Um plantão de rotina de policiais militares, na manhã de domingo, terminou em tragédia. Depois de atender a uma ocorrência sem gravidade, três colegas pararam em frente a uma sorveteria no Recanto das Emas, para um momento de relaxamento. O sargento Paulo Pereira de Souza e o soldado Diogo Carneiro saíram, compraram picolés e voltaram para a viatura, onde o motorista, o soldado Yago Monteiro Fidelis os aguardava na direção. Neste momento, começou o drama.
Ao entrar no carro, o sargento Paulo atirou na cabeça do colega Yago e, em seguida, tirou a própria vida, com um disparo de arma de fogo. Diogo Carneiro ouviu o barulho das balas e correu em busca de socorro. Não deu tempo. O sargento morreu no banco traseiro da viatura da Polícia Militar e Yago foi encaminhado para o Hospital Regional de Taguatinga (HRT), onde chegou em estado gravíssimo. Cerca de duas horas depois morreu.
De acordo com informações obtidas pelo Correio, Paulo estava na PMDF havia 23 anos e nos últimos tempos enfrentava problemas pessoais. Ele trabalhava no Gama, mas havia sido transferido havia três meses para o Recanto das Emas. O sargento passou por psicólogos da Polícia Militar, mas, como nada foi constatado nos exames, ele voltou a trabalhar normalmente. Agora a tragédia acende o alerta para a saúde mental dos integrantes das forças de segurança pública.
Também na Polícia Civil do DF um episódio, ocorrido logo após o Natal, despertou questionamentos sobre os riscos de manter na ativa policiais com algum tipo de alteração psicológica e descontrole. Na madrugada de 27 de dezembro, um agente que agredia uma mulher em um bar em Vicente Pires, foi repreendido por populares e por uma delegada da Polícia Civil. Em reação, ele sacou a arma e atirou no pé da policial.
Foco na saúde mental
A especialista em saúde mental Cláudia da Mata defende que profissionais da segurança pública precisam de acompanhamento contínuo para evitar o adoecimento psíquico. "Acredito que seria necessário termos políticas públicas nesse sentido para resguardar esse profissional que está nas ruas o tempo todo. Do contrário, vamos continuar nos deparando com situações em que o sujeito coloca a vida dele em risco e a de outros também", argumentou.
Para a psicoterapeuta, as instituições de segurança ainda têm uma cultura de preparo dos combatentes voltada apenas para a ação nas ruas, e acabam negligenciando a saúde mental do indivíduo.
Ainda que o adoecimento mental seja diversificado, casos graves, como o da manhã de ontem, exigem que a corporação policial se responsabilize ativamente pelo problema, opina Igor Saraiva, psicólogo clínico. "Acredito que o principal entrave para o debate da saúde mental seja o não reconhecimento do adoecimento dos agentes como responsabilidade institucional. Isso requer, da polícia, um olhar sobre os números, a quantidade de afastamentos, de pessoas que estão adoecendo, idealizando suicídio, e buscar entender por que isso está acontecendo", afirma.
O delegado-titular da 27ª Delegacia de Polícia (Recanto das Emas), Fernando Fernandes, que apura o caso, conta que o sobrevivente da tragédia de ontem não foi atingido, mas recebeu estilhaços dos tiros. "Há resquícios de pólvora na orelha dele", contou o delegado.
Fernandes afirma que até o momento, segundo testemunhas, não há sinais de desavença entre os policiais Paulo Pereira de Souza e Yago Monteiro Fidelis. "Segundo funcionários da sorveteria, não havia nenhum sinal de atrito entre os policiais", relatou o delegado. "O policial sobrevivente também narrou que não havia desavenças", compartilhou.
Fernandes acrescentou que a investigação está em busca de mais informações e testemunhas que possam ajudar a esclarecer a dinâmica da tragédia, assim como imagens de câmeras de segurança. A principal linha de investigação é de que o sargento tenha sofrido um surto.
Circunstâncias
Testemunhas que estavam perto do local do ocorrido contaram que ouviram os disparos, e que, em seguida, viram Diogo Carneiro correndo em desespero. Horas depois do ocorrido, a filha de Paulo Pereira chegou ao local em estado de choque, e o Corpo de Bombeiro foi acionado para prestar assistência.
De acordo com informações obtidas pelo Correio, Yago se formou na corporação em 2021 e estava prestes a se casar e comprar um apartamento. Nas redes sociais, um colega de trabalho lamentou a tragédia. "No dia 24 de agosto de 2021, o Yago agradecia a Deus por ter se formado policial. Hoje, 14 de janeiro de 2024 é assassinado com disparo de arma de fogo desferido por um colega de farda que teve a saúde mental negligenciada. O Yago pagou uma conta que não era dele e a família vai continuar pagando para sempre", publicou.
Ao Correio, um amigo próximo, que preferiu não se identificar, contou que Yago era uma pessoa muito carismática, alegre e se dava bem com todos no trabalho. "Muito dedicado e amava o que fazia", afirmou.
Gestão
A governadora em exercício Celina Leão (PP) disse que tem se preocupado bastante com a questão da saúde mental dos integrantes das forças de segurança e já pretendia que o programa Ressignificar, lançado na semana passada, com cursos de capacitação e treinamento de policiais e bombeiros, se tornasse uma oportunidade para que as corporações olhassem de forma mais próxima para os profissionais que estão nas ruas.
Celina afirma que ficou muito impressionada com as imagens de um agente da Polícia Civil que atirou e agrediu uma colega delegada na véspera da virada do ano, em Vicente Pires. "Aquela cena me impressionou", disse Celina. Segundo ela, os cuidados com a saúde mental representam atualmente o grande desafio dos gestores. "A depressão e a ansiedade são problemas sérios que precisam ser tratados de frente, com prioridade. Talvez pelo resultado da pandemia de covid, pelo excesso de informações ou outros fatores do mundo moderno, as pessoas estão adoecendo mentalmente. Precisamos encarar esse problema", disse.
Um dos encargos repassados à coronel Ana Paula, que tomou posse como comandante-geral da PM na semana passada, foi justamente esse tema. "Quando uma pessoa tem estresse ou depressão já é um perigo. Uma pessoa com estresse, depressão, armada e muitas vezes com problemas de alcoolismo representa um risco para ela mesma e para os outros", afirmou Celina, sem se referir diretamente ao episódio do Recanto das Emas que ainda está em apuração, mas no geral, por considerar que essa é uma realidade de parte das forças de segurança do país.
Ressignificar
Sandro Avelar também aposta que o programa Ressignificar, criado para priorizar o treinamento das forças de segurança na condução de casos de violência contra a mulher, pode focar também em saúde mental. "Esses policiais enfrentam situações extremas de tensão e estresse. Não é fácil e muitos, mesmo na aposentadoria, têm a expectativa de vida reduzida", sustenta o secretário de Segurança.
O deputado federal Alberto Fraga (PL-DF), que é policial militar e lidera a bancada da bala na Câmara dos Deputados, lamentou o caso. "Na Comissão de Segurança da Câmara, nós fizemos uma audiência pública para debater essa questão do suicídio dos polícias. Ouvimos várias pessoas e ficou nítido que os policiais precisam de um acompanhamento. Está faltando um quadro técnico com pessoas qualificadas para dar uma olhada na saúde dos profissionais, porque não são poucos casos, já está mais do que comprovado que a profissão gera um estresse muito grande" disse.
Saiba Mais
-
Cidades DF Vídeo mostra momentos antes de polícia atirar em colega
-
Cidades DF O crime que marcou o DF: um ano da maior chacina do Centro-Oeste
-
Cidades DF Homem tenta matar mulher a facadas na Estrutural e acaba preso
-
Cidades DF Falta de efetivo impacta na saúde mental e física da Polícia Militar
-
Cidades DF Soldado da polícia, morto após tiro na cabeça por sargento, iria se casar
-
Cidades DF Não houve desavença entre sargento e policial mortos, garantem testemunhas