INVESTIGAÇÃO

Justiça nega devolver celular de delegado da PCDF alvo de operação do MP

Segundo juiz, aparelho interessa as investigações e só poderá ser devolvido após a conclusão do caso. Thiago Peralva está envolvido em uma acusação de stalking contra a ex-namorada do ex-delegado-chefe Robson Cândido

O Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT) negou restituir o aparelho celular do delegado Thiago Peralva, alvo de uma operação do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) em novembro do ano passado, no caso envolvendo o ex-delegado-chefe da Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF) Robson Cândido.

A defesa de Peralva pediu o reconhecimento da nulidade da apreensão do celular dele, além da restituição do aparelho. No entanto, o juiz Frederico Ernesto Cardoso Maciel citou que o delegado afastado, que comandava a 19ª Delegacia de Polícia (Ceilândia Norte), não estava em Brasília no dia da operação e, quando retornou à capital federal, entregou o celular a policiais da Corregedoria da PCDF. Ou seja, de forma voluntária.

O magistrado ainda afirmou que o celular interessa nas investigações, fora que o próprio aparelho está bloqueado porque o delegado não forneceu a senha.

“Dessa forma, não há que se falar em nulidade da apreensão do aparelho celular, visto que o acusado Thiago Peralva, ciente da decisão judicial que determinou a apreensão do seu aparelho celular, além de outros dispositivos eletrônicos, entregou voluntariamente seu aparelho celular”, escreveu Frederico.

“Quanto à restituição do aparelho celular, descabido o pedido. O aparelho celular ainda interessa ao processo e não será restituído antes do trânsito em julgado da sentença penal (art. 118 do CPP). Não há prejuízo à defesa do réu. Caso a defesa entenda que a perícia do aparelho celular do acusado Thiago Peralva seja indispensável à sua defesa, é facultado ao mesmo fornecer a senha do aparelho, por livre vontade”, completou o juiz.

Peralva é apontado pelo MP por auxiliar o então delegado-chefe Robson Cândido, em perseguir a ex-namorada do chefe. Por este caso, o delegado é réu desde janeiro, pelos crimes de stalking (perseguição); corrupção passiva, por três vezes; intercepção telefônica ilegal, por duas vezes; uso do sistema OCR do Departamento de Estrada e Rodagem (DER-DF); e uso do sistema VIGIA, da PCDF.

A reportagem procurou a defesa de Peralva, mas não obteve resposta.

O caso

Robson Cândido é réu e vai responder por 10 crimes cometidos contra a ex-namorada, utilizando muito deles a estrutura da segurança pública. Os crimes são stalking (perseguição); violência psicológica; descumprimento de medida protetiva; peculato, por três vezes; corrupção passiva, por três vezes; intercepção telefônica ilegal, por duas vezes; uso do sistema OCR do Departamento de Estrada e Rodagem (DER-DF), por diversas vezes; uso do sistema OCR do Departamento de Trânsito (Detran-DF) por 30 vezes; violação do sigilo funcional do sistema OCR do Detran; uso do sistema Vigia, no âmbito da Operação Falso Policial, por 96 vezes; e uso do sistema Vigia, no âmbito da Operação Alcatéia, por 58 vezes.

A denúncia que levou a dupla a se tornar réu revelou que, além da vítima ter tido o número colocado em uma interceptação telefônica na 2ª Vara de Entorpecentes — amplamente divulgado pelo Correio, a dupla “plantou” antes o número da jovem em uma investigação já encerrada que tramitava na 1ª Vara Criminal de Ceilândia.

Peralva plantou o número da vítima no sistema Vigia, a mando do ex-chefe, no âmbito da Operação Falso Policial, que investigava crimes de extorsão em Ceilândia. A operação durou de 13 a 28 de setembro, sendo finalizada coincidentemente no dia após a vítima procurar a 27ª Delegacia de Polícia (Recanto das Emas) para relatar os abusos que sofria.

Para o MP, a jovem não tinha nenhuma relação com os crimes e a única intenção era saber os passos da vítima, além de saber com quem ela falava e os lugares que frequentava. Ao todo, Peralva — que manuseava do acesso ao sistema — fez consultas diárias e por diversas vezes, totalizando nada menos que 96 acessos.

Porém, segundo as investigações, Peralva incluiu o número da vítima, em 26 de setembro, em uma outra interceptação telefônica em curso, agora na 2ª Vara de Entorpecentes que apurava tráfico de drogas, no âmbito da Operação Alcatéia. O ato prosseguiu até 31 de outubro, quando Cândido já havia deixado o cargo máximo da corporação. Nessa, ao menos 58 vezes a vítima foi monitorada pelo ex-chefe da delegacia de Ceilândia, a mando do chefe.

OCR

Entre o período de 6 de agosto a 22 de setembro, Cândido utilizou indevidamente o sistema OCR administrado pelo DER-DF, por meio de demandas dirigidas à Divisão de Inteligência Policial (DIPO) da corporação, para localizar a placa da vítima. A ferramenta é utilizada para ler com mais clareza placas dos veículos e ajudar a monitorar motoristas que estão em situação irregular, além de ser um aparelho em que ajuda as forças de segurança.

O ex-delegado-chefe da corporação, em 6 de agosto, com o propósito de descobrir onde a ex-namorada se deslocava, acionou a inteligência da corporação para verificar uma “situação supostamente criminosa” envolvendo um veículo.

Para explicar o porquê da consulta, Cândido enganou um dos delegados e contou que o carro estava sendo envolvido em um “esquema de estelionato relacionado a leilões”. Ocorre que o veículo era da ex-namorada dele. A mesma situação ocorreu, ao menos, em outras cinco vezes. Em todas, o ex-delegado-chefe era municiado de informações colhidas pela DIPO com o sistema OCR do DER.

Não satisfeito, o ex-delegado-chefe também solicitou as informações de OCR a Peralva. Os promotores citam que, ao todo, Peralva acessou 30 vezes o sistema para obter informações sobre o deslocamento da vítima, principalmente na região onde ela residia, em Águas Claras.

O intuito era diminuir os pedidos de Cândido à inteligência, a fim de evitar exposições. O ex-chefe só conseguiu acesso ao sistema por meio de uma conta de outro policial civil, entre 20 e 29 de setembro. Dos 30 acessos, 24 foram realizados na própria residência de Peralva — sendo repassadas todas as informações da localização da vítima ao chefe.

Pesquisas

Um dos pontos revelados pelo MP na nova denúncia são pesquisas que Robson Cândido buscou na internet. No Google, o ex-delegado-geral pesquisou “crime de stalking”, “localizar ERB (Estação de Rádio Base) de celular”, “pesquisar OCR de carro”, “interceptação telefônica”, “uso de viaturas improbidade” e “passo a passo de processo de violência contra mulher”.

Os dados foram encontrados no aparelho apreendido do ex-chefe da corporação. Para o MP, as buscas “traduz-se em uma verdadeira confissão dos delitos já denunciados e expõe o nível de obsessão nutrido por Robson em relação à vítima e demonstram que os atos criminosos por ele praticados foram minuciosamente premeditados”.

Cândido está solto e utiliza tornozeleira eletrônica, assim como Peralva. Recentemente, o MP teve um pedido de prisão contra o ex-delegado-chefe da PCDF negado. Cândido está solto desde 29 de novembro do ano passado, após ficar quase um mês detido.

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