Os casos de dengue no Distrito Federal estão sobrecarregando o sistema de saúde pública da capital do país. Até o fim da tarde dessa terça-feira (20/2), a taxa geral de ocupação dos leitos públicos de unidades de terapia intensiva (UTI) era de 94,86% para os adultos, 88,89% para os pediátricos e 97,59% para os destinados a neonatais. Só que a rede pública do DF também atende moradores do Entorno, o que contribui para a sobrecarga. De acordo com o último boletim epidemiológico da dengue, divulgado, nessa terça-feira, pela Secretaria de Saúde (SES-DF), dos 81.408 casos prováveis da doença, 1.695 eram de moradores de Goiás.
- Dengue promove queda de 80% em estoque de banco de sangue; entenda
- Dengue ou covid? Saiba como identificar e tratar corretamente a doença
- Comércio sente efeitos da dengue e entidades mostram preocupação
Nos 12 municípios que fazem parte do Entorno do DF, segundo a Secretaria de Estado da Saúde (SES-GO), em 2024, até essa terça-feira, foram 7.097 casos confirmados de dengue — dos 21.513 registrados pela pasta em todo o estado (confira o quadro). Em entrevista ao Correio, na última sexta-feira, o subsecretário de Vigilância à Saúde (SVS), Fabiano dos Anjos, disse que o DF sente a pressão causada pelo Entorno na rede pública.
No Hospital Regional de Santa Maria (HRSM), a reportagem encontrou, na última segunda-feira, a moradora de Valparaíso de Goiás Maynara Fernandes, 23 anos. Ela disse que, na manhã de domingo, percebeu que a filha Maia, de apenas 9 meses, estava com febre de 38ºC. Além disso, a bebê sofria com diarreia havia uma semana, um dos sintomas da dengue. A esteticista chamou a irmã, Mayara Fernandes, 28, para acompanhá-la, logo cedo na segunda-feira, até o Centro de Atendimento Integrado à Saúde (CAIS), em Valparaíso, onde pretendia consultar a recém-nascida.
"Fiquei apavorada quando cheguei lá", relatou a esteticista. "Em frente ao CAIS, onde fica a tenda do atendimento próprio para dengue, tinha muita gente", relatou. Na unidade de saúde Maynara foi aconselhada a procurar o Hospital Regional de Santa Maria, a opção mais próxima com pediatras, a 12km de distância de sua casa.
Por volta das 14h30, as irmãs pegaram uma senha na recepção do Hospital Regional de Santa Maria. "Demorou para fazer a triagem, a ficha e, até agora (19h30 de segunda-feira), não chamaram para a consulta", relatou Maynara. "A Maia (a filha) está até começando a ficar febril de novo", preocupou-se. O espaço estava repleto de crianças e mães, assim como ela, cansadas de aguardar atendimento. "Estou aqui até agora, mas vou embora porque não vou mais esperar. Tinha uma moça ali com uma criancinha (na fila) que mandou o esposo vir buscá-la. Ela disse que também não ia esperar mais", observou a esteticista, que desistiu da consulta e voltou para casa com a filha febril.
Peregrinação
Também moradora de Valparaíso, Leane Raquel Rodrigues, 34, estava no HRSM acompanhando a filha Carleane, 10, e a sobrinha Ramoniele, 16, que estavam com suspeita de dengue. Ela contou que tentou atendimento três vezes no CAIS da cidade goiana. "Eles só passam dipirona. Minha sobrinha está com sangramento no nariz há quatro dias. Fui lá ontem (domingo), não tinha nem energia elétrica", relatou.
Segundo Leane, a sobrinha foi a primeira, entre as duas meninas, a apresentar sintomas, na quarta-feira passada. A mãe de Leane a levou, no mesmo dia, ao CAIS, onde a estudante fez exame de sangue e tomou medicação intravenosa. Ontem (domingo), durante o retorno no centro de atendimento, Ramoniele desmaiou. "O exame nem estava pronto. Ela (Ramoniele) disse que estava com o nariz sangrando, mas só passaram soro e dipirona", afirmou Leane. "Ela não está melhorando. Minha mãe falou que ela desmaiou e só deram o soro. Nem conseguiram imprimir o exame no CAIS, porque estavam sem energia elétrica", reclamou Leane.
De acordo com ela, como os exames do CAIS não saíram, teve que ir até o Hospital de Santa Maria com as meninas, que estavam piorando. "Carleane está com sintomas há quatro dias. Ela já teve pneumonia na infância e está sentindo dores no peito, na cabeça e febre", comentou Leane, que elogiou o atendimento do HRSM, apesar da demora.
União
Sanitarista e professor da Universidade de Brasília (UnB), Jonas Brant explica esse fluxo de pacientes do Entorno para o DF. "A gente tem uma característica que, por ser uma capital, temos uma concentração de equipamentos de saúde que a maioria dos municípios (do Entorno) não dispõe. Isso faz com que essa população busque atendimento aqui", afirmou. "É muito mais perto, o acesso a esse serviço aqui no DF e não em Goiânia", ressaltou o especialista.
Segundo ele, é necessário trabalhar em um comitê de gestão da epidemia entre DF e Entorno, para que haja o monitoramento de como está a situação. "O olhar não deve ser de que o Entorno pesa no DF ou vice-versa, mas que todo mundo pesa em todo mundo e que essa análise tem que ser feita em conjunto. Não dá para imaginar uma epidemia em qualquer município do Entorno que não afete o DF ou o contrário", acrescentou Brant.
MBA em gestão pública pela Universidade do Distrito Federal (UDF), Thaynara Melo ressaltou que a sobrecarga no sistema de saúde do DF causada pela população do Entorno é apontada como um dos motivos para o atendimento ruim nas unidades hospitalares. "Essa é mais uma variável que deve ser considerada em qualquer estratégia para políticas de grande escala do DF. Precisamos considerar o fluxo da população do Entorno no nosso escopo de atendimento do SUS, por conta da proximidade espacial e da dificuldade de infraestrutura das cidades menores", afirmou.
"O trabalho de prevenção com as cidades do Entorno é parte da resposta para a eventual pressão que nosso sistema de saúde vem enfrentando por conta dos casos de dengue", observou Thaynara. "Principalmente um diálogo direto entre o GDF e as prefeituras das cidades que fazem fronteira com o DF. Essa é uma forma mais racional, rápida e efetiva para chegar em soluções conjuntas e diminuir a quantidade de casos", acrescentou a especialista.
Interferência
De acordo com a SES-GO, a cidade do Entorno com o maior número de casos confirmados de dengue é o Novo Gama. O Correio esteve na Unidade de Pronto Atendimento (UPA) do local e constatou que a parte destinada para o atendimento de casos prováveis de dengue estava lotada.
Uma das pessoas que buscavam atendimento para a filha era a dona de casa Patrícia Avelino, 42. Ela contou que a filha estava com sintomas da doença e, por isso, decidiu buscar a confirmação. "Na rua onde moro, tem muita gente que pegou dengue, inclusive teve casos até de morte. Na minha família, ela é a primeira que, provavelmente, pegou a doença nessa epidemia", lamentou.
"Na minha opinião, são os vizinhos que não estão fazendo a parte deles. A prefeitura limpa e, logo em seguida, está tudo sujo novamente. Não adianta cobrar das autoridades, se não fizermos por onde também", reclamou a dona de casa. "Na minha casa, nem planta tenho, justamente para evitar locais onde o mosquito possa se reproduzir", garantiu.
Ao Correio, a superintendente de Vigilância em Saúde da SES-GO, Flávia Amorim, disse que a região do Entorno foi a primeira que acendeu o sinal de alerta sobre a dengue no estado. "Principalmente no município de Águas Lindas, ele foi o primeiro que montou o gabinete de crise (em 15 de janeiro). A situação da dengue no estado como um todo é de preocupação, tanto que foi decretado estado emergência na saúde pública e, no Entorno do DF, não é diferente", afirmou.
Para a superintendente, a situação que o Distrito Federal enfrenta também colaborou para o estado de emergência vivido no Entorno. "Temos municípios onde a diferença é a divisa de rua. Então, a gente sabia que o que está acontecendo no DF interferiria também nos municípios do Entorno", lamentou. "Por isso que esses municípios são considerados, para nós, prioritários no desenvolvimento de ações", garantiu Flávia.
Flávia Amorim comentou que, nesta quarta-feira (21/2), o governo de Goiás vai promover o Dia D de Combate à Dengue. "O que estamos querendo de todos os municípios do estado é uma grande mobilização para sensibilizar a população e também todos os órgãos das prefeituras, para que todos sejam verdadeiros agentes de controle em endemias", ressaltou. "Se a gente unir as forças dos governos municipal, estadual e federal, mais a população, principalmente na eliminação dos criadores, conseguimos reduzir também a transmissão", avaliou.
Casos confirmados
Águas Lindas — 234
Alexânia — 737
Cidade Ocidental — 194
Cocalzinho de Goiás — 207
Cristalina — 459
Formosa — 697
Luziânia — 1.004
Novo Gama — 1.273
Padre Bernardo — 651
Planaltina — 583
Santo Antônio do Descoberto — 385
Valparaíso de Goiás — 673
Fonte: SES-GO
Saiba Mais
Gostou da matéria? Escolha como acompanhar as principais notícias do Correio:
Dê a sua opinião! O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores pelo e-mail sredat.df@dabr.com.br