Com o decreto de estado de emergência na saúde pública, a população teme pelo avanço da dengue no Distrito Federal. O sentimento não é em vão. Especialista afirma que a capital do país está longe de atingir o pico de casos e que a curva de aceleração ainda está no começo. O pesquisador da Universidade de Brasília (UnB) Breno Adaid ressalta que o cenário atual do DF é de preocupação. "A coisa está feia. Basicamente, a curva de casos estava em aceleração leve e disparou. Ela deve fazer algo parecido com o desenho de um sino, só que ainda está no começo", alerta.
Vale ressaltar que o pesquisador da UnB não utiliza a mesma metodologia da Secretaria de Saúde, que divulgou boletins epidemiológicos até 20 de janeiro, contabilizando 16.628 casos prováveis. Breno — que calculou 16.665 casos prováveis no total das três primeiras semanas — comenta que ainda é preciso tempo para se confirmar, exatamente, quando será o auge.
Porém, ele adianta que vai ficar pior. "Em 2022, por exemplo, quando a fase crítica também ocorreu no início do ano, foram 12 semanas desde o começo da aceleração até atingir o pico de 5 mil casos, entre março e abril", recorda. "Se tivermos um comportamento parecido, em relação ao tempo, o cenário de 2024 será muito pior. Estamos no começo da aceleração, e tivemos 9 mil somente nessa última semana", calcula Adaid. Segundo ele, em 2023, o surto foi maior no final do ano.
Culpa conjunta
O coordenador de Infectologia do Hospital Santa Lúcia, Werciley Júnior, ressalta que a prevenção deveria ter começado antes do surto. "Era pra ter ocorrido uma mobilização do Estado, juntamente com a sociedade", reforça. "Não adianta só o governo se mover fazendo orientações, visitas e aplicação do fumacê se não tivermos a conscientização", acrescenta o médico.
Para o infectologista, um dos pontos foi que, durante o período de seca, não houve uma atuação tão forte dos entes públicos. "Só estamos vendo nesta fase em que já começou o surto e nos aproximamos de uma epidemia", avalia. "Não podemos afirmar, porque muitas das ações são feitas de uma maneira que não fica tão exposta, mas, a princípio, é uma das possibilidades. Ocorreu também uma demora da atuação, principalmente da linha do fumacê", pondera.
Mas o médico afirma que a população também tem sua parcela de culpa. "Ela não atuou nas prevenções, deixando acumular lixo em residências e água em calhas", ressalta. "Tudo isso são coisas que a população poderia, não só esperar o ente público, mas ter se movido, para sua proteção", provoca.
Werciley Júnior comenta que, para tentar controlar o surto, o trabalho deve ser conjunto. "É preciso atitudes do governo, do ponto de vista de combater a infecção, ou seja, diagnóstico rápido e assistência para quem pegar, fazer a prevenção com a aplicação de fumacê, visita de agentes de saúde nos domicílios de maior risco, tentar identificar e eliminar possíveis, além de atitudes preventivas, com a distribuição e uso de repelentes", enumera. "Já a população, precisa refletir que as ações feitas em casa, como a limpeza de calhas e retirar os acúmulos de lixo, ajudam bastante no combate à doença", conclui o médico.
Casos
De máscara no rosto, o segurança patrimonial Alessandro da Silva, 41 anos, confirmava que o atual estado de saúde não parecia com o do quadro quando teve covid. "Foi mais leve, para mim (aquela época). Agora, achei, inicialmente, que fossem sintomas gripais, senti um mal estar, tomei chá pensando que ia melhorar, mas veio a febre alta e que atrapalhou o sono. Me peguei quase desmaiando, suando muito. Foi tudo rápido: tive a sensação de tudo ficar turvo", comentou, na fila de testagem na tenda montada em Ceilândia.
No sábado, depois de um passeio no shopping com a esposa Edivânia e o filho de 2 anos e meio Arthur, é que se acendeu o alerta para a sequência de mal estar. O morador de Ceilândia contou que toma muitos cuidados em casa, no combate a focos de mosquito. "Atualmente, a casa é fechada às 17h, e passamos a colocar inseticida, de cômodo em cômodo, sempre com o cuidado de ventilação. Depois, usamos o repelente de tomada, e meu filho ainda usa o repelente normal", observou. Vale lembrar que, para menores de dois anos, é recomendado o uso da substância apenas sob indicação médica.
Em Samambaia, no sábado, que deu conta de estimados 240 atendimentos, outra mãe estava em alerta: vendedora em fábrica de estopa Gleidimar da Silva, 44, em meio a sete dias de atestado, não desgrudava a atenção da filha Julia dos Santos, 14 anos. "Eu estava muito ruim, agora, tô melhor, graças a Deus! Tomei líquido, sem parar. Era muita dor no corpo, nas articulações; ia mexer, e tudo doía. A febre estava altíssima e tive disenteria. Agora a Julia está vomitando muito, tem febre, dor abdominal e até sangramento, isso com muita dor no corpo", contou Gleidimar, que, pela primeira vez, enfrentou dengue.
A pressão muito baixa assustou Francisco Rodrigues de Amorim, motorista, algo relutante às visitas médicas. Mas no sábado, ele teve de mudar costumes: e, numa cadeira de rodas, adentrou a atendimento da tenda montada em Samambaia Sul. "Aqui (na tenda) está precisando de mais médicos. A dengue está se alastrando e a UPA está lotada", comentou o amigo dele Carlito Nobre Bezerra, indignado.
Na "onda de azar" de Carlito está a lida com dois irmãos acometidos pela dengue: "tão ruim de saúde, mesmo", disse. Também motorista, Carlito reclamou da falta de ações como a da rota do fumacê, na Expansão (Samambaia Norte). Assustado com a piora, há quatro dias, quando passou a ter suor excessivo, febre e dor no olho, Francisco buscou o atendimento: "meu corpo tá doendo, e de várias formas", resumiu. No caso dele havia desconfiança de um quadro de chikungunya (que igualmente pode ser transmitida pelo Aedes aegypti).
Ritmo acelerado
Trabalhando em ritmo acelerado, o médico Thiago Lima Leite conta que tem atendido aproximadamente 85 pessoas por dia, na tenda montada em Samambaia. Em 60% dos casos, ele confirma o quadro da dengue. Num cenário que faz lembrar o da época dos atendimentos para a covid-19, com 11 horas de missão diária, o médico explica que os casos mais leves podem ter solução pelo atendimento no esquema das tendas. "Nos casos moderados (e leves), há indicação do retorno na UBS para o acompanhamento na contagem de plaquetas, a cada três dias. Em uma expressão moderada, a doença requer cuidados com uso de soro fisiológico ou glicosado", explica.
Já nos casos mais leves, a recomendação é de hidratação oral, que pode ser conseguida até pela água de coco. "Normalmente, há prescrição de dipirona, plasil e bromoprida (controle de náuseas e vômitos). As pessoas têm que ficar atentas para não usar AAS ou anti-inflamatórios", ressalta. Alguns sintomas da dengue podem se relacionar a outros de síndromes gripais ou gastroenterite; daí, a importância para se detectar (ou descartar) a dengue. Coriza, congestão nasal, espirro e tosse, geralmente, apontam para quadros diferentes do relacionado ao do mosquito Aedes aegypti (mas nada impede que haja sobreposição de sintomas).
Vistoria
Uma equipe do Corpo de Bombeiros fez o trabalho de vistoria em pouco mais de 4 mil imóveis do Recanto das Emas, no sábado, eliminando possíveis focos do mosquito e orientando a população das quadras 801, 802 e 803. De acordo com a tenente-coronel Lorena Athaydes, comandante do Grupamento de Proteção Civil do CBMDF, foram 327 militares. "Eles orientaram os moradores e fizeram as vistorias dos locais onde pode ter acúmulo de lixo e água parada", comentou. "Naqueles locais onde não podemos descartar, fizemos o tratamento para eliminar as larvas do mosquito da dengue", detalhou a tenente-coronel.
A tenente-coronel lembrou que o GDF disponibiliza o telefone 199, da Defesa Civil, para receber denúncias e informações. "Se a população souber de algum vizinho ou terreno baldio que possa ter focos, pode entrar em contato que estaremos fazendo o levantamento e visita nessas residências", alertou.
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