O avanço da dengue no Brasil tem colocado o país em alerta, principalmente no Distrito Federal, Rio de Janeiro e Espírito Santo, que decretaram estado de epidemia. Acre, Goiás e Minas Gerais também tinham reconhecido a emergência por conta do aumento de casos. Em entrevista ao CB.Saúde — parceria entre o Correio Braziliense e TV Brasília —, a secretária de Vigilância em Saúde e Meio Ambiente do Ministério da Saúde, Ethel Maciel, alertou para dois novos fatores que têm feito a doença aumentar pelo país com mais intensidade. Às jornalistas Denise Rothenburg e Mila Ferreira, Ethel explicou que o primeiro fator são as mudanças climáticas, com chuvas fortes e calor intenso, o que favorece a reprodução do mosquito transmissor da doença, o Aedes aegypti. O segundo fator é a circulação dos quatro sorotipos da doença no Brasil, o que, de acordo com Ethel, não acontecia no país há mais de 10 anos.
Em março de 2024, completam-se quatro anos que a Organização Mundial de Saúde (OMS) decretou a pandemia da covid-19. Segundo a secretária, a situação está controlada, mas a covid-19 continua sendo a doença infecciosa que mais mata no Brasil. Apesar de 84% da população do Brasil estar vacinada com as duas doses da covid, apenas 6% das crianças brasileiras estão vacinadas contra a doença.
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Estamos em uma epidemia de dengue. Por quê? Essa é uma doença sazonal, tem todo ano. Faltou planejamento?
Há 40 anos, o Brasil convive com epidemias de dengue. As razões são múltiplas, o mosquito é uma delas. Nós temos determinantes sociais, a doença não atinge todos os bairros da mesma forma. Temos problemas estruturais relacionados ao saneamento básico, coleta de lixo, o local onde as pessoas residem. São razões estruturais de muito tempo. Agora, recentemente, temos dois novos fatores: as mudanças climáticas, que atingiram, principalmente com o El Niño ano passado, alguns estados que há muito tempo não tinham nem dengue nem chicungunha. Quando falamos em arboviroses, falamos em dengue, chicungunha e zika vírus. São doenças com sinais e sintomas semelhantes, mas que precisam de diagnósticos diferenciados para sabermos qual doença é, pois a gravidade é diferente. Além das mudanças climáticas e do aquecimento, aqui mesmo no DF estamos vendo muitas chuvas com períodos de calor intenso no mesmo dia, o que favorece muito a reprodução do mosquito. Nós temos também os quatro sorotipos da dengue circulando ao mesmo tempo, o que não acontecia no Brasil há mais de 10 anos. Então, é possível ter dengue quatro vezes. Se você tiver pelo sorotipo 1, não terá de novo por esse sorotipo, mas pode ter pelos outros. Com os quatro tipos circulando ao mesmo tempo, temos um aumento de casos.
Assista a entrevista
A vacina previne todos os quatro sorotipos?
Sim. A vacina foi desenhada para todos os quatros sorotipos. Nos ensaios clínicos, ela apresentou resultados melhores nos sorotipos 1 e 2. Mas, ela foi desenhada para uma eficácia nos quatro sorotipos.
A vacina não foi testada em idosos, mas a população acima de 60 anos é a que tem mais comorbidades. Por que o imunizante não foi testado nessa parcela da população?
Os ensaios clínicos para essa vacina foram feitos em uma população de 4 a 59 anos, portanto a aprovação da nossa agência regulatória é na faixa etária em que há estudos e resultados. Mas, a empresa está fazendo outros estudos e esperamos que tenhamos outras notícias para essa faixa etária que é a que mais nos preocupa. Se analisarmos os óbitos do Brasil todo, e no Distrito Federal não é diferente, as pessoas que morrem mais têm acima de 70 anos. É uma população com a qual temos muita preocupação, mas ainda não é alvo da vacina. Pela análise dos resultados que foram publicados pela empresa e enviados às agências regulatórias, tivemos a recomendação da OMS (Organização Mundial de Saúde) para que a vacina fosse prioritariamente administrada no público de 6 a 16 anos. Por isso que aqui no Brasil fizemos um recorte de 10 a 14 anos. Pegamos a orientação da OMS, mas a empresa não tem uma produção grande da vacina, o Brasil comprou 95% da produção, tudo que tinha disponível o Brasil comprou. Então, tivemos que fazer uma análise mais aprofundada para entender qual era a faixa etária que mais adoecia e mais internava, era essa de 10 a 14 anos.
A vacina esgotou na rede privada. Só há um laboratório produzindo o imunizante. Vão surgir novas vacinas? O Ministério da Saúde vai investir em pesquisas? Quando a população acima de 14 anos vai conseguir se vacinar?
Ainda não temos a data, mas o trabalho está sendo feito. Temos dois grandes produtores de vacina no Brasil: a Fiocruz e o Instituto Butantan. Tivemos reunião com os dois. Com a Fiocruz, há uma possibilidade de transferência de tecnologia da empresa japonesa para a Fiocruz, isso está em andamento. Isso ampliaria muito a produção, porque o Brasil passaria a produzir e nós conseguiríamos avançar para outras faixas etárias. Sobre a vacina do Butantan, foi publicado o artigo dos resultados dos estudos de fase 3, que é a última fase da pesquisa, com resultados excelentes, uma eficácia acima de 80%. Além disso, o diretor do Butantan informou que espera enviar até setembro para a Anvisa para aprovação. Se tivermos aprovação da Anvisa ainda este ano, teremos mais uma vacina.
O Ministério da Saúde lançou, com o Ministério da Educação, uma campanha de mobilização contra a dengue nas escolas. Como vai funcionar isso?
Nós temos um programa do Ministério da Saúde que chama Saúde na Escola, em que os profissionais de saúde vão às escolas trabalhar com diversos temas. Estamos discutindo com o Ministério da Educação há algum tempo a retomada desse programa, ele tinha sido quase extinto porque não havia profissionais contratados para fazerem esse programa. Ano passado, foi aberta uma chamada e mais de 95% dos municípios aderiram ao programa. Neste ano, estamos trabalhando com o Ministério da Educação no que a pasta chama de trilhas educativas. Então, nós vamos trabalhar com crianças e adolescentes vários temas. A vacinação é um deles. Ensinar a importância da vacinação, como age, etc. As crianças são importantes agentes de transformação em suas famílias, levam informação e ajudam no processo educativo da nossa sociedade. A dengue vai ser o nosso primeiro tema, dada a situação do país. Estamos atentos.
Quais são os estados mais afetados pela dengue?
Praticamente todos os estados do Sudeste, DF e Goiás e também o Paraná, com alguns municípios, principalmente da região norte do estado, que tem mais proximidade com São Paulo. O Sudeste preocupa, pelo volume populacional, o Centro-Oeste e o Sul, não pelo maior número de municípios com emergência, mas o Sul é uma região onde há muito tempo não tinha dengue. Estamos trabalhando no Sul para melhoria no manejo clínico. O nosso trabalho no Ministério da Saúde é evitar mortes por dengue. Muitas vezes, não conseguimos evitar a doença, mas a morte é evitável e o tratamento é muito simples, é hidratar a pessoa, mesmo quando ela está esperando a consulta. Com o aumento de casos, tivemos o aumento da procura pelos serviços de saúde e, às vezes, as pessoas esperam entre duas e três horas para serem atendidas. Neste tempo de espera, a pessoa precisa estar sendo hidratada. É preciso ter logo na entrada o que chamamos de análise para ver se a pessoa está com sinal de alerta, quais sintomas e se mostram gravidade ou não. É preciso fazer esse gerenciamento na entrada e começar a hidratação. É uma mudança de processo no atendimento e é assim que estamos trabalhando com os secretários e secretárias no Brasil.
Quais são os principais sintomas da dengue e quando a pessoa deve procurar o serviço de saúde?
Como é uma doença viral, nos primeiros dias ela pode ter dor de cabeça ou febre, o que é muito semelhante a outras viroses. Por isso, nos primeiros sintomas, é preciso procurar o serviço de saúde. Pode ser dengue, covid ou outra doença que precisa ser diagnosticada e monitorada.
Quais são os sinais de alerta que podem indicar um caso de dengue grave?
Se a pessoa está com dor abdominal intensa, vômitos; se o idoso está tonto, não está conseguindo ficar em pé, é preciso procurar imediatamente serviço de saúde. A hidratação é fundamental nessa doença. Os idosos acabam bebendo menos água, pois têm menos sede. É preciso oferecer líquido para idosos e crianças. A hidratação é fundamental para salvar vidas.
Outra coisa importante é que as pessoas fiquem atentas em casa aos criadouros do mosquito, certo?
Exato. Tirar 10 minutos por semana. Uma vez por semana que você pare 10 minutos e olhe as plantas, água parada, lixo. Nem em todo lugar há coleta de lixo todos os dias. Então, é importante deixar o lixo fechado. Não deixar caixa d´água sem tampa, cobrir corretamente. Se alguém vir um terreno baldio, piscina ou poço abandonado, avisar o poder público, para que a prefeitura, agentes de combate possam ir verificar e analisar se tem foco do mosquito.
Em relação à covid-19, em março completam-se quatro anos que a OMS decretou pandemia. Como está a situação da doença no Brasil?
A situação é muito mais controlada depois da vacina do que aquele momento quando não tínhamos medicamento ou vacina e tínhamos até 4 mil pessoas morrendo por dia. Depois da vacina, temos outro cenário, mas a covid-19 continua sendo a doença infecciosa que mais mata no Brasil. Mata mais que a dengue, que a Aids e que a tuberculose. Com as duas doses da vacina, atingimos um percentual grande de cobertura vacinal. Temos 84% da população do Brasil vacinada com as duas doses, então é uma proteção pelo que é recomendado pela OMS. Mas, apenas 6% das crianças do Brasil estão vacinadas contra a covid. É um número alarmante, porque temos crianças morrendo. Só ano passado, tivemos 112 crianças com menos de 1 ano mortas por covid. Isso é muito grave, pensando que é uma doença que já tem vacina. São mortes que não precisariam acontecer. Precisamos vacinar as nossas crianças, por isso o Programa Nacional de Imunizações incorporou a covid-19 como uma vacina do calendário da criança. E temos uma preocupação também com os nossos idosos. Geralmente, com a senilidade, várias coisas acontecem no nosso organismo, uma delas é a diminuição da nossa resposta de defesa. Quando você tem uma infecção, o seu organismo responde de uma forma àquela infecção. E o organismo do idoso tem uma diminuição dessa defesa, assim como aqueles que têm comorbidades, elas também têm diminuição da resposta de defesa. Pessoas com diabetes, HIV, pessoas que estão em tratamento contra o câncer, elas também têm uma resposta da imunidade menor.
O serviço de saúde não está fazendo o teste de covid quando alguém chega com sintomas. Isso é normal?
É muito importante fazer o teste. A orientação do Ministério da Saúde é para que o teste de covid seja feito em todas as pessoas, até para diferenciar o que é covid, o que é dengue ou outras doenças, inclusive influenza. Nós temos medicamentos antivirais para covid. Principalmente as pessoas com comorbidades ou que têm 65 anos ou mais, por conta da resposta menor de defesa, mesmo vacinadas, elas estão aptas a receber esse antiviral. Mas, só é possível receber o antiviral se fizer o teste e iniciar o tratamento até cinco dias depois do primeiro sintoma, para que o medicamento tenha um efeito maior. Então, o SUS fez a compra desses medicamentos, são medicamentos caros, mas eles estão sendo pouco administrados na nossa população por conta de uma diminuição da testagem. O tratamento não pode ser indicado sem a testagem.
Em relação à dengue, no DF, não está sendo feita a testagem da dengue nos primeiros dias de sintoma para não dar o falso negativo. Muitas vezes, as pessoas chegam com sintomas, mas não podem fazer o teste. Qual a recomendação do Ministério da Saúde?
A recomendação é fazer o teste molecular. Vai ter a coleta do sangue para fazer a análise. Até agora, o Ministério da Saúde não indicava o teste rápido, por conta da dificuldade de interpretação, muitas vezes o teste dá falso negativo. Mas, diante da emergência, estamos fazendo uma avaliação técnica de todos os testes disponíveis para que possamos emitir uma outra nota técnica em relação aos testes rápidos especificamente. O teste de rotina continua e tem que ser feito.
E os repelentes?
O repelente é uma possibilidade de proteção. Muitas vezes, a pessoa passa o repelente e acha que não precisa fazer mais nada, e isso não é verdade. Mesmo que você passe o repelente, você precisa avaliar os seus focos, precisa tomar a vacina, principalmente as crianças. Neste momento, temos uma dificuldade de oferta, mas estamos avaliando o que podemos fazer para ampliar esta oferta.
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