Crime

A cada hora, cinco ocorrências de estelionato são registradas no DF

Em 2023, foram registradas cerca de 50 mil ocorrências na capital do país, envolvendo golpes eletrônicos, ou com criminosos se passando por terceiros. Inteligência artificial virou uma das armas dos golpistas

PCDF registrou quase 50 mil ocorrências de estelionato no ano passado. Golpes com uso de inteligência artificial estão sendo usado por criminosos -  (crédito: Creative/Commons/Divulgação)
PCDF registrou quase 50 mil ocorrências de estelionato no ano passado. Golpes com uso de inteligência artificial estão sendo usado por criminosos - (crédito: Creative/Commons/Divulgação)

Dados obtidos pelo Correio, por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI), mostram que, em 2023, foram registrados no Distrito Federal 49.931 ocorrências de estelionato — uma média de 136 casos por dia ou cinco por hora. Para as forças de segurança, o uso de aplicativos de celulares, para a troca de mensagem e a tecnologia inteligência artificial (IA), que podem replicar a voz de pessoas próximas e fazer vídeos a partir de fotos, além da clonagem de perfis em redes sociais, são algumas das principais armas dos criminosos.

No ano passado, o mês com o maior número de registros desse tipo de crime foi outubro, com 4.690 ocorrências; seguido por novembro (4.444); e agosto (4.414). A Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF) conseguiu instaurar 582 inquéritos e apontar 171 suspeitos ao Poder Judiciário.

O delegado Erick Sallum, da 9ª Delegacia de Polícia (Lago Norte), revelou que, com a popularização da inteligência artificial surgiram ocorrências envolvendo crimes de estelionato. Os casos que envolvem uso da ferramenta para simular vídeos e vozes com o objetivo de enganar parentes e obter depósitos bancários. Por isso, o investigador alerta que as pessoas devem criar hábitos antigos, utilizados antes da evolução da tecnologia.

"Desconfie de solicitações de depósitos e propostas de terceiros que extrapolem a razoabilidade e hábitos familiares precedentes são um dos caminhos. Criar 'palavras-chaves' com as pessoas mais próximas ou mesmo questionar detalhes da família para confirmar a identidade de terceiros suspeitos. E principalmente não embarcar na ideia de imediatismo que geralmente os criminosos tentam impor, ou seja: o depósito deve ser feito o mais rápido possível. É cilada", explicou.

CID-Estelionatários
CID-Estelionatários (foto: Valdo Virgo)

Vítimas

O empresário Ricardo Almeida* (nome fictício), 61 anos, morador do Lago Norte, recebeu ano passado uma mensagem supostamente do filho dele, no WhatsApp, pedindo dinheiro para pagar dívidas com a instituição financeira. Ricardo não chegou a suspeitar que se tratava de um golpe, tendo em vista que o contato tinha a foto do filho dele — possivelmente retirada do Facebook. Na mensagem, o farsante solicitava um alto valor, que iria cair na conta do "gerente do banco".

"Eu prontamente atendi a solicitação, jurando que era o meu filho. Logo em seguida, quando informei a ele que tinha repassado o valor, a foto do meu filho desapareceu do contato do WhatsApp. Liguei no número do contato e me dei conta que era um golpe. O golpista conseguiu retirar R$ 14 mil da minha conta bancária", disse.

Ricardo relatou que ficou à noite inteira ligando para a instituição bancária na tentativa de reaver o valor enviado por Pix na conta do golpista, mas sem sucesso. A vítima procurou a delegacia de polícia e registrou boletim de ocorrência, informando os dados da pessoa que aparecia na transferência bancária.

"Os agentes da delegacia foram educados comigo, mas disseram que esses crimes são difíceis de alcançar os golpistas, porque os valores podem cair de conta em conta. É um sentimento de revolta, comigo mesmo por ter caído nesse tipo de golpe", disse. "Todo mundo pode estar a mercê dessas pessoas", completou.

O estudante de educação física Lucas Ferreira*, 21, acompanhado da enfermeira Gabriela Freitas (nome fictício), 23, moradores da Asa Sul, também foram alvos de golpistas. Os dois juntaram R$ 35 mil para passar uma temporada fora do Brasil. O casal pesquisou por um bom tempo, quando encontraram uma agência de viagens com valores mais em conta. "Nós passamos três anos economizando uma parte dos nossos salários para realizar o sonho que nos motivava desde a época de ensino médio", contou Lucas.

No entanto, pouco menos de quatro meses antes do embarque, o agente informou que ele tinha perdido o emprego na suposta agência de viagens, porque a empresa acabou falindo. Lucas e Gabriela cobraram a devolução do valor pago — em torno de R$ 15 mil, mas sem sucesso. "Nós procuramos depois informações sobre essa empresa e descobrimos que haviam outras pessoas que caíram em um golpe semelhante ao nosso. Brincaram com o nosso sonho. Nos machucou muito", conta Gabriela.

"Somos fortes e sabemos que tudo há um porquê. Se não deu, é porque não era para ser. Fizemos ocorrência contra o homem que fez negócio conosco e a suposta empresa de viagens. Vamos ver o que acontece, porque desejo que todos os golpistas envolvidos paguem pelo o que fizeram com a gente e outras pessoas que certamente foram vítimas."

O gerente de uma construtora de imóveis, Felipe Matias, 30, também foi outro que não passou ileso. No entanto, o golpe veio de onde ele menos esperava: dentro de casa. Em 2018, Felipe deixou um amigo morar em sua casa, em Vicente Pires. Em julho daquele ano, o então amigo pediu R$ 20 mil emprestado, porque estava supostamente sendo ameaçado por um agiota.

"Eu disse para ele que não tinha essa quantia tão alta e não poderia ajudá-lo. Então, ele me sugeriu que fosse à Cidade do Automóvel, pois lá tinha uma pessoa que emprestaria dinheiro a juros e, deixando o carro lá, eu conseguiria pegar os R$ 20 mil para pagar a dívida dele. Eu não aceitei."

Felipe conta que passou a ser coagido pelo colega com fotos do suposto agiota dentro da residência dele. "Ele começou a jogar sujo, dizendo que a pessoa que estava atrás dele, também estava atrás de mim. Começou a mandar fotos do suposto agiota na minha casa enquanto eu viajava, além de mostrar fotos do meu irmão para o criminoso", continuou.

Felipe contou ao Correio que o estelionatário jogaria a culpa do empréstimo não pago na vítima e no irmão dele. A vítima, então, decidiu topar fazer o negócio, indo com o colega em uma concessionária de veículos. "A partir desse momento, fiquei com receio de dar algum problema. Ele disse que se eu passasse a procuração do veículo para ele, pagaria a dívida. Para ajudá-lo, decidi passar o documento."

"Depois, descobri que não existia nenhum agiota. O então amigo aplicou o golpe dentro da minha casa. Fora eu, ele fez o mesmo com outras quatro ou cinco pessoas. Eu perdi o meu carro e o meu irmão, por sorte, também não levou o mesmo golpe", completou. Felipe decidiu não registrar boletim de ocorrência.

Artigo 171

De acordo com o Código Penal Brasileiro, o crime de estelionato está enquadrado no artigo 171 e, para se considerar delito, deve cumprir quatro requisitos: obtenção de vantagem ilícita; causar prejuízo a outra pessoa; uso de meio de ardil, ou artimanha; e enganar alguém ou levá-lo ao erro. Um dos casos mais comuns que chegam à polícia são justamente golpes sofridos por Ricardo e o pai da primeira-dama: golpistas se passando por familiares no WhatsApp, na tentativa de obter alguma vantagem indevida de outros integrantes da família. 

O delegado Erick Sallum aponta que os criminosos chegam nas vítimas após dados pessoais e preferências individuais serem vendidos na internet paralela, a Deep Web — plataforma onde ocorre a comercialização de ilícitos, como drogas e armas. "Ter acesso a esses dados possibilita aos criminosos potencializar seus esquemas de engenharia social e enganar as pessoas passando-se por terceiros. Na lógica capitalista tudo que tem muita procura tem valor e tem-se observado um exponencial crescimento do 'tráfico de dados'", explicou o delegado.

Uma das regiões preferidas pelos golpistas é a área central de Brasília. Os criminosos, segundo Sallum, buscam vítimas com menor familiaridade com tecnologias e com um poder aquisitivo maior. O delegado apontou que os criminosos estão preferindo crimes eletrônicos do que o crime "presencial", conforme indicam dados recém-divulgados pelo Anuário Brasileiro de Segurança Pública.

"A atratividade das fraudes eletrônicas se dá pela baixa pena comparativamente aos crimes violentos contra o patrimônio, bem como a expressiva maior rentabilidade. Com uma arma de fogo se subtrai um celular ou o dinheiro do caixa do comércio, mas para isso o criminoso deve se arriscar pessoalmente. Com telefone celular ligando de outro local, o criminoso consegue subtrair centenas de milhares de reais, sem sequer estar no mesmo estado da vítima. As vantagens são óbvias e o crime se direciona para isso", explicou.

Dengue

O DF vive uma epidemia de casos da dengue e o aumento de internações entram no radar dos golpistas. Por isso, um golpe bastante utilizado por farsantes, durante o auge da pandemia de covid-19 no DF, voltou a aparecer em outros estados, como Santa Catarina e São Paulo: o golpe do falso profissional de saúde. Nele, os estelionatários, com dados de pacientes internado, fingem ser médicos e entram em contato com familiares informando que o paciente precisará de um determinado procedimento.

Na maioria dos hospitais particulares, há informações de que pagamentos só podem ser feitos no local. A SES-DF, em nota, diz que "em hipótese alguma médicos do governo do DF ligarão para pedir qualquer quantia em dinheiro."

*Estagiário sob a supervisão de Suzano Almeida

O que fazer?

Transferiu uma quantia em dinheiro para um desconhecido acreditando ser um amigo ou alguém da família?

1Faça uma cópia de todas as mensagens trocadas com o criminoso que se passou pelo conhecido da vítima;

2Guarde o comprovante de transferência bancária contendo o nome do beneficiário e o boleto eventualmente pago a pedido do criminoso;

3Registre ocorrência de estelionato pela internet ou em uma das unidades da PCDF, apresentando os documentos anteriormente mencionados;

4Se o valor do prejuízo for maior do que 20 (vinte) salários mínimos, a ocorrência poderá ser registrada diretamente na Delegacia Especial de Repressão aos Crime Cibernéticos.

WhatsApp clonado?

1 Desinstale e instale o WhatsApp em seu aparelho, digitando os códigos de instalação de forma errada por várias vezes;

2 Repita tal procedimento diversas vezes até bloquear
a conta;

3 Após tais procedimentos, aguarde a empresa WhatsApp lhe enviar, via SMS, um novo código de instalação do aplicativo. O referido envio pode demorar alguns dias;

4 Enquanto aguarda a recuperação do WhatsApp, verifique se algum conhecido ou familiar efetuou depósito bancário a pedido do criminoso, identificando, em caso positivo, o nome do banco, a agência e a conta em que foi realizado;

5 Se algum conhecido/familiar efetuou o depósito, a pessoa que teve o WhatsApp capturado deverá se dirigir a uma delegacia de polícia para registrar ocorrência, inserindo o nome do conhecido/familiar que efetuou o depósito como vítima de crime de estelionato (Art. 171 do CP);

6 No momento do registro da ocorrência, deverá ser apresentado o comprovante de depósito realizado na conta indicada pelo criminoso.

Pena

» A pena para estelionato comum varia entre um a cinco anos de prisão. Caso a fraude tenha sido cometida com a utilização de informações fornecidas pela vítima, induzindo a erro por meio de redes sociais, contatos telefônicos ou envio de correio eletrônico fraudulento, a pena sobe para quatro a oito anos de reclusão e multa.

» Uma alteração recente na Lei nº 14.155, de 2021, cita que criando a figura da fraude eletrônica, conhecido como estelionato digital — forma mais qualificada do crime de estelionato —, a punição pode ser aumentada de um a dois terços, caso o crime tenha sido praticado por servidor mantido fora do território nacional.

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postado em 24/02/2024 05:53 / atualizado em 24/02/2024 12:30
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