A recente explosão de casos de dengue — aumento de 646% em relação ao mesmo período do ano passado — traz à tona a preocupação com imóveis abandonados espalhados pelas regiões administrativas do Distrito Federal. Para que haja um trabalho mais intenso, a Justiça concedeu permissão para agentes de saúde ingressarem em endereços abandonados, como imóveis fechados, e naqueles que o acesso for negado.
Desde o avanço da dengue na capital federal, o governo tem investido em ações ostensivas para reduzir a proliferação do mosquito, causador de doenças como dengue, zika e chikungunya. Os trabalhos vão do carro fumacê a conscientização de moradores ao evitar água parada. Uma outra frente é a visita de agentes de vigilância ambiental nas residências, durante toda a semana, incluindo os sábados, para averiguar a situação de cada imóvel.
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O Correio percorreu regiões da capital federal e constatou edificações que se tornaram esqueletos, propícios para serem pontos de proliferação do mosquito Aedes aegypti.
Um dos exemplos é um prédio abandonado na Rua 8 de Vicente Pires. A reportagem foi ao local e constatou que o prédio está abandonado por conta de uma guerra judicial. A diarista Daiane Resende, 27 anos, mora na região e contou que de um tempo para cá, muitas pessoas que moram perto foram diagnosticadas com dengue. "O prédio está abandonado e tenho certeza que há focos do mosquito ali. Lá em casa, minha filha está com febre e com suspeita de dengue", contou. "O prédio está abandonado há bastante tempo, e como não há janelas, certamente a água entrou. É lamentável", completou.
A comerciante Bárbara Carvalho, 27, tem uma loja de vestuários em frente ao prédio. Ela conta que coloca veneno, mas tem receio de que seja picada pelo mosquito transmissor da dengue. "Eu tenho certeza que, dentro daquele prédio, há focos do mosquito da dengue. Nunca chegou ninguém do governo para bater ali e ver a situação lá dentro", explica. "Vicente Pires é uma região com muitas piscinas e é necessário esse trabalho nas casas para combater o mosquito. Ficamos apreensivos, porque temos medo de algo pior acontecer", comentou.
Outro ponto visitado pelo Correio foi o Torre Palace Hotel, abandonado desde 2013 e localizado no centro de Brasília. Fundado pelo empresário libanês Jibran ElHadj e inaugurado em 1973, o hotel funcionou por 40 anos em um dos pontos mais valorizados da cidade. Com a morte do patriarca, em 2000, o imóvel passou à gestão dos sete herdeiros, que teriam entrado em desacordo sobre o empreendimento. O local chegou a ser abrigo para pessoas em situação de rua e usuários, mas, em 2016, foi desocupado durante uma operação da Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF).
À reportagem, o pedreiro Matheus Alencar, 49, relatou que a situação de dengue na capital federal é preocupante, ainda mais quando esses imóveis abandonados são pontos visitados pelo Poder Público. "Fica difícil combater a dengue quando não há acesso a esses locais. Em um prédio desse, localizado quase no coração de Brasília, precisa que haja uma ação. Certamente, lá dentro, deve haver focos do mosquito. É um dos inúmeros prédios abandonados", disse.
O Correio questionou sobre quantos prédios abandonados existem na capital federal. Em nota, o governo afirmou que "infelizmente, não há esse recorte".
Residências
À frente do trabalho ostensivo de profissionais de visitar residências, o diretor de vigilância ambiental da Secretaria de Saúde do Distrito Federal (SES-DF), Jadir Costa, explica que é necessário o combate, em todas as frentes, para evitar a proliferação do mosquito. O gestor citou uma declaração da secretária da Saúde, Lucilene Florêncio, em coletiva de imprensa, de que 90% dos focos de dengue estão localizados em residências.
"O nosso trabalho de visitar as casas nunca deixou de acontecer. Mas, há casos que temos dificuldade, tendo em vista que precisamos entrar em contato com o dono do imóvel para fazermos a averiguação daquele local. Não havendo a possibilidade, e o caso se tornando um risco à saúde pública, buscamos outros caminhos. A maioria dos focos está em residências", afirmou o diretor, à reportagem.
Costa prossegue, citando que a ausência da decisão judicial, que passou pelo crivo da 3ª Vara da Fazenda Pública, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT), prejudica o trabalho dos agentes de saúde para acessar esses locais, em especial ambientes abandonados. Segundo ele, dentro da pasta, há um trabalho mais intensivo nas regiões onde há mais casos.
"Temos o problema da recusa das pessoas em deixar o agente entrar na residência. Às vezes, essas pessoas são acumuladoras de lixo, por exemplo, mas, outras vezes, não conseguimos pedir para entrar, porque muitos moradores só estão em casa à noite", explica. "O que estamos fazendo é um mapa de calor com mais casos. Nesses locais, estamos concentrando mais agentes para eliminar o mosquito. É de uma suma importância o alvará junto à Justiça para que haja prosseguimento do combate ao mosquito Aedes aegypti", completou.
Pedido
O pedido para que haja o alvará judicial foi solicitado pela Procuradoria-Geral do Distrito Federal — responsável pelos processos do GDF. A solicitação foi atendida pelo Ministério Público do Distrito Federal (MPDFT).
A autorização para que os agentes entrem em imóveis sem permissão para combate à dengue ocorre há bastante tempo, mas o alvará judicial não chegou a ser solicitado pelo governo nos últimos anos. O MP explicou que, mesmo que um domicílio seja considerado constitucionalmente inviolável, a medida para combater a dengue é respaldada por uma lei distrital, de 2016.
"Tal direito não é absoluto e deve ceder espaço quando questões mais importantes estejam em risco. Na ponderação de conflito de direitos, deve prevalecer a saúde de toda a população em prejuízo da inviolabilidade da propriedade privada", escreveu o promotor de Justiça Marcelo da Silva Barenco.
"Em outras palavras, o interesse privado dos proprietários de imóveis que, por qualquer razão particular, mantêm os imóveis desocupados e trancados, ou que negam autorização para entrada das equipes de prevenção, não pode prevalecer sobre o interesse público e difuso da coletividade de manutenção das ações de saúde pública para garantia da saúde em geral da população", pontuou Barenco.
O pedido para autorização, aprovado pela Justiça, terá validade de um ano. O governo, ao solicitar o alvará, argumentou a gravidade da doença no DF, além de ser período chuvoso, "em que ocorre o acúmulo de água, cria ambientes favoráveis à eclosão dos ovos depositados pelo mosquito no período de estiagem".
Desde quinta-feira passada, o DF está em situação de emergência na saúde pública por conta do aumento de casos. Conforme o último boletim epidemiológico divulgado pela secretaria, desde o início do ano, o DF atingiu cerca de 16 mil casos prováveis, sendo as regiões com mais ocorrência são Ceilândia (3.963), Sol Nascente/Pôr do Sol (1.110) e Brazlândia (1.045).
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Principais sintomas
» Febre alta > 38°C;
» Dor no corpo e articulações;
» Dor atrás dos olhos;
» Mal estar;
» Falta de apetite;
» Dor de cabeça;
» Manchas vermelhas no corpo.
Fonte: Ministério da Saúde
Sinais de alarme
» Dor abdominal intensa (referida ou à palpação) e contínua;
» Vômitos persistentes;
» Acúmulo de líquidos (ascite, derrame pleural, derrame pericárdico);
» Hipotensão postural e/ou lipotímia;
» Letargia e/ou irritabilidade;
» Hepatomegalia maior do que 2cm abaixo do rebordo costal;
» Sangramento de mucosa;
» Aumento progressivo do hematócrito.
Fonte: Ministério da Saúde
Casos leves
» Repouso relativo, enquanto durar a febre;
» Estímulo à ingestão de líquidos;
» Administração de paracetamol ou dipirona em caso de dor ou febre;
» Não administração de ácido acetilsalicílico;
» Recomendação ao paciente para que retorne imediatamente ao serviço de saúde, em caso de sinais de alarme.
Fonte: Ministério da Saúde
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