Você lembra o que estava fazendo em 18 de março de 2020? Amanhã, completam-se quatro anos desde a publicação do decreto que estabeleceu o lockdown no Distrito Federal, devido à pandemia da covid-19. Tudo foi fechado. Somente atividades essenciais podiam funcionar. E as ruas da capital, mesmo nos horários de pico, ficaram desertas de pessoas e de veículos. Uma cena nunca antes vista na história.
O impacto foi tão grande que um artigo publicado por pesquisadores da Universidade de Brasília (UnB) na revista PLOS One revela, por meio da leitura de ruídos sísmicos, que o DF chegou a ficar de 20% a 30% mais silencioso durante o auge da adoção de medidas restritivas.
Aquele foi um dos períodos mais dramáticos da história mundial recente, pessoas morriam com uma doença desconhecida pelos médicos e cientistas; com cidadãos perdendo o emprego; empresas quebrando e, como se não bastasse, uma ampla circulação de fake news e o negacionismo que tentava minimizar o maior problema de saúde pública deste século. O Correio ouviu, na semana passada, histórias de pessoas que tiveram suas vidas afetadas pela pandemia. Gente que perdeu parente, que adiou projetos de vida, além de profissionais de saúde que atuaram na linha de frente nos hospitais e os especialistas.
Para a comerciante Alyne Nonato, 31 anos, a pandemia foi um drama impossível de esquecer. Hoje, ela é proprietária de um bar na 408 Norte, estabelecimento que pertencia ao pai José Nonato e ao tio Valdivino Nonato. "Tio Valdivino morreu em abril de 2021, com covid-19. Meu pai sentiu muito o baque e se foi no fim do mesmo ano. Eles conviveram diariamente durante 20 anos trabalhando no bar. Meu pai não aguentou."
Quando foi decretado o lockdown, Alyne ficou cerca de quatro meses falando com o pai somente por telefone. Com o comércio fechado, ele passou a acumular dívidas. "Meu pai chegou a cogitar desistir do negócio. Mas era o que ele sabia fazer e de onde tirava o sustento. Se fechasse o bar, ele e meu tio passariam fome", afirma. Para amenizar a crise, Nonato inovou. "Lembro que ele fez uma espécie de delivery: as pessoas ligavam, pediam a bebida, ele separava, e os clientes buscavam", acrescentou.
A morte do tio, e logo em seguida, do pai, não foram as únicas consequências da covid-19. Nesse período, Alyne perdeu o emprego. "De repente, fui demitida. Desde então, passei a me dedicar exclusivamente ao estabelecimento que havia herdado", contou Alyne.
Passados quatro anos, Alyne reflete sobre a vulnerabilidade do ser humano. "A vida é um sopro. Perdi parentes para a doença, e o meu pai de tristeza. Foram momentos muito difíceis. A gente não podia acompanhar o doente no hospital. Tínhamos que esperar a ligação do médico uma vez por dia, para saber do quadro de saúde. O enterro, então, era a pior coisa que havia: caixão fechado e sem poder se despedir direito. A gente não tinha tempo nem para chorar", lamentou.
Do começo da pandemia até o boletim mais recente, divulgado em 12 de março, 940.197 pessoas pegaram covid-19 na capital. Deste total, 11.978 morreram em consequência da doença. Vendedor de flores do Cerrado, Guajará Ferreira, 59, trabalha em frente à Catedral de Brasília há 40 anos. Logo que foi decretado o lockdown, foi direto para a casa por medo de morrer com covid-19. "Foi um momento bastante difícil. Sempre trabalhei por conta própria, desde criança. Aquilo (o lockdown) fez com que o dinheiro parasse de entrar", observou. "Acabei gastando todas as economias que tinha juntado para viajar e ver a família. A prioridade, obviamente, acabou sendo a sobrevivência", afirmou.
Ferreira lembra que a sensação, durante aquele período de isolamento, era terrível. "Ficar só dentro de casa, afetou muito a minha vida. Era como se estivesse em uma prisão, quase entrei em depressão", revelou. "Também perdi parentes e amigos para a covid-19. Era uma apreensão muito grande ver parentes internados, sem saber o que fazer. Fiquei muitos dias sem dormir, preocupado com o que iria acontecer", desabafou o vendedor.
Medo
No dia em que o lockdown foi decretado no DF, Kleber Karpov, 52, estava com a passagem comprada para Portugal, com partida para 15 de abril. Ele havia sido aceito em duas universidades lusitanas para fazer mestrado. "Estávamos com tudo pronto para viajar, quando houve o fechamento das fronteiras. Temi perder as vagas, pois, em caso de não comparecimento, configuraria desistência. E, em uma das universidades, já havia pago a matrícula", ressaltou.
Além do risco de ficar sem o mestrado, Karpov temia a possibilidade de um afastamento familiar brusco. "Tinha medo de que minha esposa e meus filhos não pudessem estar comigo (em Portugal). Ficou aquela loucura: saber se as fronteiras seriam reabertas até a data-limite da realização da viagem e, sobretudo, se eu poderia viajar com esposa e filhos ou não. Mas, no fim das contas acabou dando tudo certo, todos estão aqui (em Portugal)", disse.
Falta governança
Mas o que fazer para evitar uma nova pandemia e o caos na saúde vivido durante a covid-19? Especialista em gestão pública e professor da Universidade de Brasília, Marilson Dantas afirmou que a gestão da saúde pública continua demonstrando fragilidade mesmo após a pandemia. "Estamos enfrentando uma epidemia de dengue, que afeta uma quantidade significativa da população, e fica explícito que as fragilidades não foram resolvidas e a população sofre com a falta de uma gestão organizada (em saúde)", avaliou.
Para ele, após a covid-19, o Governo do Distrito Federal poderia ter implementado um sistema de governança para corrigir a fragilidade da gestão dos sistemas de saúde pública. Essa organização ajudaria a enfrentar os desafios, que serão cada vez mais frequentes nos próximos anos, e permitiria evitar momentos como os vividos no auge da pandemia.
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