Criminalidade

Um raio-x da violência que castiga o Distrito Federal

Estudo solicitado pelo Correio à Polícia Civil mostra que a maior parte das vítimas tinha entre 18 e 24 anos

Mesmo com centenas de casos de mortes violentas, estudo indica redução em ocorrências por armas de fogo. Especialista diz que DF é seguro -  (crédito: Maurenilson Freire)
Mesmo com centenas de casos de mortes violentas, estudo indica redução em ocorrências por armas de fogo. Especialista diz que DF é seguro - (crédito: Maurenilson Freire)

Os crimes violentos letais intencionais (CVLI) vitimaram 1.069 pessoas, no Distrito Federal, entre 1º de janeiro de 2021 e 7 de fevereiro de 2024. Os dados fazem parte do relatório do Departamento de Inteligência, Tecnologia e Gestão da Informação da Polícia Civil do DF, elaborado a pedido do Correio. O raio-X dos CVLI engloba óbitos por homicídios dolosos, feminicídios, latrocínios e lesões corporais seguidas de morte. Traz também dados como a faixa etária das vítimas e os meios que foram utilizados para ceifar suas vidas.

De acordo com o Informativo Criminal 27/2024, a maior parte das mortes que passam dos cem casos são de pessoas entre 18 e 24 anos, um total de 231 (21,61%). Em segundo lugar, o grupo com 25 a 30, que somam 205 vítimas (19,18%). Na penúltima e última posições, respectivamente, as faixas etárias de 31 a 35 anos (147 ou 13,75%) e de 36 a 40 (131 ou 12,25%). Menores de idade, subestratos etários dos assassinados acima dos 40 ou que não tiveram a idade identificada representaram 355 (66,79%).

O principal meio usado nos ataques foram as armas de fogo, com 375 ocorrências. Entretanto, o seu uso vem caindo. Em 2021, houve 140 CVLI com elas; em 2022, 125; e em 2023, 101. Até 7 de fevereiro, o Distrito Federal computou nove mortes violentas por disparos.

Também se registrou a diminuição no uso de objetos perfurocortantes — facas, machados, espetos, entre outros. Das mortes investigadas pela Polícia Civil do DF, 316 resultaram da utilização desses instrumentos, o que representa 34,35% dos casos. Entre as datas levantadas, houve redução ano a ano, sendo 113, 103 e 95, respectivamente, em 2021, 2022 e 2023. Entre 1º de janeiro e os sete primeiros dias do mês seguinte, houve cinco ocorrências do tipo. 

Violência física resultante em falecimentos representou 15,54% do estudo. Foram 46 casos em 2021; 44 em 2022; e 49 em 2023. Este ano ocorreram quatro óbitos dessa natureza e ainda 86 assassinatos por outros tipos de violência (9,35%).

Para o sociólogo e professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie Rodrigo Prando, os registros mostram que a sociedade brasileira, historicamente, sempre foi bastante violenta. O especialista cita que não existe uma única causa, evidenciando vários fatores, como questões psicológicas, comportamentos, problemas sociais e institucionais.

"Não há como escondermos os números de mortes violentas. Se o assunto é complexo, não há como pensar de maneira simples, por parte do Poder Público. E é necessário que, no âmbito da sociedade, seja valorizado o diálogo, que reduz qualquer conflito ou violência. Mas nem sempre isso acontece", explica.

Perfil

O perfil das vítimas por CVLI mantém a constante de diferenças raciais e de gêneros. A maior parte das 1.069 vítimas são do sexo masculino, representando 83,72% das mortes violentas ou 895 óbitos. Mulheres, no mesmo período, figuraram em 173 ocorrências (16,18%). Um corpo não teve o gênero identificado (0,09%).

No quesito raça, a maior parte dos assassinados não teve a pele determinada, somando 759 mortes (71%). Apesar de não se especificar qual a etnia dessas vítimas, aparentemente o dado se refere a negros, pois, em segundo lugar estão os pardos, com 253 mortos (23,67%), seguidos dos brancos, 55 (5,14%), e amarelos, 2 (0,19%).

A presidente da Comissão de Segurança Pública da Ordem dos Advogados do Brasil do DF, Ana Izabel Gonçalves de Alencar, afirma que as mortes violentas têm por base a falta de políticas públicas, sobretudo para os jovens. Para a advogada, é importante mais atenção ao aprimoramento do capital humano. "É preciso investir mais nas escolas, inclusive, incentivando o esporte no período contrário às aulas e investindo no menor aprendiz, que é um excelente projeto para os nossos jovens. (Também se necessita) continuar auxiliando a população, aumentando mais o número de assistentes sociais para apoiarem as pessoas em situação de rua ou de extrema pobreza", aponta Ana Izabel, que acrescenta: "A polícia precisa continuar com as operações para confiscar armas, principalmente as ilegais".

A presidente destaca, ainda, que as pessoas atingidas pela violência devem fazer seu papel com denúncias às autoridades. "Sempre faça o boletim de ocorrência. Isso permite que a segurança pública possa criar estratégias para reprimir o crime organizado", considera.

Confronto

Não apenas a população, entre si, mas também os agentes de segurança do Estado acabam atingidos. Em serviço, segundo o levantamento, foram identificados 47 policiais vítimas de mortes violentas. E, no mesmo período, outros três perderam a vida em situações que a Secretaria de Segurança Pública do DF não detalha como se deram.

Leonardo Sant'Anna, especialista em Segurança Pública, pontua que os dados obtidos pelo Correio revelam que a criminalidade é um dos grandes problemas que necessita um olhar mais atento do Poder Público. Isso fica evidenciado, segundo ele, pelos dados: entre 2021 e o início de 2024, 47 pessoas morreram em enfrentamentos com as forças de segurança.

"Os números são ligados a confrontos entre policiais, bombeiros, entre outros, com essas pessoas que acabam morrendo numa ação do Estado", pontua. "É um número que revela preocupações porque há crime, mas também evidencia que temos um dos menores índices de letalidade nacionais. Isso demonstra que Brasília é uma região do país que consegue resolver conflitos, sem precisar de utilizar mecanismo letais", completa.

O sociólogo Rodrigo Prando acrescenta que, sobre os números de mortes em confrontos policiais, deve-se avaliar as circunstâncias em que ocorreram. Ele cita que os óbitos registrados no DF no período podem ter ocorrido após as forças de segurança terem sido recebidas pelos suspeitos de maneira hostil.

"Pode ser que os policiais foram recebidos a bala, ocorrendo, também, as mortes deles, se pensarmos em alguns tipos de crimes — como roubos a banco pelo chamado 'Novo Cangaço' ou até de traficantes que dominam determinados territórios na cidade. Os bandidos, antes, corriam (da polícia). Hoje eles trocam tiros (com ela)", explica.

Relato de uma mãe

"Uma dor que nunca vai passar de alguém que sempre estará guardado no meu coração." É o relato de Jucineide Souza, mãe do cobrador Ariel Santos Marques, assassinado com um tiro na cabeça durante um assalto a um ônibus, no Recanto das Emas, em outubro do ano passado. A morte do jovem está inserida na estatística de crimes violentos cometidos em 2023, na capital federal.

Ariel chamava a mãe de rainha. Com um sorriso no rosto, para o jovem não tinha tempo ruim, como conta a mãe. Desde a morte do rapaz, a rotina da dona Jucineide mudou bastante, já que não há mais as ligações do filho contando sobre os seus filhos. "Eu e Ariel, além dos meus outros filhos, sempre fomos muito apegados. Ele era alegria pura. É uma dor insuportável saber que quem eu tanto amo não está mais aqui e, não vou mentir: choro quase todos os dias pela falta dele, mas há pessoas que me dão suporte para aguentar toda essa dor no meu peito", lamenta.

No fim do ano passado, dona Jucineide, acompanhada do marido, viajou para Rio Verde (GO) para passar a virada do ano. Lá, o casal encontrou um homem bastante parecido com Ariel. "Ele era muito parecido com o meu filho. Inclusive, usava uma roupa igualzinha à que ele trabalhava no transporte público. É um sentimento de achar que ele vai voltar, sabendo que não é possível", conta.

"Mesmo morando no Entorno, às vezes preciso ir para Brasília e sempre pego o ônibus da empresa na qual o Ariel trabalhava. Sabe o ônibus vindo e a gente tendo a expectativa de que será o meu filho lá dentro daquele coletivo, me esperando?", relata. "Me perguntam sempre: como é perder um filho? Eu digo que não é viver. Uma parte de mim se foi. Mas, sigo firme, porque sou base de outras pessoas. Se eu desabar, acabo levando todos comigo. E não é isso que eu quero: quero ser forte. É o que o Ariel sempre foi", completa.

 

Relato de uma mãe

"Uma dor que nunca vai passar de alguém que sempre estará guardado no meu coração." É o relato de Jucineide Souza, mãe do cobrador Ariel Santos Marques, assassinado com um tiro na cabeça durante um assalto a um ônibus, no Recanto das Emas, em outubro do ano passado. A morte do jovem está inserida na estatística de crimes violentos cometidos em 2023, na capital federal.

Ariel chamava a mãe de rainha. Com um sorriso no rosto, para o jovem não tinha tempo ruim, como conta a mãe. Desde a morte do rapaz, a rotina da dona Jucineide mudou bastante, já que não há mais as ligações do filho contando sobre os seus filhos. "Eu e Ariel, além dos meus outros filhos, sempre fomos muito apegados. Ele era alegria pura. É uma dor insuportável saber que quem eu tanto amo não está mais aqui e, não vou mentir: choro quase todos os dias pela falta dele, mas há pessoas que me dão suporte para aguentar toda essa dor no meu peito", lamenta.

No fim do ano passado, dona Jucineide, acompanhada do marido, viajou para Rio Verde (GO) para passar a virada do ano. Lá, o casal encontrou um homem bastante parecido com Ariel. "Ele era muito parecido com o meu filho. Inclusive, usava uma roupa igualzinha à que ele trabalhava no transporte público. É um sentimento de achar que ele vai voltar, sabendo que não é possível", conta.

"Mesmo morando no Entorno, às vezes preciso ir para Brasília e sempre pego o ônibus da empresa na qual o Ariel trabalhava. Sabe o ônibus vindo e a gente tendo a expectativa de que será o meu filho lá dentro daquele coletivo, me esperando?", relata. "Me perguntam sempre: como é perder um filho? Eu digo que não é viver. Uma parte de mim se foi. Mas, sigo firme, porque sou base de outras pessoas. Se eu desabar, acabo levando todos comigo. E não é isso que eu quero: quero ser forte. É o que o Ariel sempre foi", completa.

 

Crimes

Meio empregado

Instrumentos 2021 2022 2023 2024 Vítimas Total (%)

Arma de corte 113 103 95 5 316 34,35%

Arma de fogo 140 125 101 9 375 40,76%

Violência física 46 44 49 4 143 15,54%

Outros 32 19 32 3 86 9,35%

Total 331 291 277 21 920 100%

Características da vítimas

Faixa etária Vítimas Total (%)

De 0 a 5 anos 6 0,56%

De 6 a 11 anos 4 0,37%

De 12 a 15 anos 17 1,59%

De 16 a 17 anos 26 2,43%

De 18 a 24 anos 231 21,61%

De 25 a 30 anos 205 19,18%

De 31 a 35 anos 147 13,75%

De 36 a 40 anos 131 12,25%

De 41 a 45 anos 105 9,82%

De 46 a 50 anos 74 6,92%

De 51 a 55 anos 47 4,40%

De 56 a 59 anos 22 2,06%

Maior de 59 anos 34 3,18%

Não informado 20 1,87%

 

Raça Vítimas Total (%)

Amarelo 2 0,19%

Branca 55 5,14%

Não informado 759 71,00%

Parda 253 23,67%

 

Sexo Vítimas Total (%)

Desconhecido 1 0,09%

Feminino 173 16,18%

Masculino 895 83,72%

Características da vítimas

De 0 a 5 anos 6 0,56%

De 6 a 11 anos 4 0,37%

De 12 a 15 anos 17 1,59%

De 16 a 17 anos 26 2,43%

De 18 a 24 anos 231 21,61%

De 25 a 30 anos 205 19,18%

De 31 a 35 anos 147 13,75%

De 36 a 40 anos 131 12,25%

De 41 a 45 anos 105 9,82%

De 46 a 50 anos 74 6,92%

De 51 a 55 anos 47 4,40%

De 56 a 59 anos 22 2,06%

Maior de 59 anos 34 3,18%

Não informado 20 1,87%

Total 1069 100,00%

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Vítimas de CVLI, por raça

Amarelo 2 0,19%

Branca 55 5,14%

Não informado 759 71,00%

Parda 253 23,67%

Total 1.069 100,00%

 

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Vítimas de CVLI, por sexo

Desconhecido 1 0,09%

Feminino 173 16,18%

Masculino 895 83,72%

Total 1.069 100,00%

 

 


 

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postado em 08/03/2024 06:00
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