Entrevista | Celina Leão | vice-governadora do DF

"É necessária uma rede de proteção para mulheres", afirma Celina Leão

Ao CB.Poder, a vice Governadora destaca a importância de programas de apoio às vítimas de violência doméstica

CB Poder recebe Vice Governadora Celina Leão. Na bancada, Ana Maria Campos e Carlos Alexandre de Souza -  (crédito:  Ed Alves/CB/DA.Press)
CB Poder recebe Vice Governadora Celina Leão. Na bancada, Ana Maria Campos e Carlos Alexandre de Souza - (crédito: Ed Alves/CB/DA.Press)

No Dia Internacional da Mulher, a vice-governadora do Distrito Federal, Celina Leão, destacou, nesta sexta-feira (8/3), a importância de ações para combater a violência doméstica. Aos jornalistas Ana Maria Campos e Carlos Alexandre Souza, no programa CB.Poder — parceria entre Correio e a TV Brasília — Celina ressaltou que o feminicídio não acaba no ato do crime, pois causa uma ferida incurável na família. Programas como o Acolher Eles e Elas servem como um apoio a esses órfãos. Atualmente, mais de 300 crianças recebem esse benefício.

O que a mulher do DF pode comemorar?

As mulheres do Brasil e do mundo precisam comemorar este dia, pois devemos lembrar de outras mulheres que abriram espaço para que nós pudéssemos viver em uma sociedade mais igual. Há poucos anos não podíamos sequer participar da política, isso é uma construção de outras. A comemoração é importante para relembrar o passado e marcar o futuro. Em relação ao Governo do Distrito Federal (GDF), acredito que estamos avançando muito nas políticas públicas voltadas às mulheres com programas específicos. Mudamos protocolos de atendimento dentro das nossas delegacias, ampliamos a medida protetiva com o botão Viva Flor, criamos o cartão dos órfão de feminicídio, temos a ação Mulheres nas Cidades, que serve para capacitá-las. Todas as secretarias estão envolvidas com o tema, mas ainda sabemos que somente o governo seria incapaz de mudar um conceito que tem uma carga histórica de machismo, patrimonialismo e muito arcaica. Precisamos discutir isso com nossos filhos, pais e até mesmo avós. Na Secretaria da Mulher (SMDF) temos cursos para os homens que são encaminhados por conta de alguma violência e buscam ressignificar e repensar.

Essa causa pelo aumento da participação das mulheres nas estruturas de poder e de decisões foi algo que você sempre abraçou?

Esse é o tema do meu coração. Sou filha de uma grande mulher, minha mãe é uma goiana que foi a primeira secretária feminina da Comissão do Estado de Goiás. Minha casa era palco de mulheres abrigadas pela minha mãe, pois eram vítimas de violência. Elas ocuparam um quartel da PM abandonado para que lá se estabelecesse uma casa-abrigo, e até hoje ela existe. A minha história na luta contra a violência às mulheres é de família, ao ver as ações da minha mãe. Esse tema é algo que ainda mexe muito comigo. Ontem (quinta-feira), eu estava no Paranoá, onde levamos um curso de capacitação chamado Mulher na Cidade, isso para elas se capacitarem e, ao mesmo tempo, poderem fazer denúncias. Quando comecei a falar sobre a possibilidade das queixas, quase 10 mulheres começaram a chorar e foi muito forte, era como se elas tivessem pedindo pelo amor de Deus. Acho que esse é o nosso dever, não só esperar que a mulher vá à delegacia. Estamos invertendo um pouco isso e indo às comunidades. Esse programa vai para o Itapoã na semana que vem, e além dos cursos, temos essa troca de experiência com elas. Das vítimas de feminicídios aqui no DF, 70% não tinham um registro de ocorrência anterior ao crime, mas 65% delas já haviam sofrido algum tipo de violência, ou seja, o crime dá sinais, o governo vê números e (os casos) devem ser denunciados.

No contexto do feminicídio, a formação e qualificação das mulheres é muito importante, pois um dos fatores que sempre vem à tona é a questão da dependência econômica das mulheres. Como o GDF pretende reforçar essa questão e tornar as mulheres melhores financeiramente?

Nós temos esses programas dentro da própria Secretaria de Desenvolvimento Econômico Trabalho e Renda (Sedet), com o QualificaDF e o RenovaDF, em que quase 80% dos participantes são mulheres. Temos vagas garantidas para um público de vulnerabilidade, com mulheres em situação de rua e de violência. Há outro programa da SMDF que vai fazer a busca daquelas que ainda não têm o registro de ocorrência. E elas vão fazer um curso no primeiro momento e após as palestras descobrimos casos de agressões às mulheres, violência psicológica, física e também patrimonial. Essa capacitação que está sendo feita, tem dado condição  a essas mulheres de saírem da situação de violência. Sabemos que todos os dias ocorre isso. O Brasil é o quinto país mais violento para as mulheres, para se viver também. Todos os dias enfrentamos isso. O GDF tem dado essa qualificação por meio desses programas, existem outros também, como o da Secretaria de Estado de Justiça e Cidadania (Sejus). O que eu percebo é que quando geramos uma oportunidade, elas agarram isso com unhas e dentes, vão à luta.

 Muitas vezes, mulheres que são agredidas não conseguem sair do relacionamento, por conta do envolvimento emocional, familiar e os filhos. Como sair dessa situação?

Tenho certeza que a saída para essa situação é uma rede de proteção, discutindo com outras mulheres que estão passando pelo mesmo problema. Nós vamos lançar um programa com a SMDF e teremos núcleos em todas as cidades, com acompanhamento, para que elas possam falar com outras. Iremos soltar esse edital que está quase pronto. A rede de proteção existe por intermédio de várias entidades que participam conosco e da própria SMDF que já tem 12 núcleos. Eu falava para Gisele (Ferreira, secretária da Mulher), a gente não pode ter apenas 12 (núcleos), se temos 36 cidades, pois a mulher precisa compartilhar isso com alguém, e deve entender que outra pessoa já esteve na situação dela e conseguiu sair daquele ciclo de violência. Quando  a pessoa consegue se perceber em uma outra mulher, ela se sente amparada e consegue se libertar. Há uma confusão até nos sentimentos, a posse não é amor! "Nossa, ele gosta tanto de mim, que vigia 24h. Gosta tanto que quer olhar meu WhatsApp. Ele me ama muito." Isso não é amor, é posse! Quando você não consegue identificar isso, ela vai trazendo reações no seu relacionamento, chegando a agressões físicas e, depois, o feminicídio. O registro da ocorrência desses crimes que antecedem o feminicídio é muito importante.

Por que você acha que esse tema ganhou tanta repercussão? Foi pelo fato de as pessoas estarem se importando mais? Ou eles realmente aumentaram?

Nós tivemos a classificação do crime como feminicídio. Antes tínhamos uma subnotificação desse crime quando classificamos — feminicídio —, mas o Brasil mudou. O crime existia, mas era classificado como homicídio, agora não. Quando estávamos na Câmara, ele virou um crime autônomo, isso nos traz a informação que, mesmo no inquérito, quando está sendo investigado, colocamos como feminicídio para depois descartar caso não seja. Acho que traz luz um problema secular do Brasil, que é o preconceito e violência contra as mulheres. O que é inadmissível, é que vivemos na era da comunicação e informação, em que se entende que há uma civilização e ainda temos esses crimes bárbaros. É algo que nos faz refletir e tentar entender o motivo da mente machista ainda cometer esses crimes.

Você citou, em outro momento, um estudo para a criação de um programa que conta com o trabalho voluntário de alguns profissionais para ajudar mulheres que estão em situação de violência. Poderia explicar como funciona?

Isso é exitoso na área da educação e já temos a ajuda de custo. Pessoas como essas (voluntários) são fundamentais para área da educação. Levamos isso para a Secretaria de Estado de Esporte e Lazer (SelDF), e tivemos vários professores que estavam sob nossa coordenação fazendo ações e atividades no DF. Agora estamos levando isso para as nossas mulheres. A ideia é fazer um edital chamando mulheres da área de psicologia, pedagogia e terapia ocupacional que queiram participar. Elas ganham uma bolsa como ajuda de custo, farão isso 20 horas por semana. Tem muita gente que quer ajudar. Recebemos muita solidariedade. A ideia é chamarmos 500 mulheres, acredito que vai ser um sucesso e o edital está quase pronto para ser lançado.

Quais são as ações para ajudar as famílias após o feminicídio? Poderia explicar como funciona a bolsa para órfãos desse crime?

O DF foi o primeiro estado que lançou esse programa. Agradeço muito ao governador Ibaneis Rocha (MDB), pois quando levei o tema, ele, de imediato, acatou o pedido. Hoje é uma realidade, temos aí mais de 300 crianças recebendo essa bolsa. Os tutores que foram designados pelo Judiciário cuidam dessa bolsa. Eu sempre falo, o feminicídio é um crime continuado e não finaliza no ato. A criança cresce com o pai preso, a mãe morta e em um ambiente totalmente diferente do que ele poderia viver. É bem complicado.

A senhora havia mencionado que antes do feminicídio há uma série de agressões e, muitas vezes, as crianças presenciam isso.

Isso mesmo. Alguns desses órfãos que presenciaram o crime estão recebendo da SMDF um apoio psicológico e todo o atendimento. Quando criamos a bolsa, falamos o seguinte. "Deixa eu ver o que está acontecendo após o crime." Vamos cuidar dessas famílias, e quando nos aproximamos delas, percebemos a destruição total da família. Sempre falo para não deixar de denunciar, pois isso salva vidas. Não perdemos nenhuma mulher que está debaixo do programa Viva Flor, são quase 3.000 aderentes.

*Estagiário sob a supervisão
de José Carlos Vieira

 

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postado em 09/03/2024 06:00
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