Um conflito envolvendo indígenas que ocupam localidades próximas à Via W9 e funcionários da Agência de Desenvolvimento do Distrito Federal (Terracap) ocorreu na tarde desta sexta-feira (2/2) na altura da quadra 308 do Noroeste. Os membros das etnias Bororo, Fulni-ô e Xukuru, que vivem nessas áreas, encontraram servidores da Terracap, acompanhados da Polícia Militar de Brasília (PMDF), no momento em que estavam deixando a ocupação para vender artesanato.
Segundo a professora Potyra Terena, que vive na aldeia dos Bororo, o órgão teria ido ao território para intimidar e tentar expulsar os indígenas. “Fomos pegos de surpresa”, afirmou. “Eles querem pegar nós indígenas vulneráveis, só que a gente não tá, porque a todo momento a gente fica atento”.
Procurada pelo Correio, a Terracap alegou que a operação feita nesta sexta-feira tinha o objetivo de fazer a limpeza das vias de acesso da quadra, mas não foi possível “por intercorrência direta dos ocupantes irregulares da localidade”. Segundo o órgão distrital, a área ocupada pelos indígenas é uma ocupação irregular de uma área pública, obtida pelo DF por meio de acordo feito em 2019 para construção da W9.
Em novembro de 2023, os indígenas denunciaram o Governo do Distrito Federal (GDF) por descaso com o local, quando um cano de esgoto rompeu e causou alagamento dentro da área. “Os moradores (do Noroeste) alegam que a presença da gente incomoda e que aqui não é o nosso espaço. Se esse é o espaço deles que compraram com o dinheiro, é o nosso espaço por tradição territorial e histórica”, sublinha.
Na época, as etnias estavam ameaçadas de serem despejadas do local, que está registrado como propriedade da Terracap, e chegaram a se reunir com a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) para procurar uma solução. Procurada, a Funai não retornou o contato até a última atualização desta reportagem. O espaço permanece disponível para manifestação.
O acordo firmado entre Terracap, Funai, Ministério Público Federal (MPF), Instituto Brasília Ambiental (Ibram) e dois representantes do Santuário é motivo de conflitos entre as partes até hoje. A decisão contemplou o governo distrital com os lotes que ficam em ambos os lados da via, onde ficam as quadras 500, 700 e parte das 300 do Noroeste. Esse tratado, no entanto, segundo os indígenas, foi feito apenas com algumas famílias e escondido do restante dos moradores. Por isso, seria injusta com os demais ocupantes.
Cancelamento da operação
Segundo a PM, acionada para fazer a proteção dos servidores durante a operação, a ação da Terracap foi cancelada tempo após a polícia “contornar os ânimos” dos envolvidos. Em nota, o órgão alega que “um dos indígenas partiu para cima do trator segurando um pedaço de pau com as duas mãos, e um dos agentes da Subchefia de Ordem Pública (SOP) se sentiu ameaçado. Integrante da Resistência Indigena do DF, Potyra Terena afirma que não viu o ocorrido, mas argumentou que “se houve isso, foi pela forma que eles chegaram ao local, sem autorização”.
A ação foi encerrada após os indígenas mostrarem um documento que impediria a Terracap de adentrar o local. Segundo a estatal, os servidores foram impedidos de ver do que se tratava o documento. Potyra alegou ainda que os servidores se retiraram após verem que muitos indígenas estavam filmando e que isso poderia prejudicar a imagem do governo.
O referido documento, de acordo com a Resistência Indígena do DF, é uma resolução do Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), mas não indicou qual resolução seria. Segundo postagem da mobilização, a Defensoria Pública da União já havia notificado a Terracap de que a entidade não poderia entrar na área sem uma ordem judicial. Em 2020, o CNDH expediu a Resolução nº 44, de 10 de dezembro, que “dispõe princípios, diretrizes e recomendações para a garantia dos direitos humanos dos povos indígenas isolados e de recente contato, bem como para a salvaguarda da vida e bem-estar desses povos”.