O avanço da covid-19 e da dengue preocupa a população do Distrito Federal desde janeiro. O mal-estar, a superlotação das emergências e o deficit de Unidades de Terapia Intensiva (UTI) são fatores que, somados, geram incertezas e receios sobre como proceder em relação a cada doença.
O Correio esteve na tenda de hidratação de Santa Maria, na Unidade de Pronto Atendimento (UPA) do Gama e na Unidade Básica de Saúde (UBS) 9 do Cruzeiro, para identificar como o brasiliense tem lidado com a ameaça de ambas as doenças.
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Em Santa Maria, Elisângela Alves, 48 anos, aguardava por um parente que realizava o teste rápido para a dengue. Debilitada e com máscara, a professora comentou que sentia dor nos olhos, irritação na garganta e estava com febre. O diagnóstico, para sua própria surpresa, foi covid-19. "Achei que fosse dengue, porque toda a minha família teve a infecção", comentou. A suspeita também teve outro motivo: a proximidade de casa com uma região de mata que, possivelmente, poderia acumular focos do mosquito. "Para piorar a situação, tem muito descarte irregular de lixo onde moramos", lamentou. Vacinada com todas as doses contra a covid, a professora espera se recuperar em breve.
Jhonathan Lima, 24, tomava 500ml de soro e dipirona a duas fileiras de distância de Elisângela. Com olhos avermelhados, ele reclamava de dor no corpo, enjoo e febre. "Fui atendido rapidamente, pois cheguei muito mal, fraco e com as vistas escurecendo", contou. Quando os sintomas começaram, na terça-feira passada, o auxiliar de cozinha não teve dúvidas de que se tratava de dengue. "Não cogitei que fosse covid-19, porque não senti alteração no paladar nem no olfato. Além disso, meu primo, que também veio buscar medicação, foi picado (pelo mosquito Aedes aegypti) e está doente".
Diante da incerteza entre estar com uma ou outra doença, houve quem recorresse a ambos os testes, como a fiscal de loja Laila Damacena, 31, que, logo nos primeiros sintomas — forte dor no corpo e febre alta — realizou o exame de covid-19. Deu negativo. Porém, como os incômodos continuaram e abrangeram vômitos, diarreia e dor nos olhos, fez o teste rápido para a dengue. Deu positivo. "Fui ao 'postinho' em busca do teste (para a dengue), mas tinha acabado, sem contar o longo tempo de espera, três horas. Aqui (na tenda), fui atendida rapidamente e consegui tomar soro", disse a moradora de Santa Maria.
O marido de Laila, que a amparava nos braços, Jurandir Sobral, 49, afirmou que teve a doença no início de janeiro e também em fevereiro. "Na segunda vez, foi muito pior, fiquei bastante debilitado, apesar de não precisar de internação. Procurei atendimento na UPA do Gama, onde esperei quatro horas para ser chamado e passei a noite tomando soro". Segundo a Secretaria de Saúde do DF (SES), a tenda de Santa Maria tem capacidade de atender a até 250 pessoas e a média de pacientes diários é 203. O espaço, que era um galpão cultural, foi cedido pela administração regional em vista da alta procura, também do Entorno, por assistência médica.
Internação
Na UPA do Gama, a atendente Rayssa Machado, 20, aguardava para ir embora, depois de três dias de internação. No último sábado, procurou atendimento na unidade, mas não conseguiu. "Estava lotado, e deram prioridade aos idosos. Então, voltei para casa". No dia seguinte, sem conseguir andar e com febre alta, retornou ao local, necessitando prontamente de uma cadeira de rodas.
"Fiz o teste e deu positivo para dengue. Como estava muito fraca e não parava de vomitar, me internaram, mas, em vez de me recuperar em um leito, fiquei todo o tempo sentada em uma cadeira dura", lamentou. Ao lado da jovem, havia travesseiros e cobertas, que ela usou para tentar tornar o espaço um pouco menos desconfortável.
"Pelo que me recordo, umas 10 pessoas estavam na mesma situação que eu, internados nos corredores. Era uma bagunça e uma correria, pois toda hora chegavam novos pacientes. Então, não tinha como dormir", relatou. Rayssa, que teve a doença duas vezes, disse que, sem dúvidas, a segunda vez foi a pior. "Mas agora estou me recuperando e só precisarei retornar à UPA para verificar a quantidade de plaquetas". Segundo o Instituto de Gestão Estratégica de Saúde do DF (Iges-DF), a UPA do Gama possui nove leitos, e sua taxa de ocupação está em, aproximadamente, 258%.
"Implementamos um reforço na equipe de trabalho, com consultório exclusivo para o atendimento da dengue na unidade, composta por médico, enfermeiro e técnico de enfermagem. Foram criadas salas extras de hidratação para pacientes com a doença, visando oferecer maior agilidade nos atendimentos e permitindo uma rápida reavaliação médica após a hidratação e medicação", disse o Iges em nota.
Quem também contraiu dengue duas vezes foi o estudante Matheus Ribeiro, 16, que procurou soro e medicação na UBS 9 do Cruzeiro. Morador de Águas Lindas (GO), ele fez o teste rápido na manhã de ontem e, em meia hora, recebeu o positivo. "Na primeira vez que tive a doença, foi até tranquilo, porque senti somente dor. Agora, também estou com enjoo, tontura e muita febre", detalhou.
Pico da infecção
Professor e pesquisador em ciências do comportamento, da Universidade de Brasília (UnB), Breno Adaid explicou que o pico de infecções por dengue deve ocorrer entre abril e maio, em vista das questões climáticas, dado que, com mais chuva, a possibilidade de ter mais focos de mosquitos é maior. "Os casos, que estão em aceleração, entram em um pico quando atingem seu nível mais alto e, assim, estabilizam", informou.
No que tange à quantidade de pessoas que podem ser contaminadas nesse pico, o especialista esclareceu ser difícil estimar. "Quanto mais gente se contamina, menor a possibilidade de se contagiar novamente, visto que o indivíduo adquire imunidade. Porém, se nem no pico chegamos e temos mais de 100 mil casos, esse valor certamente pode triplicar ainda este ano", completou. Para frear o aumento de infecções, ações da população e do governo são fundamentais, segundo Breno.
Entre 1° de janeiro e 24 de fevereiro, o DF registrou 55 mortes por dengue, conforme dados do último boletim epidemiológico, divulgado na segunda-feira pela SES, que ainda investiga 82 óbitos. Os casos prováveis da doença somam 100.558, um aumento de 1.449,6% em relação ao mesmo período do ano passado. Com relação a covid-19, o boletim epidemiológico divulgado dia 20 indicou que a capital do país chegou a mais de 933 mil casos, de forma que, somente em uma semana, foram 1,9 mil novas notificações. Além disso, foram três mortes registradas, apenas este ano.
Colaborou Darcianne Diogo
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