o da Secretaria de Saúde ou do Ministério da Saúde, recomendou a especialista Joana D'arc. "É fundamental que saibamos reconhecer os sinais de alarme, pois, na presença desses sintomas o atendimento médico é imprescindível. Ainda assim, a maioria das pessoas que se infecta não apresenta indícios, por isso, nem sempre há necessidade de ir ao hospital, visto que muitas sabem que a hidratação é imprescindível para evitar complicações. Na dúvida, busque atendimento nas unidades de referência da sua região", ressalta a médica. 

Vacinação

Francisco das Chagas, 48 anos, é farmacêutico e vive dias de apreensão. O filho João Pedro, 14, está com dengue há exatamente uma semana. Como as plaquetas do adolescente baixaram, ele precisou fazer o controle, indo a um hospital da rede particular diariamente para tirar sangue e fazer a contagem. Como pai, Francisco conta que se sentiu angustiado ao ver o filho nesta situação. "O coração fica apertado, nós ficamos preocupados, tentando adivinhar o que o ele está sentindo", comenta.

Quanto à vacina contra a dengue, Francisco reconhece a grande importância que o imunizante tem na prevenção da doença e assegura que pretende levar João Pedro para tomá-la assim que for possível.

Ele conta que conhece ao menos oito pessoas que pegaram a doença, das quais três a manifestaram de forma grave, e fez um apelo para as pessoas se cuidarem e cuidarem dos seus lares, evitando a proliferação de mosquito. "Nós devemos nos hidratar bem e passar repelente, para evitar o risco de gerar criadouros de mosquito e o contágio das outras pessoas no mesmo ambiente doméstico ou até no trabalho. Devemos manter nossas casas limpas", enfatiza.

No início de março, o GDF ampliou a faixa etária para imunização contra a dengue — que era de 10 a 11 anos e foi expandida para até os 14 anos —, devido à procura pela vacina da Qdenga. Em vista disso, André Bon reforça que a principal forma de fazer as pessoas aderirem à vacinação é investir em campanhas que sejam de fácil entendimento e acessíveis à população. Horários flexíveis e estendidos em postos e clínicas de vacinação, para além do horário comercial, maior proximidade aos domicílios e campanhas de vacinação em locais de trabalho e nas escolas são algumas estratégias que podem melhorar a adesão ao imunizante. 

De acordo com a infectologista Joana D'arc, não há melhor argumento para defender as vacinas do que a história. A eliminação de doenças como poliomielite, controle do sarampo, erradicação da varíola, entre outras são apenas alguns exemplos da importância dos imunizantes. "Acredito que continuamos falhando nas estratégias de acesso, pois muitas pessoas não vão aos postos por questões básicas, como receptividade, horário de atendimento, informação não confiável, falta do insumo, etc. Saltam aos olhos a precariedade de algumas unidades de saúde, são fragilidades antigas e que, mesmo diante do enorme esforço de alguns órgãos e governo, vamos padecer com as consequências do investimento pífio de longas datas", analisa.

Vale reforçar

Para prevenir a dengue, é necessário erradicar os criadouros do Aedes aegypti, que põe suas larvas em ambientes ao ar livre com água parada. Entre os cuidados essenciais para combater a reprodução do mosquito, estão:

- A caixa d'água, as lixeiras e os ralos devem estar sempre bem tampados;

- Os pratos de suporte de plantas devem conter areia;

- As calhas devem estar limpas;

- As piscinas não usadas devem estar cobertas;

- Terrenos baldios não devem conter lixo e pneus abandonados;

- Repelentes devem conter Icaridina 20-25%, DEET 10-15% e IR3535. Caso for aplicar outros itens como protetor solar ou hidratante, a dica é usar o repelente por último. No caso de criança, fique atento se o produto é de uso pediátrico.

*Colaborou Luiza Marinho, estagiária sob a supervisão de Márcia Machado

 

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Arquivo pessoal - "A situação atual continua grave e reconhecer que essa é uma batalha coletiva contribui para melhoria da assistência e prevenção de novos surtos" Joana D'arc Gonçalves, infectologista

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- Os pratos de suporte de plantas devem conter areia;

- As calhas devem estar limpas;

- As piscinas não usadas devem estar cobertas;

- Terrenos baldios não devem conter lixo e pneus abandonados;

- Repelentes devem conter Icaridina 20-25%, DEET 10-15% e IR3535. Caso for aplicar outros itens como protetor solar ou hidratante, a dica é usar o repelente por último. No caso de criança, fique atento se o produto é de uso pediátrico.